11 de Agosto de 2008 - 15h:34

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Incompreensão do papel da advocacia marca comemorações do Dia do Advogado

Por: Última Instância

A sanção da lei que regulamenta a inviolabilidade dos escritórios de advocacia e a reação ao uso de algemas em operações policiais são classificadas por muitos como defesa de privilégios, e não de prerrogativas, por parte dos advogados. Soma-se a isso os baixos índices de aprovação no Exame da Ordem, as críticas à atuação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a constante confusão que se faz na sociedade entre advogado e cliente.

São esses alguns dos elementos que compõem o contexto do advogado hoje, na data em que se comemora o Dia do Advogado. A questão é, portanto, se há o que comemorar neste dia 11 de agosto?

Última Instância consultou alguns advogados para responder a essa questão e saber se a advocacia está em xeque no Brasil. Além disso, traçou alguns panoramas históricos da profissão, marcado por casos de influência decisiva no contexto nacional e curiosidades como o dia da “pindura”. O resultado é uma série especial sobre o Dia do Advogado, este profissional tão caro à busca por justiça, identificado por vezes com as causas que defende, e que colhe críticas que parecem revelar, cada vez mais, uma incompreensão de seu papel.

Princípios

No dia em que se relembra a origem da advocacia, é importante resgatar quais os princípios que pautam a profissão. “O papel do advogado é o de garantir a democracia, desde as questões políticas até a legalidade, o respeito aos direitos do cidadão, do contraditório e da ampla defesa”, afirma Marcelo Sodré, do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) e especializado também em direito ambiental.

Responsável pela defesa do casal acusado pela morte da menina Isabella Nardoni, o que o deixa no centro das polêmicas sobre a profissão, o advogado e professor Marco Polo Levorin sofre hoje os efeitos nocivos da confusão entre o papel da defesa e os clientes. Para ele, a advocacia “representa a fiscalização das garantias constitucionais no processo e exerce papel de protetor dos direitos fundamentais”.

A advogada e professora Laurady Figueiredo lembra que “a advocacia e a OAB sempre estiveram presentes em momentos históricos do país, sendo, inclusive, uma profissão constitucionalizada, que tem importância fundamental na garantia ao acesso à Justiça”.

Além de ter tido papel essencial na oposição ao regime militar e na luta pela redemocratização do país, a classe dos advogados tem um papel de militância atual. “A advocacia cumpre, a par de seu papel de defesa de direitos das pessoas, o de guerreira da liberdade e da iluminação em tempos históricos de escuridão, e o de crítica do exercício do poder estatal em tempos de democracia como os de hoje”, diz o advogado e constitucionalista Pedro Estevam Serrano.

“Há um pouco a ser comemorado. A geração anterior viveu um período em que defender alguém era uma aventura que punha a própria vida em risco. Hoje, já podemos, pelo menos, ter um mínimo de prerrogativas na defesa dos clientes”, diz Laércio José Loureiro dos Santos.

Função social
A profissão é qualificada como um serviço público e exerce função social, conforme determina o artigo 2º, parágrafo 1º, do Estatuto da OAB. Além de garantir as prerrogativas, esta lei prevê sanções nas esferas criminal e administrativa, com possibilidade de exclusão dos quadros da OAB para os advogados que não se portarem de acordo com a ética ou que contribuírem com condutas criminosas de seus clientes.

O Projeto de Lei 36/06 que regulamenta a inviolabilidade dos escritórios de advocacia foi sancionado na quinta-feira passada (7/8) pelo presidente da República em exercício, José Alencar, com veto de três parágrafos. A lei altera dispositivo do Estatuto da OAB e garante maior proteção ao sigilo das informações nos locais de trabalho de advogados.

A discussão sobre a inviolabilidade dos escritórios passa pela questão de quais são os direitos e as garantias do advogado. “O profissional conta apenas com suas prerrogativas para defender os direitos das pessoas. O que se protege com a lei não é a pessoa do advogado, já que, quando ele cometer crime, a própria legislação prevê a não incidência da prerrogativa, mas a defesa do cidadão”, diz Serrano.

Para Laurady Figueiredo, é relevante ressaltar que a inviolabilidade não é absoluta. Na hipótese de indícios suficientes de autoria e materialidade de crime por parte de advogado, a autoridade competente poderá decretar a quebra da prerrogativa.

A maior parte das investigações, hoje, é eletrônica e depende de provas que estão em computadores. O advogado Renato Opice Blum, especialista em direito eletrônico, afirma que “se torna cada vez mais essencial que seja sigiloso e confidencial o trabalho do advogado”. “Existe uma série de processos que tem conteúdo eletrônico a ser investigado. Não raramente essas mensagens eletrônicas e caminhos de sites acabam vazando em processos sigilosos”, afirma.

Laércio dos Santos considera que a inviolabilidade é importante em razão do que ele considera ser um exagero na atuação de setores da polícia e até mesmo de alguns setores restritos do Ministério Público. “Muitas vezes as ações da polícia acabam sendo uma espécie de big brother ao vivo, onde os telespectadores é que escolhem o final”, diz Santos.

A discussão a respeito da inviolabilidade gera outro debate, sobre a relação do profissional com o cliente. Em muitas ocasiões, a sociedade confunde a defesa e o acusado, por não compreender que aceitar uma causa não significa, necessariamente, concordar com a prática criminosa supostamente cometida pelo réu da ação.

Sigilo profissional

O sigilo profissional é um direito e um dever de todos os advogados. Ele está previsto no artigo 7º, XIX, do Estatuto da Advocacia, e nos artigos 25, 26 e 27 do Código de Ética. Algumas das decorrências desta previsão legal são a possibilidade de o profissional recusar depor como testemunha sobre algo que conheceu em razão do exercício do direito, o uso de informações sigilosas em benefício de quem defende e ainda a oportunidade de revelar o que sabe se for afrontado pelo cliente e quando houver grave ameaça ao direito à vida ou à honra.

Os advogados sustentam, com isso, que o sigilo é um pressuposto relevante para a manutenção dos direitos do indivíduo na sociedade. “A preservação das informações recebidas dos clientes é fundamental para o desenvolvimento da defesa e para a garantia do Estado Democrático de Direito”, afirma Laurady Figueiredo.

É possível traçar um paralelo entre o sigilo profissional da advocacia e do jornalismo. O inciso XIV do artigo 5º da Constituição Federal assegura a todos o acesso à informação e o resguardo do sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. Essa prerrogativa dos jornalistas determina que os mesmos não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, sem possibilidade de sanção direta ou indireta por isso.

O sigilo da fonte também não objetiva primeiramente a proteção do jornalista, mas a garantia de uma sociedade com acesso à informação. Trata-se de uma prerrogativa profissional que busca defender direitos coletivos, um bem público. Assim como o direito de defesa é garantido pelas prerrogativas dos advogados, uma imprensa livre é defendida com o sigilo da fonte. Esses dois elementos são essenciais para o Estado de Direito.

Discute-se, porém, se as garantias ao exercício da advocacia não acobertariam práticas criminosas e não protegeriam profissionais que participam dessas condutas. “A fronteira entre exercício da profissão, em especial na sua modalidade consultiva, e a co-autoria de delitos pelo advogado, percorre uma fronteira por vezes difícil de discernir”, afirma Serrano.

Alguns casos como os de profissionais que prestavam serviços ilegais para a criminalidade organizada, a exemplo da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), ou de advogados usados para levar celulares e outros objetos proibidos para dentro dos presídios, reforçam a idéia de que existe uma cumplicidade criminosa com o cliente. “O mais importante na profissão do advogado é a ética. Defender o cliente é o objetivo, mas sempre nos limites da ética profissional”, diz a advogada Miriam Tavares.

Renato Opice Blum e Laurady Figueiredo lembram que são excepcionais, nos quadros da OAB, os advogados que se envolvem na prática criminosa e que, portanto, não se pode privar o bom profissional de seus direitos em razão de uma minoria que se difere da classe como um todo.

Advogado e cliente

A confusão entre advogado e cliente é ainda mais freqüente quando há casos de grande repercussão, como os de Suzane von Richthofen ou da menina Isabella Nardoni. Nestas ocasiões, a opinião pública volta-se contra o profissional responsável pela defesa dos acusados.

Alguns crimes provocam reações mais intensas na população, por serem contrários ao que se espera da conduta social de um cidadão. Essa repercussão ainda pode ser intensificada pela imprensa, que acaba por explorar os detalhes dos crimes cometidos.

“Onde há a catarse de emoções menores do humano, não há justiça. Justiça só pode haver no distanciamento racional do julgador, o que é humanamente impossível nos momentos de jurisdição como espetáculo, a exemplo do que vemos hoje. Nesses momentos, se algum julgador ou jurado ousa inocentar o réu, será linchado. Se o investigador exercita o dever da dúvida racional, será linchado também”, afirma Serrano.

Na perspectiva do advogado de defesa, o ordenamento jurídico oferece estratégias processuais que dizem respeito ao devido processo legal e isso não se confunde com o fato de o acusado ter ou não praticado o crime. O profissional que aceitou a causa pode não concordar , no seu juízo de valor, com a prática do crime de seu cliente, mas tem a obrigação legal de garantir ao réu um julgamento justo.

O exercício regular da advocacia é técnico. A defesa se vale do que está disposto nas leis para procurar a melhor defesa possível para o acusado. Isso não significa que será possível o livramento da condenação, mas o mais importante é respeitar o direito de defesa, que deve ser garantido para aquele acusado ou qualquer outro cidadão. Trata-se do respeito a um princípio básico do Estado de direito.

Priscila Cury
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