05 de Março de 2008 - 13h:23

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STF decide sobre células-tronco entre a fé e a ciência

O dispositivo permite o uso de células-tronco de embriões in vitro, com autorização do casal, para fins de pesquisa e terapia.

Por: Última Instância

Sob protestos de entidades em favor da vida, sobretudo a Igreja Católica, e outros tantos em defesa de pesquisas científicas capazes de melhorar a saúde humana, tem início nesta quarta-feira (6/2) o julgamento pelo STF (Supremo Tribunal Federal) da Adin (ação direta de inconstitucionalidade) 3510, que questiona o artigo 5º da Lei 11.105/05, chamada Lei de Biossegurança.

O dispositivo permite o uso de células-tronco de embriões in vitro, com autorização do casal, para fins de pesquisa e terapia. Os embriões devem ser inviáveis há pelo menos três anos. Leia a íntegra do artigo aqui.

A Adin foi proposta, em 2005, pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles. Na ação, ele defende que a vida acontece a partir da fecundação. “O embrião humano é vida humana”, afirma o ex-procurador, que diz ter baseado o pedido em diversos relatos científicos sobre o tema (leia a íntegra da petição inicial).

O teor das discussões dos ministros, no entanto, ainda é nebuloso. Entre os possíveis temas, dois chamam a atenção: um julgamento do caso concreto relativo à permissão às pesquisas, ou ainda, uma definição constitucional do momento inicial da vida humana.

A questão foi incutida no julgamento no próprio parecer de Fonteles na Adin (leia a íntegra). Para defender seu ponto de vista, ele cita o princípio da inviolabilidade do direito à vida, constante no artigo 5º da Constituição Federal.

O relator do caso, ministro Ayres Britto, assinalou que realmente os ministros do STF poderão formular “um conceito operacional de vida, do início da vida, da própria dignidade da pessoa humana para tornar a Constituição eficaz”. Entretanto, a certeza ficará para o momento em que os ministros iniciaram o debate.

Religião
A possibilidade promete incitar os lados emocional e religioso inerentes ao caso. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) enviou carta a todos os ministros na qual pede que votem pela inconstitucionalidade da lei. Este ano, o lema da Campanha da Fraternidade é “Escolhe, pois, a vida” —referência à luta da entidade contra temas polêmicos como o aborto e a própria utilização de células-tronco em pesquisas.

A maioria dos 11 ministros do STF é católica, embora nenhum admita que a religião irá influenciar na decisão. Apenas o ministro Menezes Direito é militante e declaradamente contra a utilização de células-tronco em pesquisas. Posição resguardada em razões sólidas e técnicas, garantiram juristas quando tomou posse.

O Supremo ainda irá julgar caso semelhante envolvendo o direito à vida, mas alguns ministros já sinalizaram suas posições sobre o tema ao admitirem, em 2005, a ADPF (argüição de descumprimento de preceito fundamental) 54. Nela, discute-se a permissão do aborto no caso de anencefalia.

Os ministros Eros Grau, Cezar Peluso, a atual presidente da Corte, Ellen Gracie, e Carlos Velloso (aposentado) votaram para que nem o mérito da ação fosse julgado. Para eles, o problema deve ser resolvido pelo Congresso, já que ainda não há lei vigente sobre a questão.

Já os ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Marco Aurélio alegaram que é preciso evitar as centenas de decisões contraditórias tomadas em todo o país. Marco Aurélio concedeu liminar para permitir a interrupção da gravidez.

E Barbosa abandonou a licença médica justamente para votar nesta quarta.

Celso de Mello e Ayres Britto também foram a favor, juntamente com os aposentados Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim, formando a maioria. Carmen Lúcia, Menezes Direito e Ricardo Lewandowski, que ainda não estavam no tribunal, podem fazer a diferença agora.

A mineira Carmen Lúcia foi aluna de Carlos Velloso. É defensora ferrenha da Constituição, mas nunca se manifestou sobre temas como descriminalização do aborto em caso de anencefalia. Já o carioca Lewandowski tem formação militar, já escreveu sobre proteção aos direitos humanos, mas é contra permitir esse tipo de aborto.

Ciência
Se o tema não é unanimidade entre católicos, tampouco o é dentro da comunidade científica. E a conseqüência da complexidade foi a realização da primeira audiência pública da história do Supremo, no dia 20 de abril do ano passado, na qual especialistas trouxeram opiniões favoráveis e contrárias sobre o tema.

Para a bióloga molecular Lílian Piñero Eça, de duas a três horas após a fecundação, o embrião humano já se comunica com sua mãe. Ela foi uma das favoráveis à Adin, do ponto de vista de que, a partir do momento em que o espermatozóide fecunda o óvulo, formando o embrião, a vida começa.

Já a antropóloga Débora Diniz, da UnB, considera que, embora o debate moral sobre reprodução humana seja objeto de intensa controvérsia religiosa em nossa sociedade, a Adin parte de uma falsa premissa, de que a fecundação é o início da vida. Isso porque as pesquisas serão feitas apenas em “embriões para os quais não há como se imputar a tese da potencialidade de vida”.

Entre os presentes à audiência pública também estava o músico Herbert Viana, que ficou paraplégico após um acidente com ultraleve em Mangaratiba (RJ), em 2001. “Quantas pessoas, que eventualmente tenham sido inutilizadas em um acidente, podem voltar à ativa, a trazer comida ao prato de seus filhos”, questionou.

“Embora seja difícil prever o que os ministros irão decidir, acredito que eles não colocarão obstáculos para a continuidade das pesquisas, uma vez que esses estudos são compatíveis com o artigo 5º da Constituição, porque não agridem o direito à vida”, afirma Pedro Estevam Serrano, constitucionalista e professor da PUC de São Paulo.

Para o advogado, “o direito à vida é diferente de vida em sua acepção natural”. “Só o ser humano possui a titularidade do direito constitucional à vida e o embrião só apresenta características humanas quando passa a ter atividade cerebral”, afirma. Ele defende a tese de que os embriões humanos não têm atividade cerebral até as 12 primeiras semanas da concepção.

Em dezembro, membros da comunidade científica foram ao Supremo pedir urgência na votação e reforçar que as pesquisas são necessárias. Assim como durante a audiência pública especialistas alertaram sobre a necessidade de uma decisão baseada em dados científicos, em detrimento de argumentação religiosa.

Na última segunda-feira (3/3), parlamentares governistas também defenderam a manutenção do texto aprovado no Congresso Nacional. Henrique Fontana (PT-RS), líder do governo na Câmara dos Deputados, disse esperar que o STF faça uma profunda análise técnica para se decidir.

 

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