07 de Novembro de 2008 - 16h:13

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Resultados recordes, futuro incerto

Por: Valor Econômico

por Nelson Niero, Ana Paula Ragazzi e Silvia Fregoni.

As companhias de capital aberto estão firmes no caminho para entregar o melhor resultado da história no terceiro trimestre. Mesmo com a trapalhada dos derivativos e o efeito da variação cambial sobre as dívidas, estamos assistindo a uma safra - que acaba no fim da próxima semana - de receitas e lucros recordes. 

Um levantamento de 68 balanços publicados até ontem mostra que, apesar de um resultado financeiro desastroso, mais de dez vezes maior que a perda do terceiro trimestre de 2007, o conjunto de empresas fechou com um ganho maior na última linha. E, separadamente, várias tiveram seus melhores resultados históricos - vendas, operacional e, o que interessa para os acionistas, lucro líquido. É o caso da Vale, por exemplo. 

As receitas das vendas cresceram 22%, porém mais surpreendente foi o resultado da atividade (antes do financeiro), que ficou 34% acima, mostrando que houve redução de custos e despesas. Por isso, a despesa financeira líquida de R$ 10,4 bilhões - puxada pelas perdas de Aracruz e Sadia com derivativos - não impediu que o lucro líquido ficasse 25% acima para a amostra das 68 empresas, em R$ 15,6 bilhões. 

A fotografia é tão deslumbrante que destoa completamente do momento por que passa a economia depois do choque da crise sem precedentes que derrubou as bolsas de todo o globo e agora parece estar chegando ao "mundo real". Esse contraste e números mais recentes , como vendas da indústria abaixo do esperado em outubro, sugerem que os balanços do terceiro trimestre vão ficar na história como o ponto mais alto da curva. Executivos, investidores e analistas querem saber agora qual o tamanho do tombo. 

O que ainda não está claro é como as empresas vão se comportar no ambiente de restrição de crédito e desaceleração de consumo deste quarto trimestre. Se é razoável esperar uma queda nas vendas, é bom também lembrar que o impacto cambial não ficou totalmente para trás. No terceiro trimestre, a variação foi de 20%, o que se refletiu fortemente nas despesas financeiras. Mas o dólar continuou subindo e, até ontem, já havia uma variação acumulada de 10% em relação a 30 de setembro. Além disso, deverá haver mais ajustes de derivativos, como no caso da Aracruz, que fechou nesta semana um acordo com os bancos para encerrar seus contratos. 

O que se avizinha é um trem em alta velocidade prestes a reduzir o ritmo - se será uma desaceleração suave ou um tranco, ainda não se sabe. O fato é que os vagões estão carregados: as empresas fecharam o trimestre com R$ 54,7 bilhões em estoques, 32% acima do mesmo período de 2007. Talvez seja demais para o apetite da demanda na era pós-crise. 

"Os lucros das empresas serão menores no quarto trimestre", crava Ricardo Tadeu Martins, gerente de pesquisa da Planner Corretora. "As linhas de crédito sumiram na virada do trimestre, então os efeitos aparecerão agora", complementa. O balanço do período de outubro a dezembro deverá ser o primeiro termômetro do que esperar para 2009. "As empresas terão uma percepção mais clara sobre a demanda dos clientes", afirma. 

Para os analistas, a combinação de dólar em alta e crédito escasso tende a afetar negativamente os resultados de todos os setores. 

Catarina Pedrosa, analista chefe da corretora Banif, avalia que traçar cenário é muito complicado agora, neste momento em que a crise, até então financeira, chega à economia real. Ela aponta o setor de construção como um dos mais afetados. "As construtoras começam a demitir, depois de já terem revisado planos de lançamentos. O governo acena com o crédito, mas, se o cidadão achar que será demitido, não se arriscará a comprar um apartamento. O mesmo raciocínio vale para os automóveis", diz. Por enquanto, não há sinais claros de quanto o consumidor está disposto a se arriscar e gastar, segundo ela. 

Fabio Anderaos de Araújo, estrategista da Itaú Corretora, aponta que dados da Anfavea, entidade que reúne as montadoras, já mostraram enfraquecimento das vendas de veículos e aumento de estoques. "A indústria começa a sinalizar um ajuste de estoques, com paradas programadas, reduções de turnos", afirma. "No caso dos automóveis, a produção estava caminhando muito forte, mas houve a mudança brusca de cenário, que tornou os bancos mais seletivos na concessão de crédito e o consumidor também mais reticente." 

A queda nas vendas de carros afeta as empresas de aços planos, particularmente a Usiminas. O setor de mineração e siderurgia como um todo deve apresentar vendas mais modestas no quarto trimestre. "As empresas já vêm anunciando diminuição da produção, e a demanda externa por produtos está em queda", destaca Martins, da Planner. 

No caso das exportadoras, a análise deve ser feita caso a caso. "Se a companhia exporta e não depende de insumos importados, pode estar em situação confortável. No entanto, há o caso das siderúrgicas, em que o preço da commodity caiu internacionalmente, logo o câmbio não compensará tanto", afirma Anderaos de Araújo. 

O estrategista da Itaú Corretora diz ainda que empresas que vendem eletroeletrônicos também devem sofrer com o câmbio. "Já quem vende produtos com tíquete médio mais baixo, como Pão de Açúcar, Natura e, em menor grau, aquelas do ramo de vestuário, podem ser menos afetadas, pois a desaceleração maior nas vendas tende a acontecer em bens duráveis." 

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, lembra que a apreciação do câmbio começou em setembro, mas continuou em outubro, o que aparecer nos próximos balanços, afetando quem tem dívida em dólar e também o capital de giro. 

Para as empresas da área financeira, diz, o que se verá será violenta redução na receita com crédito, pois os empréstimos devem ter "despencado" em outubro. "Apesar de ainda não termos indicadores oficiais atestando o menor ânimo para compras e concessão de crédito, das conversas com empresas nota-se que houve forte redução de financiamentos", afirma. Também pode haver aumento da inadimplência. Apesar disso, os ganhos com títulos públicos devem continuar crescendo. 

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