14 de Fevereiro de 2008 - 10h:21

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Sigilo de processo e de documentos públicos é exceção

A vontade do Estado de manter em segredo suas práticas não pode culminar em ofensa aos direitos da pessoa que é submetida a processo ou investigação criminal. Este foi o entendimento usado pelo ministro Celso de Mello para conceder liminar em Habeas Corpus para Georges Fouad Kammoun. Ele foi denunciado junto com outros 11 réus por dispensa indevida de licitação, peculato, lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos do Banco de Brasília, esquema descoberto durante a Operação Aquarela. Sua defesa foi impedida de ter acesso ao processo, que corre em segredo de Justiça.
Celso de Mello é um dos maiores adversários do sigilo que o Estado prega para suas atitudes. Ele aproveitou o pedido de Habeas Corpus para repetir sua crença. Afirmou que “o fascínio do mistério e o culto ao segredo não devem estimular prática estatais cuja realização culmine em ofensa aos direitos básicos daquele que é submetido, pelos órgãos e agentes do Poder, a atos de persecução criminal”.
O ministro disse também que a Constituição Federal não privilegia o sigilo, “nem permite que este se transforme em ‘praxis’ governamental”. Para o ministro, o sigilo é exceção e quando decretado “não tem o condão de suprimir ou de comprometer a eficácia de direitos e garantias fundamentais que assistem a qualquer pessoa sob investigação ou persecução penal do Estado, independentemente da natureza e da gravidade do delito supostamente praticado”.
Quanto à prerrogativa do advogado de ter acesso ao processo, independentemente da fase que ele esteja, Celso de Mello escreveu que o Estatuto da Advocacia garante o direito de exame dos autos para que se possibilite a prática de direitos básicos, como o da ampla defesa.
“É absolutamente inaceitável, considerada a própria declaração constitucional de direitos, que a pessoa sob persecução penal (em juízo ou fora dele) mostrar-se-ia destituída de direitos e garantias. Esta Suprema Corte jamais poderia legitimar tal entendimento, pois a razão de ser do sistema de liberdades públicas vincula-se, em sua vocação protetiva, a amparar o cidadão contra eventuais excessos, abusos ou arbitrariedades emanados do aparelho estatal”, disse.
De acordo com o ministro, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ensina que “o exercício do poder não autoriza a prática do arbítrio” e mesmo quando o procedimento penal ainda está na fase de investigação policial “há direitos titularizados pelo indiciado, que simplesmente não podem ser ignorados pelo Estado”.
Para Celso de Mello, permitir o acesso do advogado aos autos do inquérito ou do processo penal, além de se cumprir o que determina a lei, garante o sucesso da ação, que não será arquivada por irregularidades. “O direito de defesa tem de ser compreendido como prerrogativa indisponível assegurada pela Constituição da República. (...) Para que não se comprometa o sucesso das providências investigatórias, advogado tem o direito de conhecer as informações contidas no inquérito”.
O ministro afastou a Súmula 691 (que proíbe a concessão de liminar em HC cujo relator, em tribunal superior, tenha negado pedido semelhante) e concedeu liminar para suspender a ação em trâmite na Justiça do Distrito Federal até o julgamento de mérito do pedido de Habeas Corpus. A decisão foi estendida para todos os co-réus.
Às claras
Em 2001, Celso de Mello já afirmava sua convicção no princípio da publicidade que, para ele, é uma das regras de gestão do Poder. E o Poder não pode conviver com a prática do mistério e do sigilo, ainda mais quando se trata da administração de uma sociedade aberta, fundada em bases democráticas. A “bronca” foi dada no julgamento da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta contra o parágrafo 3º do artigo 47 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União.
O dispositivo permitia que a administração deixasse de apresentar ao Tribunal de Contas do estado do Ceará o conteúdo de pesquisas e auditorias solicitadas pela administração para direcionamento de suas ações, bem como de documentos relevantes, cuja divulgação pudesse importar danos para o estado.
O ministro considerou que a regra demonstrava “uma fórmula que, mais do que perigosa, reflete uma inqualificável subversão dos princípios estruturadores da gestão democrática e republicana do poder estatal, cuja prática impõe, aos que o exercem, plena submissão às exigências indisponíveis da publicidade”.
“O novo estatuto político brasileiro — que rejeita o poder que oculta e que não tolera o poder que se oculta — consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado, incluindo-o, com expressa ressalva para as situações de interesse público, entre os direitos e garantias fundamentais”, considerou.
O ministro ressaltou que “a Assembléia Nacional Constituinte, em momento de feliz inspiração, repudiou o compromisso do Estado com o mistério e com o sigilo, que fora tão fortemente realçado sob a égide autoritária do regime político anterior, no desempenho de sua prática governamental. Ao dessacralizar o segredo e ao banir a possibilidade do exercício de um poder não consentido, a Assembléia Constituinte restaurou velho dogma republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido em fator de legitimação das decisões e dos atos governamentais.”
A validade do parágrafo 3º, do artigo 47 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, está suspensa desde outubro de 2001. O mérito ainda não foi analisado (ADI 2.361).
 
 
Fonte: Consultor Jurídico
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