29 de Julho de 2008 - 15h:06

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Embate entre esferas pára na Justiça

Por: Valor Online

Após obter uma autorização de funcionamento do órgão ambiental do Estado, uma indústria de São Paulo foi surpreendida por uma ação civil pública movida contra ela por não ter cumprido a regra que define a distância mínima de construções erguidas às margens de rios prevista na legislação que estabelece as normas federais de concessão de licenças ambientais. O caso ilustra um conflito freqüente no licenciamento e na fiscalização ambiental dos empreendimentos: o embate de competências entre órgãos ambientais dos Estados, municípios e o federal - o Ibama. A cooperação dos órgãos das três esferas nas ações administrativas de proteção do meio ambiente está prevista no artigo 23 da Constituição Federal. Mas, após 20 anos de sua edição, ele ainda não foi regulamentado.

Os problemas das empresas começaram a partir de 1981, quando entrou em vigor a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - a Lei nº 6.938 -, que deu competência aos órgãos locais ambientais para fiscalizarem atividades em suas jurisdições e os autorizou a elaborar normas complementares relacionadas ao meio ambiente. A orientação mais específica sobre o tema foi dada pela Resolução nº 237, de 1997, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que dispõe sobre os procedimentos para o licenciamento ambiental. A norma, que detalha as funções do Ibama, designa aos órgãos estaduais e municipais os licenciamentos de impacto ambiental local, mas não dá detalhes sobre o que cabe a casa um.

Na falta de previsão clara na lei, conflitos se acumulam no país. Foi o caso da indústria que respondeu um processo judicial impetrado pelo Ministério Público Federal sob o argumento de que a destinação dos resíduos da fábrica estaria muito próxima de um rio. A empresa havia obtido a licença de operação da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), pois, pela regra estadual, o limite estava correto. De acordo com a advogada Ana Luci Grizzi, do escritório Veirano Advogados, que atuou no caso, a empresa cumpriu a sentença de primeira instância, que a obrigou a desmontar o galpão construído e a pagar uma multa. "A legislação local só deveria ser diferente se mais restritiva", diz. O mesmo ocorreu com uma mineradora que funcionava sob autorização municipal e agora enfrenta uma ação civil pública para que seja obrigada a seguir as regras de licenciamento do Ibama, sob a alegação de que a área é vizinha a uma terra indígena. Segundo a advogada Renata Franco de Paula, do escritório Emerenciano, Baggio e Associados, que defende a empresa, o licenciamento estava de acordo com o impacto da obra, devido à quantidade de cascalho extraída. A Justiça de primeira instância, no entanto, acatou os argumentos do Ministério Público Federal e definiu que a competência seria do Ibama.

De acordo com o advogado Antonio Lawand, do escritório Braga & Marafon, nos casos em que tem atuado o entendimento da Justiça é sempre o de que deve valer o critério mais restritivo, independentemente de a quem cabe a competência dos licenciamentos. Segundo ele, um dos problemas refere-se aos critérios para a emissão de fumaça preta. Lawand afirma que a legislação de alguns Estados, como São Paulo, prevê uma metodologia de análise dez vez mais cara do que a legislação federal, o que tem causado confusão entre as empresas. "Precisamos de uma padronização federal de métodos e índices", diz.

Os problemas das empresas não se restringem aos licenciamentos. Nas autuações feitas pela fiscalização ambiental surgem o mesmo tipo de conflito. Um exemplo é uma indústria de couro de Fortaleza, licenciada pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Semace) em 2002 e que recentemente foi multada pelo Ibama em R$ 50 mil por conta de um vazamento na lagoa de instabilização - para tratamento da água - que atingiu um rio local. A empresa contesta a multa na esfera administrativa sob o argumento de que a fiscalização deveria ser exercida somente pela Semace, que é quem controla a adequação da empresa às normas ambientais. "Estamos dispostos a discutir na Justiça", diz o advogado Armando Moraes, da banca Imaculada Gordiano Sociedade de Advogados, que defende a empresa. Já o advogado Ricardo Vollbrecht, do escritório Kümmel e Kümmel Advogados Associados, atua em sete ações judiciais de empresas que questionam a cobrança de taxas de renovação do licenciamento feita pelo Ibama. Segundo ele, as empresas já pagam a taxa aos órgãos estaduais, os únicos que de fato exercem a fiscalização. Até agora, somente uma ação foi julgada e o entendimento da Justiça foi favorável ao Ibama. "O Ibama só poderia fiscalizar em caráter supletivo, onde não há órgão estadual", diz.

Se os licenciamentos ambientais já são complicados nas grandes cidades, na região amazônica o processo é ainda mais conturbado. De acordo com Gustavo Guardanhin, procurador da República responsável pela área de meio ambiente de Manaus, o grande problema tem sido o de empresas que fazem o licenciamento "por partes", ou seja, considerando cada obra e não o projeto como um todo. Segundo ele, na região amazônica os danos intermunicipais e em rios deveriam ser considerados de âmbito federal. "Aqui, um dano entre municípios pode ser muito maior do que entre Sergipe e Alagoas", diz.

Enquanto os conflitos se multiplicam, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 388, de 2007, para disciplinar o artigo 23 da Constituição e definir competências conforme a extensão do impacto, eliminando o critério da territorialidade. Segundo Izabela Teixeira, secretária-executiva do Ministério do Meio Ambiente, o órgão se esforça para definir critérios para a competência concorrente entre as três esferas, pois "há uma zona de sombra". Para Izabela, é preciso descentralizar as competências, pois poucos municípios avançaram nisso.

Luiza de Carvalho, De São Paulo

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