28 de Outubro de 2008 - 13h:47

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Pechinchas da crise

Por: Valor Econômico - Alessandra Bellotto

Deixe o pânico de lado! A hora é de usar a cabeça para garimpar as boas oportunidades de investimento que a crise financeira internacional está criando, a começar pela renda fixa. No olho do furacão, o investidor pode garantir juros reais bastante atrativos para um futuro não tão distante. Caso, por exemplo, da NTN-B, título público indexado ao IPCA . O papel com vencimento em agosto de 2012 passou de uma remuneração de 7,7% mais inflação no início deste ano para 9,9% no último dia 22. "E uma taxa real (descontada a inflação) de quase 10% para um país que tem selo de grau de investimento de baixo risco é muito boa", destaca o diretor de investimentos da consultoria financeira Orey Financial Brasil, Carlo Moratelli. 

O grande problema, na opinião de Moratelli, é que a maioria dos investidores não estava acostumada a ver os ativos oscilarem tanto e, por isso, é facilmente influenciada pelo pânico que se instaurou nos mercados. Com um pouco de paciência e boa vontade, o consultor diz que vai conseguindo fazer seus clientes raciocinarem - ele tem recebido de 10 a 15 ligações por dia de investidores preocupados. "O investimento é um processo para colher retorno lá na frente e a crise está dando uma chance de ouro para quem souber aproveitar." 

Os títulos indexados à inflação parecem estar mesmo na boca dos consultores. No Banco Real, a NTN-B também faz parte das recomendações para os clientes, conta o economista do private bank Fabio Susteras. "Juro real de 10% é bom em qualquer circunstância", afirma o diretor de investimentos do Safdié Private Banking, Otávio Vieira. Nesse cenário de atividade econômica mais fraca nos próximos anos, em que a tendência é o Banco Central perseguir taxas reais mais baixas, a aplicação fica ainda mais atraente, argumenta o executivo. 

Basta lembrar que o Brasil, apesar de ter dois selos de grau de investimento, lidera o ranking dos juros reais mais altos do mundo. Na comparação com o segundo colocado, que é a Turquia, a taxa brasileira é o dobro. O Chile, por exemplo, tem juro real negativo, ou seja, abaixo da inflação, destaca Vieira. 

O investidor deve ficar atento ao prazo do papel, a fim de garantir a menor alíquota de imposto de renda, ressalta Susteras, do Real. "Os vencimentos de 2011 e 2012 são os mais recomendados, pois têm prazos acima de dois anos, garantindo uma alíquota de 15% de IR, além de serem papéis com alguma liquidez", afirma. 

Os contratos de Depósitos Interbancários (DIs) negociados na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) também embutem um bom potencial de retorno, diz o economista. Ele cita o vencimento de janeiro de 2012, que na sexta-feira chegou a superar os 18% ao ano. "Qualquer taxa acima de 17% já vale a pena", diz Susteras. O argumento é que a probabilidade de a taxa básica de juros (Selic), que está em 13,25% ao ano, chegar nesse nível é muito pequena, mesmo no caso de o Comitê de Política Monetária (Copom) decidir por elevar os juros nas reuniões desta semana e de dezembro. 

Não há consenso em relação aos próximos passos do Copom, mas boa parte dos analistas acredita em manutenção da Selic. Para 2009, dada a perspectiva de esfriamento da atividade econômica, as apostas são de corte da taxa já a partir do segundo semestre. Susteras afirma, no entanto, que o investidor tem de esquecer as oscilações de preços no meio do caminho e levar a aplicação até o vencimento. "Uma taxa de 17% pode virar 18% em algum momento e o investidor achar que perdeu dinheiro, mas isso nada mais é do que a marcação a mercado dos títulos", diz. 

Para evitar essa sensação de que entrou na hora errada, Vieira, do Safdié, diz que todo investimento que envolve risco de mercado, como a NTN-B ou a renda variável, deve ser feito de forma parcelada e de olho num horizonte de pelo menos 24 meses. "O mercado está muito sensível e sem referência de preços, um juro real de 10% hoje pode virar 11% amanhã, assim como os 30 mil pontos da bolsa podem testar um nível ainda mais baixo", destaca. 

Se o cliente for de pequeno e médio porte e não tiver acesso ao mercado futuro, Susteras, do Real, diz que ele pode recorrer aos Certificados de Depósito Bancários (CDBs) prefixados de vencimento equivalente ao contrato de janeiro de 2012. Ele ressalta, no entanto, que a taxa paga na emissão dependerá tanto do volume a ser investido quanto do banco, mas provavelmente será menor que a do contrato de juros futuros. "Na pior das hipóteses, se o banco cobrar um spread (diferença) de 1 ponto percentual, já vale a pena", diz. 

Vieira, do Safdié, acredita que dá para esperar mais um pouco para entrar numa aplicação prefixada. Para ele, a taxa pré hoje, teoricamente, é boa - os juros futuros mais longos estão maiores que a Selic atual - , mas a volatilidade do câmbio ainda está muito alta, na casa dos 50%. "O dólar precisa se estabilizar para o BC poder parar de subir o juro levando em conta a atividade econômica mais fraca", afirma. 

Além dos títulos indexados à inflação, para compor a carteira de renda fixa, Vieira prefere aplicações atreladas ao CDI, especialmente para aqueles que tem um horizonte mais curto. Susteras, do Real, recomenda CDBs de grandes bancos, que chegam a pagar 102% a 104% do CDI - taxas para grandes volumes de investimento. 

Na Orey, Moratelli tem sugerido aos clientes reservar uma parcela para investir em CDBs de bancos médios, até o limite de R$ 50 mil, para que a operação se enquadre nas regras do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) que garante até R$ 60 mil no caso de quebra da instituição financeira - no exemplo citado, o capital mais o rendimento estariam cobertos. A consultoria, conta o executivo, tem reunido os recursos dos clientes a fim de garanti taxas de até 110% do CDI. 

Na esteira do aumento da remuneração paga nas emissões de CDBs, outros papéis privados, como cotas de fundos de recebíveis, notas comerciais e debêntures, tiveram de elevar suas taxas, tornando-se verdadeiras pechinchas. Marcelo Xandó, diretor da Verax Serviços Financeiros, ressalta, no entanto, que nem toda empresa se traduz em boa oportunidade. "Temos de olhar o emissor com lupa; uma coisa é a empresa que está emitindo um papel para recompor suas linhas de crédito, outra é aquela que precisa de dinheiro para tapar um prejuízo com derivativos", afirma. 

Moratelli, da Orey, defende o investimento direto nos ativos, de renda fixa e ações, e não via fundos. "É uma alocação mais inteligente, uma vez que a renda fixa dá fôlego para o investidor passar a crise sem perder as oportunidades em bolsa", diz. Na opinião do consultor, é hora de diminuir a alocação em multimercados, carteiras que costumam mesclar as várias estratégias, já que grande parte delas tem restrições para correr risco, como as regras de "stop loss" (para brecar perdas). Muitas vezes, o gestor tem de zerar uma aplicação com prejuízo porque bateu no seu limite de risco e, com isso, não consegue pegar toda a recuperação. "Cada dia para o multimercado é um novo jogo, um novo mandato de risco", afirma. 

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