18 de Novembro de 2008 - 14h:21

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Judiciário tem novo entendimento em ações judiciais por erro médico

Por: Valor Econômico - Luiza de Carvalho

A Justiça começa a apresentar entendimentos mais flexíveis em relação à responsabilidade dos hospitais por danos que foram causados a pacientes em decorrência de erros médicos. Em outubro, ao julgar um recurso interposto por um hospital, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) uniformizou o entendimento da corte no sentido de que a instituição não tem a obrigação de indenizar o paciente se o médico que causou o erro não é um funcionário contratado pelo hospital, mas apenas realizou uma cirurgia em suas instalações. Nas varas da Justiça e nos tribunais do país, decisões recentes contrariam a jurisprudência tradicional do Poder Judiciário para excluir a responsabilidade objetiva do hospital - pela qual não é necessário que os pacientes provem a culpa da entidade pelo dano causado -, se a demanda ajuizada trata de procedimentos estritamente técnicos dos médicos. 

O número de ações judiciais que pedem indenizações por erros médicos é crescente no país - segundo dados do STJ, nos últimos seis anos elas aumentaram 155% e há atualmente 444 processos na corte sobre a matéria. O salto é explicado tanto pelo aumento do acesso da população ao Judiciário quanto pela consolidação da aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas relações entre médicos e hospitais e seus pacientes - o que confere uma proteção maior aos pacientes e, conseqüentemente, maior chance de vitória nas disputas judiciais. No entanto, em geral as ações são impetradas contra os hospitais, clínicas e laboratórios porque o código os classifica como prestadores de serviço cuja responsabilidade é objetiva - cabe aos estabelecimentos provarem que não têm culpa. Já no caso dos médicos, a responsabilidade tem sido considerada subjetiva - ou seja, é preciso que a parte autora da ação prove a culpa do profissional. Embora esse seja o entendimento majoritário na Justiça hoje, algumas decisões podem sinalizar uma mudança. 

É o caso da primeira decisão sobre o tema tomada por uma seção do STJ. A ação foi movida contra o Hospital e Maternidade São Lourenço, de Santa Catarina, e dois médicos que não faziam parte de seu quadro de funcionários por uma paciente que perdeu os movimentos normais das pernas após uma cirurgia de varizes. Em primeiro grau, a Justiça condenou o hospital a responder solidariamente a um dos médicos e a indenizar a vítima em R$ 52 mil, além de fornecer a ela uma pensão vitalícia. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) reduziu o prazo de pagamento da pensão e manteve o entendimento, por considerar a "incontestável retribuição financeira" do hospital ao fornecer suas dependências. 

Ao ajuizar um recurso especial no STJ, o hospital alegou que o Código de Defesa do Consumidor não seria aplicado ao caso porque os danos decorreram de procedimento médico e não dos serviços prestados pela instituição. Por quatro votos a três, os ministros deram provimento ao recurso, por entenderem que o hospital só responderia se tivesse indicado o médico para a cirurgia. No voto vencedor, o ministro João Otávio de Noronha afirma que não há relação de consumo no caso. De acordo com o advogado Eduardo Gofe, que defende o hospital, a tese da segunda seção do STJ já está sendo aplicada nas primeiras instâncias da Justiça em outros casos em que atua. 

Essa é a percepção mais recente de advogados que atuam na defesa de médicos e hospitais - a tendência das primeiras instâncias da Justiça de somente responsabilizar objetivamente o hospital por erros médicos quando se trata de defeitos atinentes à própria atividade da instituição, como exames e acomodações. Há diversos acórdãos com esse entendimento nos tribunais de Justiça de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e no próprio STJ, todos posteriores a 2005. De acordo com Eriete Ramos Dias Teixeira, gerente jurídica do Sindicato dos Hospitais do Estado de São Paulo (Sindhosp) - que atua na defesa de mil hospitais, 1,7 mil laboratórios e cerca de 20 mil clínicas -, a tese começa a ser usada nos casos em que o dano foi decorrente da má-conduta médica. "Temos conseguido reduzir o valor das indenizações", conta. Para o advogado Edson Balbino, do escritório RBBM Advogados, que também atua na defesa de hospitais, essa nova corrente jurídica tem sido cada vez mais aceita nos processos em que atua. "A conseqüência disso é a redução de demandas oportunistas", diz Balbino. 

No entanto, para o advogado Dagoberto José Steinmeyer Lima, da banca Advocacia Dagoberto J.S. Lima, especializada na defesa de hospitais e seguradoras, esse entendimento ainda está longe de prevalecer. Lima conta que, em casos recentes de erro médico em que está atuando, a Justiça tem inclusive eximido o médico da culpa para condenar somente a operadora, por considerar que o profissional atuou dentro dos limites técnicos oferecidos pelas instituições. "Defendemos sempre que o médico deve responder sozinho quando não é preposto do hospital", diz. 

Além da alegação de que apenas falhas estruturais podem ensejar a responsabilidade objetiva de hospitais, há outros argumentos na tentativa de reduzir a culpa das instituições. De acordo com o advogado Sergio Coelho, do escritório Coelho, Anselmo & Dourado Advogados, em alguns casos em que a banca atua houve o entendimento, nas primeiras instâncias, de que certos riscos, como o de infecções hospitalares, seriam inerentes aos procedimentos médicos e que os hospitais, portanto, não podem assumir a culpa por isso. Segundo o advogado Alex Pereira Souza, sócio do escritório A. Couto Advogados Associados - que atua na defesa de médicos e hospitais -, um aspecto cada vez mais levado em consideração pelos juízes é o dever de informação dos riscos da cirurgia aos pacientes. Segundo ele, em recentes casos o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) exigiu que fosse demonstrado que foi feito um "termo de consentimento informado" para não haver a responsabilização dos profissionais e das instituições de saúde. 

Na opinião de advogados que atuam na defesa dos consumidores, no entanto, a interpretação mais favorável às instituições e aos profissionais não tem chance de prevalecer no Judiciário nas ações envolvendo erros médicos. Para a advogada Flávia Lefèvre Guimarães, do escritório Lescher Lefèvre Advogados Associados, que auxilia diversos órgãos de defesa do consumidor, na maioria das decisões os hospitais e planos de saúde estão respondendo solidariamente e objetivamente aos erros médicos, conforme determina o Código de Defesa do Consumidor. Para Flávia, o procedimento correto é ingressar com ações judiciais somente contra os fornecedores, e não contra os médicos - isso porque, depois de paga a indenização ao paciente, a culpa pode ser apurada em outra ação judicial ajuizada pelo hospital contra o médico. Mas, para Flávia, o valor das indenizações ainda é baixo, o que, segundo ela, funciona como um estímulo para as práticas abusivas de fornecedores - em um caso recente, a advogada obteve 200 salários mínimos de indenização por danos morais a um paciente que quase ficou tetraplégico por conta de um erro médico. 

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