29 de Fevereiro de 2008 - 17h:33

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Contratos de Compra e Venda Agrícola e a Função Social do Contrato

Uma exploração capaz de arruinar a nossa economia

Por: Dr° Maurício Ribas

Ao depararmos, com um contrato de compra e venda antecipada de soja basta um simples exame, para se verificar, que se trata de contrato de adesão, onde há o predomínio da compradora sobre o vendedor, neste caso, a figura hipossuficiente do produtor rural, que é forçado a contratar em razão do estado de necessidade, ante a proximidade da época do plantio e da premência de conseguir capital para os insumos. Fato este público e notório, de conhecimento geral e inquestionável, que ocorre todos os anos em nosso estado aos milhares.

O produtor rural, contrata em flagrante desequilíbrio e sob a égide de cláusulas capciosas e leoninas, sabendo que desta forma, possivelmente encaminha-se para o prejuízo ou um parco ganho, fazendo por enriquecer sem causa a compradora. Tal contrato, modelo concentrador de renda em um país que possui um dos mais altos e piores índices de concentração de renda do mundo, ocupando uma das últimas posições no ranking da ONU, não oferece interesse à sociedade que assiste indignada, de um lado o empobrecimento do produtor rural, até mesmo a sua quebra e de outro, minorias ricas e permanentemente voltadas a reproduzir o modelo escorchante, injusto e concentrador.

A quebradeira dos produtores rurais encontra como uma das causas a prática denunciada. Destarte, cabe às instituições e em especial, ao Judiciário a defesa dos interesses nacionais, de toda sociedade, buscando o atendimento dos objetivos constitucionais de construir uma sociedade justa, livre e solidária, insculpidos no art. 3º, I, da chamada Constituição cidadã e na aplicação do art. 421 do Código Civil brasileiro que consagram a FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO, corrigindo a injustiça aqui apontada.

Há no contrato mencionado evidente lesão, lesão esta prevista pelo legislador no art. 157 do CC: OCORRE LESÃO QUANDO UMA PESSOA, SOB PREMENTE NECESSIDADE, OU POR INEXPERIÊNCIA, SE OBRIGA A PRESTAÇÃO MANIFESTAMENTE DESPROPORCIONAL AO VALOR DA PRESTAÇÃO OPOSTA. O legislador no art. 317 do CC dispôs: “QUANDO POR MOTIVOS IMPREVISÍVEIS, SOBREVIER DESPROPORÇÃO MANIFESTA ENTRE O VALOR DA PRESTAÇÃO DEVIDA E O DO MOMENTO DE SUA EXECUÇÃO, PODERÁ O JUIZ CORRIGI-LO, A PEDIDO DA PARTE, DE MODO QUE ASSEGURE, QUANTO POSSÍVEL, O VALOR REAL DA PRESTAÇÃO”.

O que ocorre é que nesses contratos, as compradoras não deixam qualquer possibilidade aos vendedores no que tange à fixação do preço do produto, estabelecendo que a sua fixação se dê em momento subseqüente e mediante prévio acerto entre as partes, conforme cláusula contratual, estatuindo que o cálculo se dê tendo como base a produção de “óleo” e “farelo” nas praças e prazo e quantidades indicadas no contrato, com respectivos prêmios, e tendo, ainda, como referência final, as cotações dos ditos produtos na Bolsa de Mercadorias de Chicago - USA (“CBOT”). Expertamente excluem as compradoras, expressamente, qualquer outra modalidade de fixação de preço quer seja considerando até mesmo a fixação do preço para produção de óleo e farelo em outras praças e/ou prazos. Salta aos olhos que a expressão acima mencionada “de comum acordo”, insculpida nos contratos, seja mera figura de retórica, que ofende o princípio da boa-fé objetiva dos contratos.

Ante a narrativa acima, cujos fatos trazem graves e por vezes irreversíveis conseqüências para a classe produtora rural do nosso estado, a realidade é que hoje a maioria de nossos sojicultores contratou mediante as cláusulas acima e têm de entregar a sua produção a um preço aviltante de US$ 10,00 (dez dólares americanos) a saca, quando a cotação hoje, vale dizer o preço de mercado hoje é de US$ 23,00 (vinte e três dólares). Um prejuízo irrecuperável e que forçosamente levará o agricultor a novo contrato de antecipação mantendo o círculo vicioso, até que um dia exaurido acabe por desistir da atividade, fato este que por certo compromete a economia de toda a nação o que não interessa à sociedade. Ora, temos o remédio jurídico, pois o princípio da socialidade é um dos três princípios basilares do novo Código Civil, sendo os outros dois o princípio da eticidade e o princípio da operatividade.

Na concepção tradicional do princípio da obrigatoriedade, seria impossível admitir que acontecimentos supervenientes rompendo o equilíbrio contratual pudessem ocasionar a revisão judicial do contrato. Mas, atualmente, também esse princípio foi atenuado com fundamento em razões de eqüidade, por influência dos novos fatos da realidade social. Modernamente, tem-se aceitado a possibilidade de revisão contratual ante o desequilíbrio drástico entre as partes contratuais, em decorrência da alteração das circunstâncias em que se processou a celebração do contrato.

Vale lembrar, o pensamento de Ripert, autor consagrado, para quem, rever o contrato é ainda respeitá-lo, do ponto de vista que o pedido de libertação ou de moderação de encargos implica o reconhecimento de que ninguém pode se desligar do contrato exceto por ato de autoridade pública.

O Código Civil de 1916, influenciado pelos ideais liberalistas e individualistas, nada previu sobre a função social dos contratos ou mesmo a função social da propriedade. Mas o Código Civil de 2002 demonstra claramente uma compreensão da liberdade de contratar dentro de uma concepção social e fora do padrão individualista, oriundo do liberalismo absoluto, ao estatuir no seu art. 421: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Jefferson Carús Guedes em sua obra: Função Social das Propriedades, estatui que a função social significa, abreviadamente, utilidade à sociedade, atendimento ao interesse coletivo. Na lição de Álvaro Villaça, em sua obra Teoria Geral dos Contratos, p. 20, ensina que o art. 421, do Código Civil de 2002, alarga a capacidade do Juiz para proteger o mais fraco na contratação, no caso de estar sofrendo pressões em decorrência da hipossuficiência econômica, o que decorre, por exemplo, de imposição de cláusulas abusivas. No mesmo sentido Adriano Lichtenberger Parra, em sua dissertação de mestrado, a respeito do presente tema, declara a função social do contrato e apresenta-a como uma “premissa, estabelecida pelo interesse social, a que todos os princípios, aplicações e interpretações jurídico-contratuais devem tomar como diretriz básica e fundamental a ser seguida, objetivando a procura do bem comum, sob pena de ocorrer um desvio de finalidade da norma e sujeitar-se a uma interferência estatal para a harmonização do interesse particular com o da coletividade”.

O doutrinador, Paulo Luiz Netto Lobo enumera, ainda, como princípio social do contrato, além da função social do contrato e da boa-fé objetiva, o princípio da equivalência material do contrato, que estaria indiretamente incluído nos arts. 423 e 424, que disciplinam o contrato de adesão, ao favorecer o aderente quando da interpretação do contrato de adesão e declarar a nulidade das cláusulas que impliquem renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. Esse princípio busca preservar o equilíbrio real de direitos e obrigações no contrato, antes, durante e após a execução, a proporcionalidade, rompendo, assim a barreira de contenção da igualdade jurídica formal, que caracterizou a concepção tradicional dos contratos. Parte da doutrina, entretanto, considera que esse princípio tem sede nos arts. 317, 478 e 479, do Código de 2002, que absorveram a teoria da imprevisão, versando sobre resolução e revisão contratual.  

Além do mais, existe a lesão, lesão esta sofrida pelo produtor, lesão que é um vício da vontade, para que se configure a lesão, de acordo com o art. 157, do Código Civil, é necessário uma das partes aproveitar-se da outra parte, quando da celebração do contrato, o que resulta num desequilíbrio entre as partes.

Nem uma criança, ou ainda qualquer pessoa por mais simples que seja, seria capaz de ignorar ou negar o prejuízo permanente do produtor rural ante a situação aqui referida. Compete a ele, o produtor rural, munido da lei, cônscio de seus direitos e na defesa de sua categoria, imbuído de um espírito de luta pelo direito e de defesa dos interesses da própria sociedade, buscar amparo jurisdicional e sair vencedor deste embate que é a causa em primeira análise de todos nós.

 

 

 

 

 

 

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