22 de Janeiro de 2008 - 12h:36

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Termos de compromisso da ANS: desvantagem para o consumidor

Não é de hoje que os reajustes dos planos de saúde são uma pedra no sapato do consumidor. Na verdade, o setor da saúde complementar é um dos setores econômicos mais reclamados pelos consumidores. E a questão dos reajustes, sejam os anuais, ou por faixa etária, ou, ainda, o denominado reajuste técnico, é crucial.

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa de do Consumidor) sempre criticou a falta de transparência nos dados relativos aos reajustes dos planos de saúde. Os consumidores e seus representantes nunca tiveram acesso a esses números.

A partir de 2004, com base em uma decisão liminar proferida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1931-8, as operadoras de planos de saúde sentiram-se no direito de aplicar os reajustes que bem lhes conviesse aos contratos individuais de planos de saúde celebrados anteriormente à vigência da Lei de Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998).

Do mesmo modo, inúmeras foram as ações ajuizadas para o combate desses reajustes que, não poucas vezes, mostraram-se exorbitantes e impraticáveis. Foram ajuizadas tanto ações individuais quanto civis públicas, estas tanto pelo Idec como pelo Ministério Público. Diante do abuso evidente, muitas liminares foram concedidas e, posteriormente, confirmadas por sentença.

É o que aconteceu, por exemplo, com a Sul América em ação movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. Nesse caso, como em tantos outros, a cláusula de reajuste contida nos contratos individuais de planos de saúde celebrados antes da vigência da Lei de Planos (denominados de “contratos antigos”) era obscura e imprecisa, prevendo, na prática, variação unilateral do preço pela operadora, o que, à evidência, configura violação ao Código de Defesa do Consumidor, já que caracteriza cláusula abusiva.

Nesse sentido foi proferida a sentença nos autos nº 583.00.2004.073209-3, que tramitou pela 28ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, determinando, como conseqüência, que de 2004 em diante fosse adotado somente o índice de reajuste determinado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e que, por óbvio, não contrariasse os demais tópicos decisórios da sentença.

Ao mesmo tempo em que decisões favoráveis aos consumidores de todo o país eram proferidas, a ANS, somente após muitas reclamações dos inúmeros consumidores prejudicados por aumentos tão descabidos, valendo-se de disposições expressas na Lei de Planos de Saúde e na lei que a instituiu (Lei nº 9.961/2000), passou a regular o reajuste dos “contratos antigos” de uma forma diferenciada, celebrando com as operadoras de saúde os malfadados termos de compromisso, que, via de regra, definiram como critério de reajuste anual a variação dos custos médico-hospitalares.

Com isso, percebe-se a complexidade do setor de saúde complementar. Somente em relação aos reajustes anuais – não se discorrerá a respeito dos reajustes por faixa etária e do reajuste técnico – temos duas regras para os contratos individuais e mais outras duas regras para os contratos coletivos. Detenhamo-nos nos contratos individuais.

Enquanto que os denominados “contratos novos” têm como limite de reajuste o percentual informado anualmente pela ANS (decorrente da média do reajuste nos contratos coletivos), independentemente do plano (desde que individual/familiar) ou da operadora, os denominados “contratos antigos”, quando a operadora decide-se por assumir as regras dos famigerados termos de compromisso, têm sofrido reajustes com base na variação dos custos médico-hospitalares, curiosamente, em geral maiores do que os “contratos novos”, maiores do que a inflação medida no setor da saúde (aí inclusos serviços e medicamentos) e, evidentemente, maiores do que a inflação do período medida por institutos oficiais (IPCA, IGPM, INPC).

A variação dos custos médico-hospitalares é obtida por auditoria dos técnicos da ANS e tem como base planilhas de custos fornecidas exclusivamente pelas operadoras.

A assinatura desses termos de compromisso permitiu às operadoras a aplicação de “resíduos” referentes aos períodos de reajuste compreendidos entre os anos de 2004/2005 e 2005/2006, encarecendo sobremaneira os contratos dos consumidores. Ressalte-se que se tratam de carteiras antigas e que, geralmente, contam com a participação de muitos idosos – tendência de maior utilização do plano com diminuição do poder aquisitivo –, o que torna a situação mais grave do ponto de vista constitucional, já que, apesar de ser composto pela iniciativa privada, o setor de saúde suplementar tem como meta constitucional complementar o atendimento a uma garantia fundamental, seguindo diretrizes de interesse público.

Nesse ponto é que se justifica a menção do que ocorre com a Sul América. Recentemente, a operadora conseguiu permissão para aplicar, desde novembro/2007, os nefastos “resíduos” referentes aos períodos anteriores a 2007.

O Idec discorda da adoção desses termos de compromisso e ingressou com ações civis públicas para contestar a sua validade, assim como outras entidades de defesa do consumidor também o fizeram.

A discordância não diz respeito à forma, prevista em lei, mas ao seu conteúdo, que tem se apresentado em absoluto descompasso com o Código de Defesa do Consumidor e com a própria Lei de Planos de Saúde, que prevê a sua utilização em benefício do consumidor.

Há que se ponderar que o critério variação dos custos médico-hospitalares, na sua essência, é critério de variação unilateral do preço – visto que a sua obtenção depende tão somente da análise das informações fornecidas única e exclusivamente pelas operadoras de planos de saúde – e, assim sendo, viola disposições expressas do Código de Defesa do Consumidor, no artigo 51, IV, X, XIII e XV. Com isso, inevitavelmente chegamos à incontestável conclusão de que a necessária vantagem para o consumidor prevista na Lei dos Planos de Saúde (artigo 29-A) não se configura.

O caso da Sul América tem um agravante. A decisão judicial foi muito clara: as cláusulas de reajuste, presentes nos “contratos antigos”, obscuras, imprecisas e que, na prática, previam a variação unilateral do preço, foram consideradas nulas de pleno direito, em conformidade com o sistema consumerista. Em hipótese alguma, o “resíduo” que tem sido acrescentado às contraprestações pecuniárias poderia ser aplicado, pois configura inobservância da sentença proferida.

As decisões que têm sido proferidas afastando a incidência do famigerado resíduo coadunam-se com o sistema legal que rege as relações de consumo nesse setor e reavivam a discussão sobre os reajustes que abarrotam o setor de saúde suplementar, prejudicam e excluem os consumidores. Sem dúvida, esses debates devem ser trazidos à tona e tais formas de reajustes devem ser contestadas, em busca de outras que se mostrem mais justas, condizentes com a relevância do tema – garantia fundamental – e vantajosas para o consumidor, sempre a parte hipossuficiente nessa relação.
 
 
 
Fonte: Última Instância
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