05 de Junho de 2008 - 14h:37

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A discussão sobre os lucros das empresas e os débitos fiscais

Por: Valor Online

Na casa legislativa do Estado de São Paulo está em trâmite projeto de lei que tem por finalidade proibir a distribuição de lucros para os sócios de sociedades que se encontrem em débito para com aquele fisco estadual.

A questão já foi parcialmente analisada em outros âmbitos, principalmente no que diz respeito à legislação federal que tem a mesma finalidade e que, provavelmente, inspirou a proposta desta norma estadual.

Verdade que até o presente momento são encontradas decisões no sentido de que a legislação federal é válida, a despeito dos argumentos que exporemos a seguir. No entanto, além das questões que ao nosso ver infligem à lei federal inafastável contrariedade ao sistema, na hipótese de lei estadual outros vícios ainda se acumulam.

O primeiro aspecto que nos parece merecer abordagem é a questão da competência para formular tal tipo de norma. Norma que vem alterar questões de distribuição de lucros, dividendos ou outra(s) quantia(s) que sejam devidas a acionistas e/ou quotistas de sociedades trata de matéria interna corporis das sociedades e, ao nosso ver, claramente, possui natureza de norma de direito empresarial/civil.

De acordo com a carta de 1988, a competência para sua criação é privativa da União Federal. Assim é que, essa lei, ainda em processo gestacional, será natimorta por infringir competência legislativa exclusiva e indelegável do ente central da federação republicana.

Quanto ao seu aspecto material, é de se questionar seriamente se seria possível, diante do atual ordenamento jurídico-constitucional e infraconstitucional impedir-se a distribuição de lucros ou dividendos a sócios/quotistas se a sociedade em questão está em débito para com a Fazenda.

A questão a ser analisada em seguida neste já anunciado viés é exatamente o que vem a ser estar em débito com o fisco. Sabe-se que a obrigação tributária nasce com o fato gerador e se transubstancia em crédito tributário com o lançamento. Assim, poder-se-ia afirmar que está em débito com o fisco o contribuinte que, tendo ocorrido o fato gerador e o lançamento, não pagou o tributo correspondente no prazo legal.

No entanto, muitas são as hipóteses em que o crédito tributário tem sua eficácia suspensa. Apenas a guisa de exemplo - dado ao limitado escopo das presentes linhas - podemos citar a apresentação de recurso administrativo tempestivo, entre outros exemplos.

Segundo o mesmo Código Tributário Nacional, a interposição tempestiva de recurso administrativo faz com que seja suspensa a eficácia do crédito tributário. Uma sociedade que esteja em tal situação não pode ser considerada em débito com a Fazenda, porque o eventual crédito desta tem sua eficácia suspensa e está sujeito a uma condição resolutiva. Na mesma situação estão os casos de concessão de liminar em mandado de segurança, tutela antecipada, depósito da quantia para discussão judicial etc. Daí que, em situações que tais, a regra, caso válida, não incidiria aqui. E qualquer determinação da referida norma em contrário (proibindo mesmo nestas hipóteses) feriria o Código Tributário Nacional.

O segundo aspecto a ser abordado diz respeito à distinção patrimonial e de identidades, entre pessoa física (sócio ou quotista) e pessoa jurídica (sociedade empresarial ou simples). Se, de fato a sociedade encontra-se em débito com a Fazenda, o débito é dela, e não dos sócios/quotistas. E o lucro, como sabido, é direito dos sócios, aos mesmos pertencendo e não à sociedade.

E, por outro lado, não se pode argumentar a preferência de créditos pela Fazenda, uma vez que os sócios/quotistas não são credores da sociedade, porque sua relação para com a mesma é de participação, conforme abalizada doutrina.

A norma incide em um claro desvio de finalidade legislativa. Se o seu intento é, ao proibir a distribuição de quantias, garantir o eventual crédito do fisco para com a sociedade em questão, o sistema jurídico já oferece outras garantias para a satisfação do crédito tributário - hipoteca legal entre outras medidas. Portanto, a norma é desprovida de razoabilidade porque excede os limites aceitáveis de acordo com os ditames da proporcionalidade jurídica.

Destarte, sumariando essas enxutas linhas, temos a concluir que o projeto que corre hoje na Casa Legislativa do Estado de São Paulo, caso aprovado e promulgado, será lei natimorta diante da Constituição da República, baluarte último das prerrogativas do contribuinte perante o Fisco.

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