30 de Setembro de 2008 - 16h:16

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Crise fortalece influência de China e Índia

Por: Valor Econômico - Patrick Cruz

China e Índia, dois dos motores do crescimento da economia global nos últimos anos, devem passar a ter papel ainda mais crucial na formação dos preços das commodities agrícolas. Com o desaquecimento já antevisto para Estados Unidos e Europa - e com a fuga do dinheiro especulativo dos mercados agrícolas, o que tende a novamente fortalecer a influência dos fundamentos de oferta e demanda em detrimento da influência dos especuladores -, a demanda deverá ser sustentada sobretudo pelos dois gigantes emergentes. E esse cenário pode representar uma ameaça para os produtores, que confiam na manutenção dos preços em patamares elevados para que consigam margens positivas nas vendas. 

A análise é do professor Guilherme Dias, especialista em agronegócios da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/ USP). "China e Índia ainda estão mantendo suas economias bastante aquecidas. Resta saber como vão proceder na crise. Por que você acha que dois países imensos, que sempre tiveram política econômica planejada, bem conduzida nos últimos anos, não vão achar que devem renegociar os termos do comércio para melhorar as relações de trocas? De repente eles ficaram menos espertos, menos inteligentes, menos sagazes do que sempre foram?", questiona. 

O professor faz referência à decisão que os chineses já tomaram em 2004, quando o preço da soja superou os US$ 10 por bushel na bolsa de Chicago - a média histórica até então era de US$ 6 por bushel -, o que levou a China cancelar importações. A medida teve como conseqüência as renegociações de contratos. "É preciso ter um certo receio. A maneira como se desenvolve o processo recessivo sempre cria oportunidade de jogos de retaliação. Alguns países resolvem fechar mais a sua economia. Existe um risco elevado, ao longo de 2009, para a boa coordenação internacional sobre o processo comercial", diz. 

Mais um caso chinês ilustra a ameaça, segundo o economista. "A China está começando a dar trancos na Vale em contratos de minério de ferro. E, na Índia, há uma coordenação entre governo e setor produtivo que é muito forte, consolidada. No Brasil, o setor privado é sempre muito desconfiado do governo, o que impede que essa coordenação seja mais forte. Eles estão em momento de afinação perfeita", avalia Dias. "Se entrarmos em um ambiente pleno de recessão, sim, a demanda pode ser afetada mesmo se Índia e China não pararem com as compras, mas acreditamos que o cenário do segundo semestre de 2009 já deve apontar os prazos, a saída de um processo recessivo". 

O aperto na oferta de crédito no agronegócio, que marca o início da safra 2008/09, tende a se acentuar, acredita o professor. "Já existia essa perspectiva de aperto desde o começo do ano. A crise que se desenhava nos Estados Unidos ia chegar ao setor real da economia. Esse tempo para atingir a economia real foi muito bom porque deu tempo para [os produtores brasileiros] se prepararem para a safra de verão", diz. 

Também foi benéfico o atraso para a renegociação das dívidas, acredita o professor. "Como a renegociação está andando agora, o componente bancário pode ser acessado porque as operações estavam paralisadas desde julho. Agora os bancos comerciais, com a renegociação, têm condições de emprestar para os produtores. A minha impressão é que vai ter um leve aperto para financiar a safra de verão, que será uma boa safra, mas acabou dando certo, apesar de tudo. Será uma safra de verão um pouco mais contida do que os grandes devedores da agricultura gostariam, mas satisfatória". 

A renegociação necessariamente significa a concentração da produção nas mãos de menos produtores, avalia o economista. "Aqueles produtores maiores, que se aventuraram mais no período de euforia entre 2002 e 2005, que foram muito mais arriscados, estão recuperados e podem continuar com seus projetos. Não fizemos nenhum Proer da agricultura. Então, ninguém tem que fazer ajuste patrimonial. Você joga tudo para a frente e começa tudo de novo", afirma. "Há uma recuperação de capital próprio nesse processo de renegociação de dívida". 

Sobre o endividamento, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou ontem, em reunião extraordinária, a ampliação até 15 de outubro do prazo de pagamento das prestações de operações nos programas de investimento agropecuário. Esse prazo já havia sido prorrogado para 1º de outubro. Foram incluídas na resolução as operações de Pronaf, BNDES, Finame Agrícola Especial e Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). 

Outra resolução, divulgada ontem pelo Banco Central, elevou os recursos para o financiamento do Pronaf e aumentou de 8% para 10% o índice da chamada "exigibilidade" deste programa voltado à agricultura familiar - são os recursos que os bancos são obrigados por lei a aplicar em crédito rural. 

O texto também extinguiu, a partir de 2011, o direcionamento de recursos obrigatórios do Pronaf para o financiamento de lavouras de fumo. Para plantar, o produtor terá que usar recursos próprios ou de terceiros. 

O aperto na liquidez do mercado, que já se observa neste ano, deve ganhar tons mais acentuados em 2009, avalia o professor. "Esse aperto na liquidez vai fazer com que a comercialização da safra seja lenta, difícil. Também vai depender do tipo de política econômica que será adotada nos Estados Unidos", diz. "Em abril, maio do ano que vem é que veremos o tamanho do problema para o financiamento da próxima safra. Ela é que vai ser atingida por isso. A partir de janeiro, fevereiro, a gente vai começar a perceber o comprometimento que vai haver dessa crise financeira sobre o plantio do hemisfério norte". 

A eventual vitória do democrata Barack Obama nas eleições americanas é uma incógnita para as relações comerciais dos EUA - e, portanto, para o andamento que as commodities agrícolas terão em 2009, afirma o economista. "Vamos ver o que significa esse discurso do Obama, que a gente não sabe exatamente o que quer dizer. São indicações genéricas de estado de espírito, mas a gente não vê onde está a estratégia para a realização de planos. Acho que existe risco de encaminhamentos meio negativos. Aí, como o Brasil ainda não é muito importante dentro dessa história, pode sofrer as punições maiores que os mais importantes". 

Um desdobramento benéfico da crise, se é que cabe o termo, é uma volta à análise maior dos fundamentos para a formação de preços. "Nos últimos três meses, claramente os preços estão convergindo para os fundamentos de abastecimento de mercado. Está ficando muito compreensível a estrutura de preços de óleos vegetais, de proteínas animais, ainda que seja um quadro de preços ainda elevados", afirma Dias. 

Um produto importante para o Brasil a a ser penalizado com a crise é o etanol, acredita o professor. "O preço do petróleo arrefece porque, no meio disso tudo, a urgência pelos substitutos do petróleo no mercado perde força", diz, para depois fazer a ressalva. "Os fundamentos do mercado agroalimentar e de combustíveis é muito favorável para o Brasil. Nós temos estruturas de produção muito bem montadas. Mas é preciso organização para ocupar um lugar entre os grandes do mundo".

(Colaborou Mauro Zanatta, de Brasília) 

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