23 de Setembro de 2016 - 14h:43

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Disputa entre acionistas pode atrapalhar recuperação da Oi

Por: Exame

Quando a empresa de telefonia Oi pediu recuperação judicial em junho, já se sabia que o processo seria um tanto complexo. Além de uma dívida de 65 bilhões de reais, a Oi tem 66 000 credores espalhados por diferentes países: bancos, fornecedores, trabalhadores e milhares de investidores que compraram títulos da dívida da companhia aqui e no exterior.

Também pesava contra o histórico da Oi um roteiro de jogos, trapaças e alguns canos fumegantes. Os primeiros meses de “recuperação”, porém, superaram qualquer expectativa. Credores, acionistas e conselheiros se desentenderam, a Justiça chegou a intervir numa das disputas, e os problemas só se avolumaram.

Pelo cronograma de um processo como esse, um plano de renegociação de dívidas e reestruturação da empresa ficaria pronto e assinado por todos em seis meses. Hoje, porém, advogados e executivos próximos à companhia ouvidos por EXAME acham que pode levar mais de um ano.

O risco é que a demora comece a prejudicar as operações da Oi, o que, por sua vez, pode complicar ainda mais o andamento da recuperação judicial. Normalmente, as empresas brasileiras têm um controlador — ou um grupo de controladores — e precisam organizar um conjunto relativamente pequeno de credores para discutir a recuperação.

Mas a Oi não tem nada disso: a empresa não tem controlador e acumulou uma multidão de credores nos quatro cantos do mundo. O maior acionista da companhia, com 22,4% de participação no capital, é a Pharol, uma empresa financeira criada em 2014 para reunir as ações da Oi que pertenciam à Portugal Telecom.

A Pharol surgiu quando a Portugal Telecom teve de se reestruturar para cobrir um rombo em seu balanço no meio do processo de fusão com a Oi. Os administradores da tele portuguesa surrupiaram 897 milhões de euros do caixa da empresa para comprar títulos da Rioforte, empresa que pertencia ao Grupo Espírito Santo — que, por sua vez, enfrentava dificuldades e era acionista relevante da Portugal Telecom.

Depois desse rolo todo, os sócios brasileiros venderam suas ações e os portugueses criaram a Pharol, que herdou as ações da Oi. Quando a Oi entrou em recuperação judicial, a Pharol imaginou que as quatro cadeiras que tinha no conselho de administração (de um total de dez) dariam a ela papel de liderança no processo de negociação com os credores.

No Brasil, cabe à companhia apresentar um plano de recuperação — que deve ser aprovado pela maioria dos credores. Mas a fragilidade da Pharol atraiu outro investidor para o processo. Logo após o pedido de recuperação, aproveitando-se dos centavos que valiam as ações da Oi, o empresário brasileiro Nelson Tanure começou a comprar papéis da empresa.

Quando atingiu 6% de participação, quis exercer o direito (previsto na lei) de convocar uma assembleia e promover mudanças no conselho da empresa. Alegava que a Pharol, por ser a antiga Portugal Telecom, era responsável pelo caos financeiro da Oi e, portanto, tinha de ser afastada da empresa e processada. O caso foi parar nas mãos do juiz Fernando Vianna, da 7a Vara Empresarial do Rio de Janeiro.

Ele é o responsável pela recuperação judicial da Oi. Vianna decidiu não decidir nada: disse que Tanure e Pharol deveriam chegar a um acordo, o que acabou acontecendo. A Pharol concordou que Tanure indicasse dois conselheiros: o ex-ministro Helio Costa e o ex-presidente do BNDES Demian Fiocca.

Quando Tanure começou a comprar ações da Oi, elas valiam 80 centavos — de lá para cá, valorizaram 330%. Já a Pharol perdeu 85% de seu investimento desde que ficou com as ações da Oi, em julho de 2014. E agora quer estar à frente do processo para recuperar as perdas.

A entrada de Tanure na jogada criou uma nova etapa na recuperação da Oi. Devido à mudança no conselho, a Anatel, agência reguladora do setor, entendeu que houve uma troca no controle da empresa e, agora, precisa dar seu aval à nova parceria. O presidente da Anatel, Igor Freitas, afirma que essa avaliação passa por etapas internas até ser encaminhada a um relator, que terá 120 dias para se manifestar.

Segundo Freitas, a questão da Oi deve ser avaliada em prazos menores. Sem a aprovação da Anatel para o novo conselho, Tanure e Pharol não devem começar negociações formais com os credores. Enquanto os novos sócios se acertavam sem qualquer conversa prévia com os credores, a Oi apresentou seu plano, cumprindo o prazo estabelecido pela Justiça.

Como esperado, a companhia se dispôs a vender ativos para reduzir seu endividamento — o principal deles é a operação de telefonia celular em São Paulo. A surpresa maior do plano foi a proposta de renegociação de dívidas com os credores que têm títulos de dívida emitidos no exterior, que respondem por metade da dívida total da Oi, ou 32 bilhões de reais.

Em resumo, a Oi propôs pagar a esses credores apenas 30% do valor dos créditos, ou 11 bilhões de reais. Além disso, quer ter a opção de recomprar esses títulos dentro do prazo de três anos se o processo de recuperação judicial for bem-sucedido e a empresa tiver sobra de recursos em sua operação.

Caso contrário, os credores poderão ficar com 85% do capital da Oi após esses três anos, trocando seus títulos de dívida por ações. Ou seja, se tudo der certo, os acionistas ficam com a empresa; se der errado, ela vai para os credores. Em nota, um comitê de credores afirmou que o plano proporciona ganhos extraordinários aos atuais acionistas, o que classificam de “inaceitável”.

O que eles querem é converter os títulos de dívida em ações imediatamente, ficando no controle da empresa. “Onde está escrito na lei de recuperação judicial brasileira que os credores têm de converter suas dívidas em ações da empresa?”, questiona um executivo da Pharol que pediu para não ter seu nome divulgado. “Fizemos um plano que atende aos interesses de todos os credores.”

Nova gestão

Os credores, claro, discordam. “Pharol e Tanure estão bem longe de ter um histórico de tratamento adequado a credores, que têm muito a perder no processo”, diz o advogado Eduardo Augusto Mattar, sócio do escritório Pinheiro Guimarães, que trabalha para um grupo de detentores de títulos de dívida da Oi. A Pharol já paralisou negociações com credores antes de a Oi entrar em recuperação judicial.

Tanure ganhou notoriedade por investir em empresas em dificuldades financeiras — como os jornais Gazeta Mercantil e Jornal do Brasil e a petroleira PetroRio, antiga HRT. Nesses casos, colecionou mais inimigos do que sucessos. Sua maior tacada foi a venda da empresa de telefonia Intelig para a concorrente TIM em 2009.

Para comprar as ações da Oi que lhe garantiram vagas no conselho, Tanure usou dinheiro do caixa da PetroRio. Fez isso apesar de o estatuto da PetroRio proibir investimentos fora do setor de atuação da empresa sem a aprovação do conselho. O empresário justifica a operação dizendo que foi um “excelente investimento”.

Tanure declarou que pretende reconstruir a Oi, trazendo para ela dinheiro novo e uma nova gestão. Como as negociações não começaram para valer, os dois lados se dizem irredutíveis. Os milhares de donos de títulos de dívida da Oi estão se agrupando em torno de escritórios de advocacia e assessores financeiros para tentar assumir o controle da empresa no âmbito do plano de recuperação.

Um grupo que reúne a consultoria Íntegra, o banco de investimento ACGM e dois ex-presidentes de empresas de telecomunicações — João Cox (Claro) e Mario Cesar Araujo (TIM) — se lançou para administrar a Oi caso os credores assumam a empresa. Tanure e Pharol dizem que isso não acontecerá de forma alguma.

Em tese, os dois lados têm até março para se entender. É quando acaba o prazo de seis meses entre o pedido de recuperação judicial e a aprovação de um plano. Mas, com a necessidade de aprovação pela Anatel da entrada de Tanure, sabe-se lá quando o prazo se esgota na prática.

Se as disputas continuarem sendo levadas à Justiça, é possível que a assembleia para avaliar o plano só aconteça daqui a um ano, segundo advogados e pessoas próximas à Oi. Ainda que se chegue a um acordo, nada impede que, durante a assembleia, um novo plano seja apresentado com alterações em relação à primeira proposta.

Caso não haja consenso, a decisão caberá ao juiz. Se não houver solução, a empresa poderá ir à falência. Como o maior negócio da Oi, a rede de telefonia fixa, é uma concessão, ela voltaria para a União em caso de falência — ou seja, seus ativos não podem ser vendidos para levantar recursos e pagar os credores.

Mas mudanças nessas regras de concessão estão em estudo pelo governo, especialmente porque elas precisam ser atualizadas para permitir às empresas investir mais em seus negócios de banda larga do que na velha telefonia fixa.

Credores relevantes da Oi, como BNDES, Caixa Econômica Federal, Itaú e Banco do Brasil — que, têm, juntos, cerca de 11 bilhões de reais em dívidas da Oi —, não se manifestaram publicamente sobre as condições de pagamento que lhes foram oferecidas. Outra grande credora é a própria Anatel, que tem perto de 13 bilhões de reais a receber da Oi por causa de multas aplicadas à tele.

Agência e empresa conversam para transformar essas multas em investimentos a ser feitos na operação da Oi. Apesar de querer garantir que esses gastos estejam previstos pela empresa no plano de negociação com os credores, a Anatel informa que não votará na aprovação do plano na assembleia.

A preocupação é que a demora no processo possa prejudicar a operação da Oi — o que, embora ainda não tenha acontecido, é um risco no horizonte. O maior perigo é haver uma debandada de clientes caso a qualidade do serviço comece a cair. Isso pode acontecer nas áreas de atendimento corporativo e telefonia celular — em que clientes são disputados a socos e pontapés pelas concorrentes.

Outro risco é o de perda de cérebros: sem uma solução à vista, a companhia passa a ter dificuldades para contratar e manter bons profissionais. Além disso, em recuperação judicial, a Oi fica sem acesso a crédito bancário no Brasil. Questionada por EXAME,­ a Pharol afirma que o negócio “vai bem” e que a companhia não precisa de financiamento.

Tentando dar uma injeção de ânimo na equipe, a Oi realizou, em setembro, o que chamou de “projeto de reconhecimento”. Pediu que cada funcionário indicasse três colegas que tivessem “feito a diferença” em sua área de atuação. O efeito foi o contrário do esperado.

Os funcionários viram a iniciativa como uma maneira disfarçada de conseguir informações para fazer uma rodada de demissões. Na recuperação judicial mais enrolada do Brasil, ninguém confia em ninguém.

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