23 de Abril de 2008 - 17h:35

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Anteprojeto de lei cria no Brasil versão da 'class action' americana

Por: Valor On Line

Uma idéia está surgindo entre os advogados que atuam no mercado de capitais brasileiros: a criação, no Brasil, de um instrumento semelhante à "class action" americana, que permitiria aos investidores que se julgassem lesados por empresas ingressassem na Justiça com pedidos de indenização que reparassem os danos sofridos. A possibilidade, ainda que distante, pode surgir caso o chamado Código Brasileiro de Processos Coletivos saia do papel. O anteprojeto de lei faz parte de um pacote de 12 propostas elaboradas pela Sociedade Brasileira de Direito Processual (SBDP) que concluem a reforma infraconstitucional do Poder Judiciário e que devem ser colocadas em consulta pública em maio para serem levadas ao Ministério da Justiça no fim deste semestre.
 
Pela proposta, a legislação que estabelece as regras para as ações civis públicas é alterada para incluir no rol de partes legitimadas a propor este tipo de demanda na Justiça "qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos, desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada". Na prática, significa que se um investidor que se sentir prejudicado vai à Justiça e propõe ao juiz uma ação civil pública que, caso seja aceita e julgada, sua decisão passa a valer para todos os prejudicados.
 
Hoje, ainda que exista a possibilidade de investidores buscarem seus direitos em conjunto na Justiça, há limites de atuação. Isto porque ou o investidor entra sozinho no Judiciário para pedir ressarcimento pelos prejuízos causados a ele pela empresa - e, conseqüentemente, sua ação perde força e se mistura a inúmeras outras, que tratam dos mais diversos assuntos, na Justiça dos Estados - ou procura o Ministério Público e tenta convencer promotores sobrecarregados em meio a investigações de todo o tipo de que seu prejuízo é o mesmo de outras centenas de investidores, justificando a abertura de uma ação civil pública para pedir na Justiça o ressarcimento de todos eles. Além destas duas possibilidades, há ainda a de criação de uma associação de investidores lesados, cuja legitimidade para buscar na Justiça os direitos de um grupo passa pelo crivo do juiz.
 
O litígio em conjunto de investidores contra empresas, no entanto, não tem sido comum no Brasil. O advogado Lionel Zaclis, autor de uma tese de doutorado sobre o tema e autor do livro "Proteção Coletiva dos Investidores no Mercado de Capitais", afirma que de 1989 até hoje foram propostas apenas nove ações civis públicas relativas a direitos de investidores no Brasil - entre elas a proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra a Avestruz Master, cujos investidores perderam R$ 350 milhões aplicados na criação dos animais, imbróglio que dura desde 2005.
 
Enquanto isto, neste mesmo período de tempo foram milhares, segundo Zaclis, as "class actions" promovidas por investidores na Justiça americana. Segundo ele, a "class action" pode ser proposta na Justiça americana por um único investidor que se considerar lesado, e caso o juiz aceite os argumentos de que trata-se de um caso coletivo, publica-se um edital para que os investidores que não têm interesse na ação se manifestem na ação. Os que não o fizerem colherão os resultados da ação - seja ele positivo ou negativo. Um caso emblemático, conta, é o de duas corretoras de valores de Nova York que lesaram investidores em centavos por lote de ações - algo imperceptível durante algum tempo, a não ser para um advogado especialista no mercado de capitais que se descobriu lesado em US$ 70,00 ao longo de cinco a seis anos. O advogado ingressou na Justiça pedindo que sua ação fosse certificada como "class action" pois haviam seis milhões de investidores na mesma situação - cujo desvio somava US$ 400 milhões. A ação foi aceita e as corretores condenadas a indenizar os investidores. "Se ele fosse à Justiça sozinho o juiz jamais aceitaria a ação", afirma.
 
A tarefa, no Brasil, é bem mais complexa. O escritório Grebler Advogados, que defende 2.500 cotistas do Clube de Investimentos Investvale - clube de investimentos dos empregados e aposentados da Vale criado na privatização da mineradora -, estuda alternativas para garantir a recuperação do valor real das cotas vendidas, indenização e correção monetária aos investidores supostamente lesados. Segundo o advogado Gustavo Grebler, especialista em mercado de capitais do escritório, a "class action" teria a vantagem de, ao facilitar o acesso dos investidores à Justiça, promover alterações nas companhias para que passem a operar dentro das normas. "Isto porque o valor da reparação estabelecido pela Justiça excede o valor obtido com o descumprimento das normas", afirma. Ou seja, as ações acabam por ter um efeito pedagógico no mercado de capitais.
 
Grebler afirma que um estudo identificou que de todas as "class actions" promovidas nos Estados Unidos, 47% referem-se à defesa de direitos coletivos de investidores do mercado de capitais - as chamadas "securities class actions". Em 1995, este tipo de ação acabou passando por alterações para que se evitasse o ingresso na Justiça de processos consideradas aventuras jurídicas, mas que levavam as empresas a fecharem acordos com os investidores supostamente lesados para evitar que os litígios se tornassem públicos.
 
O secretário-geral da Sociedade Brasileira de Direito Processual, Petrônio Calmon, um dos autores dos 12 anteprojetos de reforma infraconstitucional, diz que o objetivo da proposta é melhorar o instrumento da ação civil pública. Isto porque a lei atual foi criada para permitir que associações litiguem em prol de grupos supostamente lesados, mas são poucos os casos de sucesso destas entidades no Brasil. "As associações não pegaram no Brasil, tudo hoje é direcionado ao Ministério Público", diz. "O anteprojeto amplia o uso da ação civil pública, mas não acredito que vá existir um número muito maior de ações do que já existe hoje", afirma.
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