27 de Junho de 2008 - 14h:33

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Os 10 anos da Lei de Alienação Fiduciária

Por: Valor Online

Com o propósito de suprir necessidade do mercado imobiliário, que até então dispunha de mecanismos pouco eficientes de garantia, tais como a hipoteca, em novembro de 1997 entrou em vigor a Lei nº 9.514 que, além de dispor a respeito do sistema financeiro imobiliário, instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel, alterada, mais tarde, por meio da Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004.

Com o propósito de suprir necessidade do mercado imobiliário, que até então dispunha de mecanismos pouco eficientes de garantia, tais como a hipoteca, em novembro de 1997 entrou em vigor a Lei nº 9.514 que, além de dispor a respeito do sistema financeiro imobiliário, instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel, alterada, mais tarde, por meio da Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004.

Conforme o conceito trazido pela própria lei, a alienação fiduciária em garantia é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. Na alienação fiduciária em garantia o que se impõe às partes é o dever de cumprimento das obrigações assumidas no contrato, que são justamente os comandos normativos que regulam o instituto.

Dentre os objetivos da alienação fiduciária está, sem dúvida, o de aumentar o fluxo de investimentos no setor imobiliário - o que se consegue por intermédio da outorga de maiores garantias legais ao negócio -, ampliando a produção de imóveis, a oferta e, conseqüentemente, a redução de seus preços e taxas de juros para o consumidor final. Além disso, não se pode esquecer da natural criação de inúmeros empregos na construção civil.

Desde o início da vigência da lei, diversas questões, práticas e teóricas, têm merecido uma atenção especial dos operadores do direito. Um ponto que merece reflexão é o que se refere à pretensão do devedor fiduciante de rescindir o contrato garantido por alienação fiduciária. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, a jurisprudência, interpretando o seu artigo 53, de forma pacífica, passou a reconhecer o direito do compromissário comprador em, judicialmente, ainda que por arrependimento ou alegada impossibilidade de cumprimento da obrigação, obter a rescisão do contrato, bem como a devolução substancial das quantias pagas. Essa situação passou a ser motivo de grande preocupação para os construtores e incorporadores, que, anos após a venda de imóveis, eram surpreendidos por demandas judiciais em que, muitas vezes, tinham de "restituir" uma quantia superior ao valor do próprio bem.

Com o advento da Lei nº 9.514, de 1997, essa situação não teria espaço, uma vez que não haveria mais uma simples promessa de compra e venda, sujeita à rescisão e, por conseguinte, à restituição de quantias, mas, como negócio subseqüente à transferência de domínio por compra e venda, um contrato de financiamento, garantido por um imóvel alienado fiduciariamente.

A jurisprudência dos tribunais de Justiça estaduais, no rumo certo, vem firmando posição a respeito do tema

Apesar disso, ignorando-se a natureza dos negócios jurídicos celebrados, não levou muito tempo para que, com suposto amparo no artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, viessem as ser propostas as primeiras ações por meio das quais os devedores fiduciantes, como se compromissários compradores fossem, pretendiam a "rescisão" dos contratos e a devolução dos valores. A questão ainda era muito nova, inclusive para magistrados que, em alguns casos, desconheciam a própria norma regedora da matéria. Passados dez anos desde o início da vigência da lei, a jurisprudência vem firmando posicionamento a respeito do tema.

Diferentemente do que ocorre nos compromissos de compra e venda, na alienação fiduciária, quando há falta de pagamento, a única alternativa conferida ao credor é a execução de seu crédito, realizada extrajudicialmente perante o registro de imóveis competente. A execução, iniciada pela intimação pessoal do devedor para, no prazo de 15 dias, purgar a mora, tem procedimento previsto nos artigos 26 e seguintes da lei. O artigo 26 estabelece que, vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora do fiduciante, consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. Depois de consolidada a propriedade, ao fiduciário compete, dentro dos prazos previstos na lei, realizar um leilão público para alienação do imóvel, para, então, finalmente fazer um ajuste com o fiduciante.

Eis, em suma, o mecanismo para resolução da propriedade fiduciária e para apuração da quantia a ser entregue ao fiduciante. Não há, portanto, espaço para aplicação do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de alienação fiduciária de imóveis na forma como normalmente pretendida. A propósito, o código, em caráter genérico, é aplicável à alienação fiduciária, mas desde que não ocorra conflito com as regras especificamente estabelecidas pela Lei nº 9.514. É, aliás, o que decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) na Apelação nº 832.635-0/5, julgada em 23 de novembro de 2005.

Na verdade, o contrato de alienação fiduciária sequer poderia prever a perda total ou parcial dos valores pagos, sob pena de violação da própria lei, uma vez que é garantido ao fiduciante (devedor) que qualquer quantia que sobeje o valor calculado, em decorrência do leilão, seja-lhe integralmente restituída.

No rumo certo, a jurisprudência dos tribunais de Justiça estaduais vem firmando posição a respeito do tema. Até pouco tempo, contudo, não havia precedentes específicos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), até então limitados a casos de alienação fiduciária de coisa móvel, regida por norma própria e anterior. Em 10 de dezembro de 2007, menos de dois meses antes de falecer, em uma decisão inédita proferida no Agravo de Instrumento nº 932.750-SP, o ministro Hélio Quaglia Barbosa se pronunciou a respeito da questão. Na decisão, de forma precisa e didática, o ministro tratou das principais diferenças entre o contrato de alienação fiduciária e a promessa de compra e venda, inclusive no tocante às conseqüências jurídicas decorrentes do eventual inadimplemento do devedor fiduciante e do compromissário comprador, respectivamente. Esperemos que esta primeira decisão sirva de norte para consolidação da jurisprudência sobre esta importante questão.

Caio Mário Fiorini Barbosa, advogado especializado em direito imobiliário do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados
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