02 de Setembro de 2008 - 14h:14

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O Cade e os atos de cooperação econômica

Por: Valor Online

Estamos iniciando um novo ciclo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), com a nomeação de quatro conselheiros e um novo presidente. Sempre que há uma mudança significativa na composição do órgão, fica a expectativa sobre possíveis alterações na sua jurisprudência. Dentre os desafios que o novo Cade terá à sua frente, destaca-se a fixação de parâmetros para a submissão de contratos de cooperação econômica para a aprovação do conselho.

O artigo 54 da Lei nº 8.884, de 1994, estabelece uma obrigação ampla de notificação - todos e quaisquer atos que possam limitar a concorrência devem ser submetidos à aprovação do Cade. Já o parágrafo terceiro do mesmo artigo dispõe que, dentre os atos previstos no caput, incluem-se os chamados atos de concentração econômica, ou seja, fusões, aquisições e todas as demais formas de agrupamento societário, conforme o texto legal, desde que os critérios de faturamento ou participação em mercado relevante sejam atendidos. Desde a vigência da lei, o Cade vem debruçando-se sobre a aplicação do parágrafo terceiro do artigo 54, que versa sobre as notificações mais comuns - as de concentrações econômicas decorrentes de compra e venda de empresas. Entretanto, muito pouca atenção foi dada às hipóteses de notificação ao Cade de contratos que não se enquadram no referido parágrafo terceiro, mas que, todavia, caem dentro da regra geral do caput do artigo 54. Ou seja, os atos que, muito embora não sejam formas de concentração econômica, como fusões e aquisições, devam ser notificados em razão de um eventual risco que possam trazer à concorrência - também chamados de atos de cooperação econômica.

A questão primordial que precisa ser definida é: quais são os atos que, muito embora não se enquadrem no parágrafo terceiro do artigo 54, devem ser submetidos à aprovação? Como em qualquer situação na qual a previsão legal seja ampla, espera-se que a jurisprudência - no caso, administrativa - sinalize ao mercado como tal dispositivo será aplicado, estabelecendo, assim, a necessária segurança jurídica. Entretanto, os precedentes do Cade sobre o tema não são esclarecedores. A questão não deveria ser tortuosa porque o diploma legal é simples. A lei estabelece, pelo capítulo do artigo 54, que todo e qualquer ato que possa limitar a concorrência deve ser submetido à aprovação do Cade. O parágrafo terceiro do mesmo artigo estabelece situações nas quais a lei presume haver potencial risco à concorrência - sendo mandatória, portanto, a notificação em quaisquer dessas hipóteses.

Caso um ato enquadre-se no conceito de concentração econômica, por ser uma fusão, aquisição ou alguma outra forma de agrupamento societário (desde que os critérios de faturamento ou market share do parágrafo terceiro sejam atendidos), a notificação é obrigatória. Isso se deve em razão da presunção legal de existência de potencial risco à concorrência - mesmo que, na prática, não haja tal risco, o que ocorre na grande maioria dos casos -, tratando-se de um critério objetivo de notificação. Não configurando o caso hipótese de concentração econômica por meio de agrupamento societário, a notificação ao Cade somente será necessária caso o ato em questão efetivamente possa gerar algum risco à concorrência, tratando-se aqui de um critério subjetivo, a ser analisado caso a caso. A confusão existente, entretanto, decorre da falta de balizamento do Cade a respeito da notificação desses contratos que não se enquadram nos critérios do parágrafo terceiro. Trata-se de atos como, por exemplo, contratos de distribuição, parcerias comerciais, fornecimento de matéria-prima além de todos e quaisquer outros que não configurem uma forma de agrupamento societário.

A análise de precedentes do conselho sobre notificações desse tipo de ato mostra que normalmente sequer é feita uma apreciação sobre a efetiva necessidade de notificação, reconhecendo-se automaticamente a obrigação de submeter-se o ato em face de seu enquadramento nos critérios do parágrafo terceiro do artigo 54. Ocorre, entretanto, que tais critérios objetivos não são aplicáveis a esses atos. Tal rotina de análise mecânica dos critérios de submissão gera grande incerteza às empresas, induzindo-as erradamente a concluir que a lei exige a submissão de todos os contratos comerciais que venham a firmar, pelo simples fato de atingirem o critério de faturamento no Brasil, embora tais critérios não sejam aplicáveis a esses casos. O que é necessário, entretanto, é que o Cade, ao se deparar com uma notificação de contrato de distribuição, por exemplo, analise se tal ato tem ou não tem potencialidade de causar danos à concorrência. Caso tenha, o Cade deve reconhecer a exigibilidade da submissão, aprovando-o ou não, a partir da análise detalhada que fará de seus efeitos. Em não havendo potencialidade de efeitos nocivos à concorrência, deve o Cade deixar claro que a submissão à aprovação não era exigida. Tal comportamento irá sinalizar ao mercado em quais casos a notificação é efetivamente necessária, além de dar melhor cumprimento ao disposto na lei.

A reiteração de decisões afirmando ou negando a necessidade de tais notificações irá educar as empresas sobre quando devem submeter tais acordos para aprovação. A cada novo ciclo no Cade, iniciado a partir da mudança quase total de sua composição, há uma expectativa dos avanços que podem ser trazidos ao sistema. A sedimentação de um entendimento ponderado sobre esta questão será um grande avanço. Em tempo, o projeto de lei de reforma do sistema, em curso no Congresso Nacional, não ajuda muito. Muito embora o projeto elimine o critério subjetivo de notificação acima descrito, ao descrever os tipos de operação que devem ser submetidas, gera novas dúvidas. O projeto diz que contratos associativos e joint ventures deverão ser aprovados pelo Cade. Salvo mudança no projeto, caberá a um futuro Cade explicar o que esses termos significam.

Francisco Ribeiro Todorov, advogado, sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe, advogado, mestre em direito pela Universidade de Columbia e professor voluntário da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB)

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