03 de Abril de 2008 - 15h:10

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STF começa a julgar a validade das cotas raciais

A discussão sobre a criação do Programa Universidade Para Todos (Prouni) enveredou de uma disputa tributária sobre isenção fiscal para transformar-se no julgamento do critério de seleção usado pelo programa

Por: Valor On Line

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou na tarde de ontem o julgamento de um dos principais temas que aguardam o pronunciamento da corte: o sistema de cotas raciais. A discussão sobre a criação do Programa Universidade Para Todos (Prouni) enveredou de uma disputa tributária sobre isenção fiscal para transformar-se no julgamento do critério de seleção usado pelo programa, que reserva um percentual de bolsas para negros, pardos e indígenas. O relator do caso no Supremo, ministro Carlos Britto, proferiu um voto totalmente favorável ao regime de cotas, que foi seguido de um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa. Esperado de antemão pelos colegas, o pedido de vista de Barbosa é atribuído à preparação de um voto "bombástico" para marcar a posição do primeiro ministro negro do Supremo sobre as ações afirmativas.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.330 foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) contra a Lei nº 11.096, de 2005, que criou o Prouni. O programa condiciona a concessão do certificado de entidade beneficente de assistência social - que garante isenção de tributos federais - às concessão de bolsas integrais para 10% dos alunos das universidades. A principal alegação é a de que a regra só poderia ter sido criada por uma lei complementar, e não por uma lei ordinária. Mas a confederação também questiona na Adin o critério usado na lei para selecionar os bolsistas, e é neste ponto em que o primeiro voto do Supremo se fixou.

O programa exige que os candidatos às vagas tenham estudado todos os anos em escola pública ou em particular com bolsa de estudos, e ainda que tenha renda de até 1,5 salário mínimo para disputar uma bolsa integral ou de até três salários mínimos para bolsa parcial. A terceira regra para a concessão de bolsas é a de haver de uma reserva de vagas para alunos negros, pardos e indígenas, segundo a proporção destas populações em cada Estado conforme as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mas a Confenen alega que os candidatos, independentemente de sua condição sócio-econômica, racial, gênero ou credo, têm, à luz da Constituição Federal, os mesmos direitos. "As ações afirmativas no ensino superior deveriam levar o poder público a capacitar todos para tal acesso, dando ensino básico de igual qualidade", afirma em seu pedido. Criticou também o fato de o programa outorgar bolsas de estudos "a quem não esteja capacitado para acompanhá-lo".

Na sustentação oral realizada pela Confenen, o tema foi tratado brevemente, com uma alusão à ofensa do princípio da igualdade. Mas na defesa, feita pelo constitucionalista Oscar Vilhena, foi abordado explicitamente. O ministro Carlos Britto passou de forma rápida pelo debate tributário e foi direto à discussão do critério da concessão das bolsas do Prouni. Segundo Britto, "a igualdade tem no combate aos fatores de desigualdade a sua concretização em regra". O ministro manifestou-se a favor da política de bolsas para os estudantes de escolas públicas como meio de "compensar uma inferioridade anterior, por debilidade de patrimônio e renda". Ele também afirmou ser favorável aos critérios de renda e raça, ponto em que foi ajudado por uma breve declaração do colega Joaquim Barbosa, que aludiu a "ciclos repetitivos de desigualdade competitiva". Sobre o critério racial especificamente, Carlos Britto cita o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o qual reconhece a propriedade da terra dos remanescentes dos quilombos. A previsão constitucional, segundo Britto, sugere que o negro é motivo de "orgulho e exaltação" e representa "o pagamento, ainda que tardio, da dívida do período da escravidão negra".

 

Segundo o advogado do caso, Oscar Vilhena, a decisão deve se transformar em um precedente importante para a disputa sobre as cotas já adotadas em diversas universidades federais e estaduais no país. Em 2006, diz, o número de alunos negros que entraram na universidade foi de 30,4% - em 1998 era de 17,4%. No fim dos anos 80 o número de negros que terminavam o ensino superior era de 2%.


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