20 de Agosto de 2008 - 18h:33

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A responsabilidade empresarial e o passivo trabalhista

Por: Valor Online

Os instrumentos de incorporação, fusão ou extinção de um empreendimento merecem atenção. Detalhar as principais questões - financeiras, administrativas, judiciais etc. - é essencial na prevenção de desgastes entre a antiga e nova gestão, e um especial cuidado merece o passivo
trabalhista. Nesse aspecto, as matérias societárias e trabalhistas se convergem - por exemplo, quando o autor de uma ação trabalhista requer a
penhora de bens, é fundamental que demonstre a responsabilidade do sócio ou do ex-sócio.

Ex-sócios somente poderão ser chamados se a empresa era insolvente na época em que deixou a sociedade, e se os sócios atuais não possuírem condições para arcar com as dívidas. A rigor, a responsabilização trabalhista repassada a sócios de limitada e acionistas é afrontosa aos princípios limitadores gerais de responsabilidade em ambos os tipos societários, inscritos no Código Civil e na Lei das Sociedades Anônimas - a Lei nº 6.404, de 1976. Cotistas só respondem no limite, solidariamente, pelo valor total do capital, e acionistas pelo valor das ações que subscreverem.

Mesmo desprezada a limitação legal criada para os cotistas, os bens dos ex-sócios apenas devem responder pelas dívidas - inclusive trabalhistas - até dois anos após a sua retirada regular da sociedade, contados do registro da alteração societária. Contudo, na prática o patrimônio dos ex-sócios tem sido freqüentemente usado (e abusado) para responder pelas dívidas trabalhistas após esse período. O entendimento jurisprudencial trabalhista entende que o ex-sócio responde quando se beneficiou do trabalho do ex-empregado.

Há casos, por exemplo, em que um ex-empregado ajuiza uma ação contra a empresa incluindo os nomes dos atuais sócios, porém apresenta documentos onde constam os nomes dos antigos. Com os bloqueios on-line nas contas correntes das empresas, as contas particulares dos sócios e ex-sócios passaram a fazer parte do rol de alvos preferidos das execuções trabalhistas. A surpresa ocorre quando o ex-sócio se recorda de que participou de uma sociedade e identifica a existência de um processo judicial que tramitou durante anos no seu total desconhecimento.

No caso das sociedades anônimas, até os membros e ex-membros do conselho de administração são chamados a responder por dívidas da empresa, inclusive com seu patrimônio pessoal, embora, em regra, isso não seja possível. A função do conselho é meramente deliberativa/consultiva no exercício das tarefas, a saber, fixação de linhas negociais, eleição, destituição e fiscalização da gestão de diretores, convocação de assembléias, manifestação sobre relatórios, atos ou contratos, emissão de ações e alienação de bens.

Mesmo no caso dos diretores e dos membros do conselho, a Lei nº 6.404 é bem precisa em fixar a limitação de suas responsabilidades. Segundo o artigo 158, o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de um ato regular de gestão. Débitos da empresa, laborais ou não, não podem ser imputados aos seus gestores se não houver na origem ato ilegal ou anti-estatutários.

Ou seja, o ex-sócio ou ex-diretor não pode ter seus bens penhorados nem ser responsabilizado pelos débitos da sociedade no prazo de até dois anos, após a averbação da sua retirada. Mesmo se admitindo que tais débitos se revelem dentro desse período, os atos praticados pelo  administrador da sociedade anônima são da própria organização. Entretanto, essas questões não são pacíficas. Empresas, sócios, diretores, ex-sócios e ex-diretores e administradores levam clara desvantagem, em razão dos princípios protetivos do direito do trabalho. Evidentemente, não somos contrários às regras de proteção ao empregado, mas alertamos que, em nome delas, inúmeras decisões arbitrárias estão produzindo injustiças severas. Decerto não se pode esticar tais princípios protetores a uma extensão tal que ponha por terra a diferenciação básica entre débitos da empresa e das pessoas que a administram.

Prevenindo a utilização de soluções processuais com embasamento e firmeza (exceção de pré-executividade, embargos à execução, embargos de terceiro, mandado de segurança etc.), cabem aos sócios, administradores e conselheiros manter, periodicamente, balanços idôneos e auditorias transparentes e regulares, com clareza e especificação sobre os ônus trabalhistas pendentes. Todos que participam da sociedade não podem se olvidar do necessário provisionamento dos riscos inerentes aos planejamentos societário, trabalhista e fiscal, para minimizar, ao máximo, os eventuais ônus futuros decorrentes dos negócios sociais.

Com isso, diante de demandas judiciais, a empresa e seus responsáveis certamente poderão provar os atos regularmente praticados e, inclusive, indicar com precisão o período de gestão dos ex-sócios, ex-administradores ou de ex-conselheiros, em cotejo com os fatos geradores dos débitos acaso pendentes, afastando de vez a responsabilidade de cada um deles.

Felipe Siqueira de Queiroz Simões e João Luiz Coelho da Rocha são, respectivamente, advogado e sócio do escritório Bastos-Tigre, Coelho da
Rocha e Lopes Advogados
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