03 de Março de 2008 - 17h:52

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Advogado defende uso de class actions no Brasil

Por meio de uma class action, nos Estados Unidos, um advogado conseguir reverter o prejuízo de aproximadamente US$ 70 de cada um dos seis milhões de investidores e receber US$ 90 milhões de honorários

Nos Estados Unidos, as class actions (tipo de ação coletiva) são uma boa forma de negócio para a advocacia. O ensejo para que elas sejam colocadas sob análise do Judiciário são, principalmente, pequenos prejuízos causados a centenas de consumidores ou investidores ao mesmo tempo. Um “procurador-geral privado” os representa e, vencida a causa, recebe uma bolada em honorários. Os autores ficam com um valor que não muda em nada a sua vida, mas que, no conjunto, contribui para a aplicação da lei pela empresa.

Esse tipo de ação — e de negócio — não é permitido pela legislação brasileira, mas já há quem reivindique mudanças na lei. O advogado Lionel Zacris, autor do livro Proteção Coletiva dos Investidores no Mercado de Capitais, é um deles. Durante palestra no Ibmec, em São Paulo, ele explicou a maior diferença entre uma class action e uma ação civil pública, bastante usadas pelos brasileiros.

A primeira não precisa de uma associação ou um órgão público para ser levada à Justiça. Na segunda, quem sofreu o dano terá de ser representado pelo Ministério Público ou por entidades que representam setores da sociedade civil. Muitas vezes, um advogado se associa a um grande escritório para conseguir arcar com os custos de uma class action, que são enormes. A maior parte destas ações é causada por danos ao consumidor.

O advogado defende a instituição da class action no Brasil, principalmente, em relação aos investidores, que foram alvo de estudo e tema do livro que escreveu. Segundo Zacris, reunir todos os que foram lesados pela mesma empresa, da mesma forma, dá mais força para a reivindicação do direito. Além disso, facilita o julgamento, que fica centralizado em um só juiz. Sem esse mecanismo, empresas brasileiras ou que atuam no país respondem a centenas de ações, muitas vezes, com decisões que se contradizem.

A Avestruz Master é um exemplo disso. Em 2005, respondia 189 ações em Goiânia. A sua falência foi decretada em 2006. A empresa causou prejuízos de R$ 600 milhões e lesou aproximadamente três mil investidores. Ela vendia avestruzes para seus clientes e se responsabilizava pela criação, abate e comercialização das aves. Várias irregularidades foram encontradas no negócio, como a emissão de títulos de garantia sem autorização da Comissão de Valores Mobiliários e a venda de aves em número muito maior do que as existentes de fato.

Por meio de uma class action, nos Estados Unidos, um advogado conseguir reverter o prejuízo de aproximadamente US$ 70 de cada um dos seis milhões de investidores e receber US$ 90 milhões de honorários. A empresa gestora dos investimentos desrespeitou a lei antitruste e de mercado de capitais do país, explicou a sentença condenatória.

Para o advogado Lionel Zacris, a class action é um importante veículo para fortalecer os princípios de governança corporativa nas empresas e também para aumentar a credibilidade do mercado e da advocacia brasileira, além de movimentar a economia.

Patrícia Velloso de Luna Guidi, diretora do Departamento Internacional do Noronha Advogados, conta que a ação civil pública brasileira nasceu justamente na class action norte-americana. Ela explica que, na ação norte-americana, o número de pessoas deve ser muito grande para ser ajuizada, grande até o ponto em que, “se cada pessoa entrasse com uma ação, seria impraticável”.

Segundo Patrícia, é por iniciativa de algumas das pessoas prejudicadas por uma empresa que nasce a ação. Elas vão atrás dos demais que sofreram o mesmo dano, que são notificados judicialmente para decidir se querem ser parte no processo. A partir daí o advogado entra com a ação. A advogada é formada nos Estados Unidos e conta que, quando morou lá, foi convidada para entrar como parte em processo contra a Blockbuster. De acordo com ela, quando o cliente atrasava 15 minutos para devolver o filme, a locadora cobrava o valor de uma diária inteira.

Estudante de Direito à época, não aceitou ser parte na class action. Disse que era uma causa que a interessava muito, mas não tinha tempo para se dedicar como gostaria. Questionada sobre a possibilidade de aplicação desta ação no Brasil, ela se restringiu a dizer que a legislação brasileira não permite.

Fora da realidade brasileira

O advogado Antonio Fragata Junior, especialista em Direito do Consumidor, é contra o uso de class actions no Brasil. Para ele, não faz sentido, uma vez que grande parte das empresas brasileiras não é de grande porte e não comportaria o pagamento de tantas indenizações. “Elas não têm poder de fogo para arcar com tudo isso.” Ele lembra que a jurisprudência pacífica é de que o valor das indenizações não pode provocar enriquecimento ilícito.

O negócio

Há um risco no uso deste tipo de ação coletiva: o enriquecimento do advogado. No final de 2007, Bill Lerach, um dos mais influentes profissionais norte-americanos, foi condenado a dois anos de prisão mais multa de US$ 250 mil. Antes disso, teve de pagar US$ 7,7 milhões ao sistema judicial dos Estados Unidos.

Ficou comprovado que ele pagou para que algumas pessoas figurassem como autores de class actions. Ele era praticamente uma fábrica de ações contra grandes empresas americanas. Lerach, de 61 anos, era sócio do Milberg Weiss, um dos maiores escritório de Nova York.

Segundo as autoridades, o advogado lucrou cerca de US$ 250 milhões em 20 anos, com processos em nome de pessoas que forjavam ser vítimas de grandes empresas. Na ação contra a extinta gigante de energia Enron, a indenização foi de US$ 7 bilhões.

Indenização bilionária

Em 2000, fabricantes de cigarro nos Estados Unidos foram condenadas a pagar mais de US$ 140 bilhões a pessoas prejudicadas pelo consumo de cigarros na Flórida. À época, essa foi a maior indenização da história. Esta class action foi o primeiro caso sobre os males do fumo levado a julgamento nos Estados Unidos

A defesa da Philip Morris, R.J. Reynolds, Brown and Williamson, Lorillard e Liggett argumentou que a compensação pelos danos não podia ser estimada num valor tão alto que poderia levar as empresas à falência. Contudo, o juiz do caso, Robert Kaye, não aceitou o pedido de limitação do valor.

Os fumantes pretendiam que as empresas de cigarro pagassem US$ 196 bilhões por fabricar um produto responsável pela morte de 430 mil americanos por ano e por encobrir, desde os anos 50, a pesquisa que concluiu que fumar causa câncer.

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