11 de Fevereiro de 2008 - 09h:23

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A Justiça do Trabalho e a reforma do Judiciário

A Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, interferiu em muitos assuntos, entre os quais a implementação da celeridade processual, a equivalência dos tratados sobre direitos humanos às emendas constitucionais e a redistribuição da competência judicial com a ampliação da Justiça do Trabalho. Esta providência foi tomada por meio da nova redação dada ao artigo 114 da Constituição Federal, que ganhou nove incisos, entre eles um - exatamente o IV - que outorga ao Judiciário trabalhista o poder de processar e julgar mandados de segurança, habeas corpus e habeas data "quando o ato questionado envolver matéria de sua jurisdição".

Excelente medida, pois o juízo ideal para conhecer uma questão é aquele que lida rotineiramente ou mais de perto com a legislação que lhe é pertinente. Até a Emenda Constitucional nº 45, as autoridades suposta ou verdadeiramente coatoras na prática ou omissão de atos afetos às relações de trabalho, todas federais, eram questionadas na Justiça Federal. Na verdade, no texto constitucional originário a competência da Justiça do Trabalho se cingia à solução, por conciliação ou julgamento, dos dissídios individuais ou coletivos, via de regra prevalecendo no pólo ativo um reclamante (predominantemente o empregado) e no pólo passivo o reclamado (predominantemente o empregador). Portanto, a ampliada competência criou novas figuras em um cenário antigo e ocupado de forma bem previsível, com rito também já consolidado nas normas e no tempo, através de uma rotina que atravessou muitas décadas. Além de criar novos personagens - no caso o impetrante e o impetrado -, os ritos próprios das medidas encampadas vieram esbarrar em normas e rotinas processuais trabalhistas pré-existentes, não revogadas e nem adequadas, tais como o não-cabimento de agravos de instrumento de decisões interlocutórias, recurso restrito à denegação dos recursos, conforme o artigo 897, alínea "b" da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).


Todavia, no tocante ao mandado de segurança, que passou à responsabilidade da Justiça do Trabalho quando envolver matéria de sua jurisdição, conforme a nova redação do citado dispositivo constitucional, como proceder em relação ao despacho que indefere ou defere a medida liminar? Neste particular, os impetrantes têm enfrentado sérias dificuldades, e até mesmo suportado cerceamento de defesa, em caso de indeferimento da medida liminar postulada. A Lei de Mandado de Segurança - a Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 1951 - prevê a medida liminar em seu artigo 7º, inciso II, e o Código de Processo Civil, em seu artigo 522, caput, em combinação com o artigo 527, inciso III, e o artigo 558, faculta o uso de agravo de instrumento a ser recebido no efeito suspensivo, para o impetrante em segunda instância tentar a tutela extraordinária, mecanismos que alguns tribunais regionais trabalhistas vêm se recusando a processar, até mesmo a receber, em extremada obediência à regra processual trabalhista segundo a qual não cabe agravo de decisão interlocutória.


Este entendimento não pode preponderar, mas aqueles que defendem a prevalência e inflexível aplicação da norma processual trabalhista se respaldam na falta de regulamentação legal para o processamento de agravo de despacho interlocutório em lide trabalhista, ainda que a ação mandamental goze disciplina especial e não se inclua entre os procedimentos previstos na CLT.



A eficiência de um mecanismo processual fica abalada exatamente pela inaplicabilidade da emenda constitucional


Para outros, mais práticos e zelosos do direito das partes, o próprio Judiciário trabalhista pode adequar o rito e aplicar a lei que rege o mandado de segurança em combinação com a lei processual civil, fonte processual subsidiária apontada no artigo 796 da CLT. Nesta linha de entendimento, a Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 6ª Região decidiu pelo cabimento do agravo de instrumento para atacar uma decisão do juízo singular que conceda ou negue medida liminar, em uma decisão pioneira publicada em 22 de março de 2006, ou seja, quase dois anos após a emenda constitucional.


Apesar dessa decisão, em algumas regiões se mantém a posição antiga, e disso resulta um terrível paradoxo, pois a emenda constitucional em comento é responsável pela introdução do princípio da celeridade processual, mediante a inserção do inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição Federal. Acrescente-se ainda que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou, em uma interpretação teleológica do artigo 558 do Código de Processo Civil (CPC), ser o agravo - e não outra ação mandamental - o único meio para se impugnar o despacho denegatório ou não de uma medida liminar.


A prevalecer a sistemática assumida pelos resistentes, a celeridade pretendida pela Emenda Constitucional nº 45 fica seriamente prejudicada nas ações mandamentais impetradas na Justiça do Trabalho, e mais uma vez se sacrifica a justiça em prol do formalismo. Na verdade, mais do que a celeridade, a eficiência de um mecanismo processual emergencial fica abalada, e exatamente pela inaplicabilidade da emenda constitucional que institui o princípio da celeridade processual. É mesmo paradoxal!
 
 
 
Fonte: Valor On Line
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