31 de Janeiro de 2008 - 12h:43

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O direito internacional do investimento

"O Brasil vai invadir a Ásia", "Petrobras voltará a investir na Bolívia", "Vale investe bilhões no exterior", "É hora de investir fora" - todas estas manchetes recentes dão conta de uma tendência que vem se consolidando nos últimos anos: além de ser um dos principais destinos dos investimentos internacionais, o Brasil tornou-se também exportador de capitais, com um crescente número de empresas nacionais buscando oportunidades de negócio além-mar. O fenômeno é conseqüência natural do processo de internacionalização da economia brasileira, intensificado a partir de meados dos anos 1990.

A decisão de investir em um país estrangeiro é sempre cercada de inúmeras cautelas, pois além dos riscos inerentes a qualquer empreendimento há também o risco legal e o risco político da nação receptora dos investimentos. Mesmo conhecendo bem as regras vigentes para o setor em que o investidor pretende atuar, a possibilidades de mudanças abruptas no quadro institucional de um país com a alternância de governos, por exemplo representa um risco adicional ao investidor - basta lembrar da recente nacionalização dos ativos da Petrobras na Bolívia.


Na esteira da onda das nacionalizações e expropriações ocorridas entre o pós-guerra e a década de 1970 (vide os casos anglo-iraniano, Aminoil versus Kuwait, entre tantos outros), os países exportadores de capitais, capitaneados pelo Banco Mundial, forjaram um arranjo legal no âmbito do direito internacional com vistas a trazer maior segurança aos investidores. Com efeito, em 1965 celebrou-se uma convenção criando um centro internacional de arbitragem - o International Centre for Settlement of Investment Disputes (ICSID) - sob os auspícios do Banco Mundial, para a conciliação e solução dos conflitos relativos a investimentos estrangeiros, entre nacionais de um Estado (os investidores) e o Estado receptor dos investimentos.


Para estar submetida à jurisdição do ICSID, além de ser parte no tratado, é necessário também o expresso consentimento da nação, dado em algum instrumento que precedeu o conflito ou em um instrumento "ad hoc" após a controvérsia, o que afasta qualquer questionamento acerca do sempre delicado tema da soberania. A chamada Convenção de Washington, de 1965, foi extremamente bem sucedida, tendo atualmente mais de 140 países como parte. Toda a América Latina ratificou a convenção, com exceção do Brasil e México. A Bolívia era parte, mas denunciou o tratado recentemente, em maio de 2007.



Tendo o Brasil se tornado um exportador de capitais, é chegado o momento de inserir-se no sistema de controvérsias


O ICSID também esta aberto para dirimir conflitos envolvendo nações que não sejam parte da Convenção de Washington, por meio de seu chamado mecanismo complementar. Basta que a nação receptora do investimento e a nação do investidor possuam algum tipo de tratado ou acordo autorizando a submissão de controvérsias ao ICSID. É o caso típico dos tratados bilaterais de investimento - os BITs, no acrônimo da grafia inglesa como são conhecidos - nos quais há, com freqüência, a autorização para que as disputas entre os investidores e os Estados receptores dos investimentos sejam dirimidas no âmbito do ICSID. Em verdade, esses BITs - que proliferaram de forma avassaladora nos últimos 40 anos, sendo que contam-se hoje mais de 3.500 BITs em vigor - têm dado uma importante contribuição no desenvolvimento do direito internacional do investimento, fixando standards mínimos de tratamento aos investimentos estrangeiros (compensação integral, tratamento justo e igualitário aos investidores nacionais, não discriminação etc.), além da já mencionada remissão à arbitragem de investimento do ICSID, gerando um rico corpo jurisprudencial sobre a matéria.


O Brasil, lamentavelmente, continua à margem do sistema de controvérsias do ICSID. Não faz parte da Convenção de Washington e nem tampouco ratificou os BITs que celebrou nos anos 1990 - cerca de dez. A referência anedótica que temos é a de que, no início do governo Lula, a diplomacia brasileira chegou a se interessar pelo assunto, mas, após consultar nossos irmãos argentinos, desistiu da empreitada. Explica-se: a Argentina é atualmente a maior cliente do ICSID em dezenas de demandas propostas por investidores lesados com o desajuste econômico daquele país, fruto da crise de 2001/2002. Evidentemente que, no momento, os argentinos não têm a melhor das opiniões sobre a arbitragem de investimento. Todavia, não se pode descartar a possibilidade de ter sido exatamente o fato de a Argentina ser parte da Convenção de Washington e estar submetida à jurisdição do ICSID que os investimentos estrangeiros se deram naquele país, nos mais diversos setores da sua economia.


Tendo o Brasil se tornado um exportador de capitais, é chegado o momento de inserir-se no direito internacional do investimento, seja aderindo e ratificando a Convenção de Washington, seja celebrando e ratificando BITs com as nações com as quais mantém relações econômicas importantes e para onde os capitais brasileiros estão migrando. Isto trará maior segurança jurídica ao investidor brasileiro no exterior, reduzindo riscos legais e custos de transação, bem como eliminando a vantagem competitiva que investidores de outras nações - freguesas que são do ICSID - têm em relação aos brasileiros. De outro lado, a percepção pelo investidor estrangeiro de uma maior proteção aos seus investimentos no Brasil com a submissão de disputas ao ICSID poderá atrair ainda mais capitais internacionais, acelerando o processo de desenvolvimento econômico do Brasil.


Marcos Rolim F. Fontes
 
 
Fonte: Valor On Line
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