30 de Maio de 2008 - 15h:12

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Supremo autoriza pesquisas com células-tronco embrionárias

Por: Última Instância

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, proclamou nesta quinta-feira (29/5) oficialmente o resultado do julgamento que liberou, sem restrições, a continuidade das pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil.

Com seis votos favoráveis, os ministros julgaram improcedente ação direta de inconstitucionalidade contra o artigo 5º da Lei de Biossegurança. A decisão mantém a esperança de cura, alimentada por pacientes com doenças degenerativas ou portadores de deficiência, que pode vir a partir do resultado dos estudos.

A tese favorável à liberação das pesquisas, defendida pelo relator da ação, ministro Carlos Ayres Britto, foi acompanhada também pelos ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ellen Gracie, Cármem Lúcia e Joaquim Barbosa. Prevaleceu o entendimento do relator de que “um embrião congelado, que jamais será gerado, não pode gozar dos direitos de proteção da vida e da dignidade da pessoa humana”.

A Lei de Biossegurança foi aprovada em 2005 e o seu artigo 5º pemite que embriões congelados há mais de três anos sejam usados para pesquisas.

O ministro Celso de Mello disse que a decisão “representa a aurora de um novo tempo, a celebração solidária da vida e da liberdade”, que garante a esperança de uma vida com dignidade aos portadores deficiência.

Entre os votos vencidos, os do ministro Eros Grau e do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, recomendaram reparos técnicos à legislação. Carlos Alberto Menezes Direito, que havia pedido vista dos autos em março deste ano, e Ricardo Lewandowski se manifestaram por restrições às pesquisas, o que, segundo especialistas, na prática as inviabilizaria.

Suspenso por Gilmar Mendes na quarta-feira após os votos de Menezes Direito, Cármem Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso —Ayres Britto e Ellen Gracie haviam dado seus votos em 5/3—, o julgamento foi retomado às 14h desta quinta-feira (28/5), com a reclamação do ministro Cezar Peluso a respeito da interpretação dada ao voto proferido na quarta-feira (28/5). Peluso criticou o entendimento dado ao seu voto —segundo ele, não havia sido feita nenhuma ressalva às pesquisas, apenas exigido maior controle.

Após idas e vindas, o voto do ministro Cezar Peluso ficou como parcialmente procedente.

Em seguida, os ministros Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski e Menezes Direito discutiram os seus entedimentos. Gracie havia antecipado o voto antes do pedido de vista de Direito, em 5 de março, e reafirmou sua posição.

Discussão
Uma sugestão do ministro Cezar Peluso para que os ministros da corte pudessem deliberar sobre a conveniência do tribunal em apontar expressamente a Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) como órgão fiscalizador de todos os estudos —e assim criar um sistema de responsabilidade sobre as pesquisas na área—provocou reação do ministro Celso de Mello.

Aos gritos, ele repreendeu Peluso e cobrou a declaração do resultado do julgamento com 6 votos favoráveis à autorização das pesquisas com células-tronco embrionárias sem nenhuma restrição ao texto da Lei de Biossegurança.

“Há seis votos claríssimos que rejeitam a pretensão de inconstitucionalidade da lei. O senhor [se dirigindo a Peluso] está em posição minoritária”, disse Mello.

Como Celso de Mello se estendeu por alguns minutos em suas palavras, Peluso provocou: “Vossa Excelência [se dirigindo a Mello] gastou uma hora para falar isso?”.

Gilmar Mendes
Gilmar Mendes votou pela constitucionalidade, com ressalvas, da lei que autoriza pesquisas com células tronco-embrionárias.

Segundo Mendes, a legislação brasileira sobre o assunto carece de maior rigor, se comparada com a regulamentação feita por outros países que já se utilizam das pesquisas.

“Na análise comparativa, a lei brasileira contém algum tratamento ineficiente em relação às pesquisas, podendo ensejar violação a princípio da proporcionalidade”, disse.

Entretanto, ao condicionar a permissão das pesquisas à aprovação de um comitê central de ética, o presidente do STF ressaltou que declarar a inconstitucionalidade causaria um vício legislativo mais danoso do que a manutenção da sua vigência”, através de uma “solução reparadora”.

Celso de Mello
Reiterando o que já havia dito tanto no primeiro dia de julgamento da ação, em 5 de março, quanto nos intervalos da retomada, na quarta-feira (28/5), Celso de Mello garantiu maioria aos que defendem o uso das células-tronco embrionárias em pesquisas.

Celso de Mello baseou o voto, em parte, em documento apresentado por um grupo de trabalho da Academia Brasileira de Ciências. No documento, os cientistas afirmam que a vida do futuro feto está “irremediavelmente condicionada” ao desenvolvimento do embrião no útero. Eles dizem ainda que as pesquisas com células-tronco adultas, por enquanto, indicam que elas não são mais promissoras que as embrionárias.

O ministro também fez uma longa consideração sobre a laicidade do Estado brasileiro e frisou que, “nesta república laica, o Estado não se submete a religiões”.

Celso de Mello concluiu o voto afirmando que, após esse julgamento, que classificou de “efetivamente histórico”, “milhões de pessoas não estarão mais condenadas à desesperança”.

Marco Aurélio
Em um voto que prometeu ser "conciso e rápido", mas que durou cerca de uma hora, o ministro Marco Aurélio Mello afirmou que a posição do Supremo não pode impedir quem não tem meios de procurar o tratamento em países em que a pesquisa é liberada a buscar a cura.

"Ordens contrárias às pesquisas não merecem prosperar", disse. "[A decisão contrária] prejudicará justamente aqueles que não tem como buscar em outro centro o tratamento necessário."

Mello afirmou que não cabe ao Supremo Tribunal Federal apresentar sugestões de modificação da norma, em uma crítica aos votos parcialmente favoráveis e contrários dos ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Cezar Peluso.

“É de todo impróprio o Supremo julgar fazendo recomendações, ele não é órgão de aconselhamento”, afirmou.

Segundo Marco Aurélio, “a lei [de Biossegurança] foi aprovada por 96% dos senadores e 85% dos deputados, o que demonstra razoabilidade”.

Para o ministro, as premissas que levam à interpretação de que a lei é ambígua “não se fazem presente”.

De acordo com Marco Aurélio, apresentando recomendações à lei, há um risco de se redesenhar o texto legislativo, “assumindo o Supremo o papel de legislador positivo”.

Ao finalizar o seu voto, Marco Aurélio Mello afirmou que o “tema da vida” continua sendo “alvo de grande expectativa no Brasil”, o que dá responsabilidade ao Supremo.

“Cumpre a esta Corte a guarda da Constituição Federal, julgando improcedente a ação e mantendo a esperança sem a qual a vida do homem se torna inócua”, disse.

E completou: “que se aguarde o amanhã, não se apagando a luz que no Brasil surgiu com a Lei 11.105/2005 [Lei de Biossegurança]”.

Ação
O julgamento da ação teve início em março, quando o relator e a então presidente do STF, ministra Ellen Gracie, votaram pela improcedência da ação, considerando constitucionais as pesquisas.

A ação foi ajuizada no Supremo em 2005 pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, e questiona o artigo 5º da Lei 11.105/05, conhecida como Lei de Biossegurança, que permite a realização de pesquisas com células-tronco embrionárias. Leia a íntegra do artigo aqui.

O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, apresentou o parecer contrário à continuidade das pesquisas. Entidades também defenderam suas posições em plenário.

Em favor das pesquisas, o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, em nome da Presidência da República, defendeu que apenas a partir do nascimento o embrião tem direito à vida. “Por que a pena é diferente para o caso de um aborto e de um homicídio? A legislação brasileira não trata o feto como ser humano. O que se falar de um embrião congelado, que não está no útero da mulher? Poderá o Estado obrigar a mulher que doou o óvulo a conceber o embrião?”, questionou.

Para Ives Gandra Martins, primeiro a fazer sustentação oral pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), “a vida tem início no momento em que o embrião é fecundado”. Desse modo, a Constituição Federal e o Código Civil lhe garantem o direito à vida e personalidade jurídica. O advogado não deve comparecer ao plenário nesta quarta-feira. Ele enviou um fax ao ministro relator justificando sua ausência.
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