26 de Setembro de 2008 - 13h:38

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Os expatriados e o novo tratamento tributário nos EUA

Por: Valor Econômico - Hugo Fleischman

A maioria dos países tributa seus residentes com base na cidadania e na residência para fins fiscais. Assim, pessoas com alto poder aquisitivo que residem em países com elevada carga fiscal, em muitos casos, procuram alívio mudando de cidadania/residência para uma jurisdição com tributação mais favorecida, como, por exemplo, algumas ilhas do Caribe, partes da Europa e Ásia. A mudança da cidadania ou residência é geralmente chamada de expatriação. Com o intuito de prevenir a expatriação com fins meramente tributários, diversos países, como os Estados Unidos, passaram a adotar leis mais rígidas que tornaram a expatriação mais onerosa sob o ponto de vista fiscal. 

Os Estados Unidos impõem o imposto sobre a renda com base nas rendas universais dos seus cidadãos e residentes - pessoas portadoras do "green card" - mesmo que ali não residam. Além do imposto sobre a renda, os Estados Unidos também possuem uma elevada carga fiscal para os impostos sobre transmissão inter-vivos (impostos sobre doações) e causa mortis (impostos sobre heranças), que podem chegar a uma alíquota de 45%. 

Com efeito, após a expatriação motivada por fins fiscais de alguns cidadãos com alto poder aquisitivo no começo da década de 90, o governo americano publicou, em 1996, o primeiro pacote de medidas tributárias para evitar a expatriação com fins fiscais. Entretanto, dada a pouca eficiência da lei antiexpatriação de 1996, novas medidas antiexpatriação foram adotadas em 2004, e recentemente o governo americano alterou novamente essas regras, adotando uma abordagem mais severa e totalmente distinta daquela de 1996. 

A lei antiexpatriação de 1996 impôs o chamado regime tributário alternativo para alguns expatriados com fins fiscais que atendessem certos requisitos legais. Segundo a lei de 1996, seriam considerados expatriados com fins fiscais aqueles cidadãos e residentes que estivessem sujeitos a determinado montante do imposto sobre renda e o patrimônio pessoal excedesse certos limites impostos pela lei. Uma vez sendo classificado como expatriado para fins fiscais, o expatriado estaria sujeito ao imposto de renda, por um período de dez anos após a expatriação, sobre as rendas auferidas de fontes ou patrimônio localizados nos Estados Unidos. 

As alterações de 2004 trouxeram mudanças significativas, mas a mais importante delas foi a limitação de permanência do expatriado nos Estados Unidos por não mais do que 30 dias, sob pena de ser novamente tributado sobre as rendas universais, como se nunca houvesse saído do país. 

Já as alterações de 17 de junho de 2008, conforme mencionado, tomaram uma abordagem totalmente distinta. Enquanto foi preservado o conceito de expatriado para fins fiscais, salvo pequenas alterações, a nova lei criou um imposto sobre saída, no qual o expatriado para fins fiscais seria considerado como tendo vendido todos os seus bens e direitos no dia que antecede a expatriação. Em outras palavras, pelo novo sistema o expatriado para fins fiscais seria tributado pelo imposto de renda no dia da expatriação sobre os ganhos auferidos em uma suposta venda de todos os seus bens e direitos, não importando a localização do bem, no dia que antecede a expatriação. Esses ganhos seriam calculados tomando-se o valor de mercado dos bens ou direitos e deduzindo-se o custo de aquisição. 

Além do imposto sobre saída, a lei de 2008 ainda impôs outras duas medidas afetando beneficiários de "trusts" e doações a residentes nos Estados Unidos. A primeira medida impõe um imposto perpétuo de 30% retido na fonte em toda distribuição feita pelo trust a um beneficiário que seja classificado como expatriado para fins fiscais. A segunda medida impõe o imposto sobre doação ao donatário residente dos Estados Unidos que receber qualquer doação de um expatriado para fins fiscais, mesmo que o expatriado tenha adquirido o bem depois da expatriação. A combinação de todos esses fatores faz com que as alterações de 2008 sejam ainda mais draconianas que a lei de 1996, com as alterações introduzidas em 2004. 

As considerações acima expostas são uma síntese das alterações introduzidas em 17 de junho de 2008 na lei antiexpatriação para fins fiscais. Existem ainda várias exceções e algumas oportunidades de planejamento para quem já seja cidadão ou residente dos Estados Unidos. Entretanto, o foco aqui deve ser observado por aqueles que consideram e planejam adquirir a cidadania americana ou tornar-se um residente dos Estados Unidos. Se é difícil entrar nos Estados Unidos sob a ótica das leis de imigração, é ainda mais difícil sair sob o ponto de vista fiscal. 

Hugo Fleischman Silvestre Ribeiro é mestre em direito tributário pela Georgetown University e advogado do escritório Veirano Advogados atuando como associado estrangeiro da banca Greenberg Traurig em Miami 

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