09 de Maio de 2008 - 15h:48

Tamanho do texto A - A+

Democracia e efetividade do crédito tributário

Carlos Alberto Bittar Filho

Por: Valor Online

O crédito tributário constitui uma das mais importantes fontes de receita para os cofres públicos, sendo constituído por meio do lançamento tributário, em um processo de especificação e concretização da obrigação tributária. Através do lançamento, esta última, de caráter genérico, torna-se específica, sob a forma do crédito tributário. Dessa maneira, o crédito fiscal herda todas as características fundamentais da obrigação da qual decorre, dentre as quais está seu caráter público.

Dada sua natureza pública, o crédito tributário vai haurir seus fundamentos na organização democrática do país. Afinal, cuidar de um crédito afetado a um ente público significa dizer que se trata de um quantum destinado à satisfação de necessidades da própria coletividade. A democracia é o fundamento do crédito tributário, uma vez que as autoridades responsáveis pela respectiva constituição são delegadas do povo. Por outro lado, ao constituírem o crédito tributário, essas autoridades estão gerando receita que será utilizada para a satisfação das necessidades do próprio povo.

Sendo fruto da própria organização democrática da sociedade, o crédito tributário há de ter efetividade. Isso quer dizer que é imperioso que ele seja efetivamente satisfeito, a fim de que a coletividade, em cujo nome ele é criado, possa ter suas necessidades atendidas, sob a forma de bons serviços públicos e obras de interesse social. Em outras palavras, a efetividade do crédito tributário é a garantia da melhor e mais rápida satisfação das necessidades e das aspirações sociais.

Isso explica as garantias e privilégios de que se reveste o crédito tributário. O legislador, para permitir a efetividade respectiva, previu uma série de mecanismos para protegê-lo. Trata-se de um feixe de normas jurídicas destinadas a assegurar a arrecadação de preciosas receitas em benefício do titular do poder soberano, que é o povo. Deste modo, não são regras jurídicas que devem ser analisadas isoladamente, mas sim em conjunto, de maneira sistemática e global - Código Tributário Nacional, artigos 183 a 193.

Assim sendo, responde pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis. De mais a mais, presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Por outro lado, se o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.

O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. Além disso, a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento.

São pagos preferencialmente a quaisquer créditos habilitados em inventário ou arrolamento, ou a outros encargos do monte, os créditos tributários vencidos ou vincendos, a cargo do falecido ou de seu espólio, exigíveis no decurso do processo de inventário ou arrolamento. Ademais, são pagos preferencialmente a quaisquer outros os créditos tributários vencidos ou vincendos, a cargo de pessoas jurídicas de direito privado em liquidação judicial ou voluntária, exigíveis no decurso da liquidação.

A extinção das obrigações do falido e a concessão de recuperação judicial dependem da prova de quitação de todos os tributos. De mais a mais, nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas.

Outrossim, salvo quando expressamente autorizado por lei, nenhum departamento da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, ou dos municípios, ou sua autarquia, celebrará contrato ou aceitará proposta em concorrência pública sem que o contratante ou proponente faça prova da quitação de todos os tributos devidos à Fazenda Pública interessada, relativos à atividade em cujo exercício contrata ou concorre.

Por derradeiro, não se pode deixar de mencionar que a dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída - Código Tributário Nacional, artigo 204.

O crédito tributário representa, em última análise, um dos fundamentais elos que constituem a cadeia circular criada pelo regime democrático: o povo, exercendo poder soberano, elege seus representantes; estes, por meio da autoridade de que são revestidos, criam a obrigação tributária por meio da lei; através do lançamento, essa obrigação é especificada, transformando-se no crédito tributário; se devidamente satisfeito, ele gera receita, a qual deverá ser convertida em atividades, obras e serviços de interesse coletivo. Em síntese, é por intermédio da efetividade do crédito tributário que a coletividade supre suas próprias necessidades.

Carlos Alberto Bittar Filho é Procurador do Estado de São Paulo e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo.
VOLTAR IMPRIMIR