27 de Novembro de 2008 - 14h:02

Tamanho do texto A - A+

As empresas e o medo da recuperação judicial

Por: Valor Econômico - Alfredo Bumachar

A declaração da General Motors (GM) de que a recuperação ou concordata, chamada de "charpter 11" nos Estados Unidos, criaria mais problemas do que soluções para a empresa, expôs um temor muito comum, mas que precisa ser desmistificado. No Brasil, o Decreto-lei nº 7.661, de 1945, anterior à atual Lei de Falências e Recuperação de Empresas, tratava o empresário falido de uma forma pejorativa. Mas a nova Lei nº 11.101, de 2005, veio restabelecer a dignidade do empresário falido ou em recuperação judicial. Isso porque a recuperação judicial busca a preservação das empresas. 

A partir do deferimento do processamento de um pedido de recuperação judicial, a empresa ganha fôlego para voltar de forma robusta ao negócio. A própria empresa elabora um plano de recuperação para pagar seu passivo e tem um prazo de 60 dias para apresentá-lo a seus credores, que deverão aprová-lo. E, pelo período de 180 dias, as ações ajuizadas contra o empresário também ficam suspensas e a empresa consegue voltar a respirar. Com a recuperação é possível fazer uma fusão ou vender parte ou o todo do capital social da empresa ou ainda arrendá-la, entre outros negócios. No caso de empresas que atuam em diversos setores, ela pode ser loteada sem que ocorra a sucessão - nem trabalhista nem de outra espécie. 

Já a lei americana é ainda mais eficaz do que a brasileira. As leis que regem a falência e a recuperação de empresas no Brasil e nos Estados Unidos têm o mesmo objetivo: a preservação das empresas economicamente viáveis. A lei americana, porém, está mais preocupada com a negociação dos passivos por meio de um acordo com os credores. Podemos compará-la com a nossa recuperação extrajudicial, pela qual o devedor pode negociar diretamente com seus credores um plano de recuperação que será levado a juízo a fim de que seja homologado. É uma boa opção para empresas em dificuldade financeira, mas no caso de a empresa apresentar um passivo tributário ou trabalhista ou tiver ações judiciais ajuizadas contra ela que possam comprometer seus ativos, a solução correta é a recuperação judicial, já que a empresa encontra amparo do Poder Judiciário na apresentação de seu plano de recuperação. Isso porque a recuperação extrajudicial não pode ser usada para negociar dívidas fiscais e trabalhistas. 

A lei americana também difere da brasileira em outros aspectos positivos. Nos Estados Unidos, a ênfase está na cooperação. Há incentivo para a mediação e as próprias partes negociam saídas. E tudo é muito rápido. A Corte de Recuperação americana funciona 24 horas por dia, durante todo o ano. Vários aparatos garantem sua celeridade: uso de conferência telefônica, internet, conceito do chamado "primeiro dia do processo", doutrina da necessidade, decisão provisória, mercado de créditos extraconcursais com garantia real, mercado secundário de compra de créditos e sistemática de maximização do preço de venda de ativos ou de todo o negócio. Outra diferença é que a lei americana possibilita uma aplicação efetiva. As partes envolvidas são estimuladas a negociar para evitar uma decisão adversa do juiz, que procura apenas resolver controvérsias. No Brasil, as negociações são homologadas pelo juiz, podendo gerar a interposição de recursos que poderão suspender o bom andamento do processo. Nos Estados Unidos isso não acontece. 

Nos Estados Unidos existe ainda uma grande ênfase na celeridade. O litígio ocorre em tempo real, sendo resolvido prontamente na medida em que surge. Boa parte do trabalho ocorre fora do juízo, para assegurar a continuidade da atividade da empresa: negociações, gestão de crise, elaboração do plano, valorização, precificação, alternativas, onde cortar custos e aumentar receitas, busca de novos recursos e reuniões entre advogados e clientes. Outra diferença é que lá não é necessário aguardar a decisão final de todas as impugnações para se elaborar o quadro geral de credores. O juízo pode trabalhar com a estimativa do valor envolvido nas impugnações para certos propósitos e, a partir disso, estipular uma reserva, sem que todas as contestações sejam decididas judicialmente - ou seja, fazer uma provisão parcial para esses processos em andamento, mas sem penalizar a maioria, o universo de credores, retendo a totalidade dos valores ou ativos ou retardando a confirmação do plano recuperatório até que todas as impugnações sejam decididas. 

No Brasil, no entanto, apesar de a lei determinar que o pagamento aos credores somente ocorrerá após o julgamento de todas as habilitações e impugnações de créditos tempestivos, já existe uma flexibilidade nesse sentido dentro do processo falimentar, onde o juiz pode autorizar o rateio antecipado se a massa falida tiver numerário para isso, e desde que haja concordância das partes. 

Como nos Estados Unidos, a lei brasileira prevê também a criação do comitê de credores, com a diferença de que na lei americana o comitê de credores quirografários pode efetuar contratação de profissionais para assessorá-lo. Esses profissionais e empresas são pagos pelo devedor, fato que não ocorre no Brasil. A nova lei brasileira extinguiu o termo falencista para designar o advogado que atua na área, mas é preciso que os empresários procurem profissionais especializados no ramo. E a hora certa de se procurar ajuda é quando há queda de lucratividade e demanda e riscos de comprometimentos de obrigações. 


Alfredo Bumachar é advogado comercialista 

VOLTAR IMPRIMIR