25 de Novembro de 2008 - 16h:19

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Jirau e o futuro do licenciamento ambiental

Por: Valor Econômico - Gustavo Trindade

O licenciamento ambiental no Brasil é um importante instrumento de conciliação entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental, premissa básica para se alcançar o tão desejado desenvolvimento sustentável. Ainda que muito se discuta o licenciamento na atualidade, não se pode dizer que seja uma novidade. Ao contrário, esse instituto vem sendo aplicado desde meados dos anos 70 e é contemporâneo de outros eventos marcantes no processo de formação da estrutura político-institucional de proteção do meio ambiente, como a criação da Sema - hoje convertida no Ministério de Meio Ambiente - e do Ibama, a instituição do Conama e suas resoluções, e a produção das principais leis e decretos, como a vigente Política Nacional de Meio Ambiente. A partir de então - e especialmente após a atribuição de status constitucional ao meio ambiente -, estruturas similares também foram desenvolvidas nos Estados e, mais recentemente, nos municípios, formando, na prática, o Sistema Nacional do Meio Ambiente. 

Ainda temos um bom caminho a percorrer para consolidar e conferir maior eficácia às normas jurídicas de proteção ambiental, generalizar sua aplicação nos vários níveis de governo, reduzir conflitos de competências, capacitar as instituições, alcançar maior agilidade nos processos e atingir níveis de qualidade mais elevados nos estudos de impacto ambiental preparados pelos empreendedores. Mas é inegável que o licenciamento é um instrumento ambiental consolidado no ordenamento jurídico brasileiro e referência perante instituições estrangeiras. A publicidade, a participação popular e a transparência são marcas características do licenciamento ambiental. 

Presenciamos nos últimos anos uma crescente onda de críticas ao licenciamento ambiental como agente de atraso ou de impedimento de projetos de desenvolvimento do país. Reconhece-se, em alguns casos, o excessivo tempo de análise dos processos. Mas vale olhar para o outro lado e enxergar a lista de empreendimentos ambientalmente mal projetados na história recente do Brasil. Está claro que o licenciamento, quando devidamente realizado dentro dos marcos legais e com rigor técnico, com publicidade e participação social, é uma ferramenta de grande valor para a sociedade. Dificilmente teríamos como simplificar processos que tratam de grandes e polêmicos projetos de infra-estrutura com importantes conseqüências ambientais, sociais e econômicas. 

Sinais recentes da condução do licenciamento na esfera federal deixam, contudo, dúvidas, ameaçando a credibilidade e a continuidade do fortalecimento desse instrumento em nosso país. Um emblema dessa situação é o atual processo de licenciamento ambiental da hidrelétrica de Jirau no Rio Madeira. A antecipação da decisão pelos principais representantes da área ambiental, quando ainda estava sob exame técnico e legal dentro do Ibama, macula a condução do processo. A autorização para a implantação do empreendimento a mais de nove quilômetros do local previsto na licença prévia, sem a realização de novo Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA/Rima), bem como a permissão para a instalação "parcial" do empreendimento, com a implantação de um canteiro de obras da hidrelétrica em 140,2 hectares e de ensecadeiras com mais de 26 metros de altura, com o objetivo de desviar o curso do Rio Madeira, sem conhecer previamente os impactos causados por tais estruturas, devem causar perplexidade e apreensão tanto àqueles preocupados com o desenvolvimento econômico como aos mais interessados na proteção do meio ambiente. A prevenção, palavra de ordem quando se trata de meio ambiente e finalidade máxima do licenciamento ambiental, parece ter sido relegada a um plano inferior. 

Diferentemente do alardeado, não é o cumprimento das regras de proteção ambiental que causam o atraso de empreendimentos no país. Ao contrário, é o desrespeito às regras legais estabelecidas para o licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental que pode levar à paralisia de obras de infra-estrutura essenciais ao crescimento do Brasil. Esse desrespeito acaba por gerar uma desconfiança generalizada, tanto em relação aos empreendedores como às instituições públicas responsáveis pelo licenciamento ambiental, o que, por sua vez potencializa, os questionamentos aos projetos, gerando mais atrasos, em uma espiral sem fim. Os prejudicados somos todos nós. 

No caso de Jirau, o que está em jogo não é a localização da hidrelétrica ou o projeto a ser executado. É o instituto do licenciamento ambiental que enfrenta inequívoca subversão. Para complicar ainda mais o caminho do licenciamento, inaugurou-se no caso citado a figura da barganha, em que o órgão ambiental licenciador permite a geração de impactos ambientais em troca de financiamento a projetos em nada relacionados com os impactos do empreendimento. Exigir compensações ambientais faz parte do processo de licenciamento ambiental. A inovação consiste em que essas exigências têm pouco ou nada a ver com os impactos do projeto proposto. 

Chegamos claramente a uma encruzilhada. Ou trabalhamos para o fortalecimento do licenciamento ambiental, instrumento de fundamental relevância para o desenvolvimento sustentável, ou partimos para sua subversão e enfraquecimento. O licenciamento de Jirau é um indicativo do caminho que pode estar sendo tomado. 


Gustavo Trindade é advogado, professor de direito ambiental

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