09 de Dezembro de 2008 - 18h:40

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E quanto ao pacote de socorro para a pessoa física?

Por: Valor Econômico - Rosário Pujado

Temos assistido nas últimas semanas à abertura dos cofres públicos de vários países para socorrer as economias em crise. São bilhões de dólares e euros destinados à compra de instituições financeiras e seguradoras, além de linhas de crédito aos setores produtivos e ao consumo. Tudo para vencer o temido fantasma da recessão, que já assola oficialmente o Japão e a Alemanha.

Aqui no Brasil, temos visto o esforço do governo em várias frentes: alterações no compulsório deram fôlego a bancos pequenos e médios. Além disso, novas linhas de crédito foram direcionadas ao setor produtivo, às exportações e ao consumidor final. De acordo com o ministro Mantega, o governo adotará as medidas que forem necessárias para assegurar crescimento da economia de 4% no próximo ano. O presidente Lula, por sua vez, convoca a população a consumir, a fim de dar continuidade ao ciclo de crescimento do país. Esta época do ano é mais um empurrãozinho às compras: 13º salário, compras de Natal, férias das crianças, etc. Afinal, o Brasil não pode parar, certo? 

Não quero ser a "desmancha-prazeres" de plantão. Contudo, acho importante trazer algumas reflexões a tona, especialmente nestes momentos em que a racionalidade fica em segundo plano e o impulso toma conta do nosso comportamento econômico. Cuidado com as "cenourinhas" que estão sendo colocadas na nossa frente! 

1) Não existe crise de crédito no mercado brasileiro 

Embora o ritmo de crescimento do crédito tenha diminuído, a relação crédito/PIB atingiu o recorde de 40%. O que é preciso lembrar é que, apesar de não existir evidência de crise de crédito no Brasil, o crédito está mais caro. A taxa média vem subindo nos últimos meses, atingindo 43% em outubro (e subindo em novembro). A propósito, quando foi o último reajuste do seu salário? Qual foi o percentual? 

2) Realize seu sonho 

Compre seu imóvel já, mude no Natal e ganhe um carro zero de presente. Quando a esmola é demais... Você, que não é santo, tem de desconfiar. Já vimos que o crédito está mais caro. Quando você assume um financiamento de longo prazo, a taxa de juros mais elevada deixa o valor final do imóvel lá nas alturas (mesmo que você tenha comprado o primeiro andar). Seu sonho pode esperar mais seis meses? Provavelmente até lá, os altos preços de hoje não se sustentem. Entretanto, fica difícil adiar a felicidade de ter a casa nova já. Temos comportamento de crianças - quero agora! -, só que o brinquedo é de adulto. 

O carro zero de presente merece uma consideração especial. Não é novidade, aliás. Lembro que na década de 90, quando o Fusca foi relançado, tinha ofertas do tipo: "Compre uma Quantum e leve um Fusca de presente". O fato é que o "grátis" tem um apelo irresistível para nós. Costumamos pagar qualquer preço para obter alguma coisa grátis. 

3) Nunca esteve tão barato comprar um carro de luxo! 

Taxa de 0,99% ao mês, IPVA 2008 grátis (claro, afinal estamos em dezembro) e IPVA 2009 de presente! Tudo em letra maiúscula no jornal e ainda com fotos! Você já está se vendo dirigindo o carrão, sentido aquele irresistível cheirinho de carro novo. Não faz mal se você ainda não acabou de pagar as 72 parcelas do teu atual carro popular. E, claro, você também não quer pensar no valor do seguro, nem no consumo maior de combustível. "Eu dou um jeito", você diz. Será mesmo? 

Costumamos ser excessivamente otimistas em relação ao que conseguiremos fazer no futuro. Já nos propusemos andar na esteira todos os dias e emagrecer quatro quilos no próximo mês. Conseguimos? 

Não se iluda. A taxa do cheque especial e do cartão de crédito continua exorbitante. A gasolina continua cara, apesar da queda no preço do petróleo. O IPVA que você ganha de presente ao comprar o carro zero já está embutido no preço e as tarifas cobradas elevam o custo dos financiamentos anunciados. 

Suas dívidas não serão perdoadas. Se você fizer uma boa negociação, o máximo que vai conseguir é alongar prazos e diminuir a taxa de juros (de 10% para 5% ao mês, na melhor das hipóteses). Aliás, a nossa taxa real de juros (descontada a inflação) continua sendo a mais alta do mundo. 

Não existe pacote de socorro do governo para a pessoa física. Não existe mágica que faça suas dívidas sumirem ao estalar os dedos. Existe, sim, um planejamento financeiro adequado e um uso consciente do crédito. Reflita sobre isso na hora de escrever sua cartinha para o Papai Noel (ou será que ele também não existe?) 


Rosario Pujado é sócia da Practa Treinamento, ministra cursos sobre Planejamento Financeiro e possui a certificação Certified Financial Planner (CFP) 

E-mail rosario.pujado@practa.com.br 

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