16 de Dezembro de 2008 - 14h:10

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O Projeto de Lei nº 692 e o fim do Tribunal de Impostos e Taxas de SP

Por: Valor Econômico - Fernando Ayres e Otávio Bertolin

É fato notório que o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) do Estado de São Paulo, criado pelo Decreto nº 7.184, de 5 de junho de 1935 , é um dos mais antigos e respeitados tribunais administrativos do país. Em funcionamento há mais de 73 anos e atualmente órgão da Secretaria dos Negócios da Fazenda do Estado de São Paulo, vinculado à Coordenadoria da Administração Tributária (CAT), o TIT tem competência para conhecer e julgar, em segunda instância, os recursos interpostos no âmbito de processo administrativo tributário decorrente de lançamento de ofício - conforme os artigos 1º, 34, 41 e 42 da Lei estadual nº 10.941, de 2001.   

Cabe lembrar que o TIT "surgiu em razão da necessidade de se estabelecer um conjunto de normas e procedimentos de administração, destinados a exercer o controle de qualidade sobre os lançamentos tributários e influenciados pelos princípios da publicidade, da economia, da motivação e da celeridade, garantindo ao contribuinte o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa", conforme atesta texto publicado em sua própria página na internet (www.fazenda.sp.gov.br/tit). O respeito ao pleno exercício do contraditório e da ampla defesa está fundado no princípio constitucional estabelecido no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal de 1988, que resguarda aos litigantes, também em processo administrativo, "o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". 

Pois bem. O TIT paulista, ao menos como é reconhecido - um órgão administrativo imbuído da missão de julgar a validade de lançamentos tributários de acordo com o princípio do contraditório e da ampla defesa -, está ameaçado de extinção. Com o louvável objetivo de "tornar célere o julgamento dos processos administrativos submetidos ao tribunal", mediante "a eliminação de atividades logísticas", conforme consta de sua exposição de motivos, o Projeto de Lei nº 692, de 2008, encaminhado pelo Poder Executivo à Assembléia Legislativa em 30 de outubro deste ano, caso aprovado em seu texto original, será o agente de tal extinção. 

O projeto, encaminhado em regime de urgência pelo governador do Estado de São Paulo à Assembléia Legislativa, revoga a Lei nº 10.941, que dispõe sobre o processo administrativo tributário decorrente de lançamento de ofício. A iniciativa do governo de encaminhar à Assembléia Legislativa um projeto de lei que visa à celeridade do processo administrativo tributário é positiva e merece apoio. No entanto, basta uma breve análise dos artigos do Projeto de Lei nº 692 para concluir que, em nome de tal celeridade, princípios constitucionais serão violados e a própria atividade do TIT restará comprometida. Sem esgotar a lista de pontos críticos contidos no projeto, as seguintes inovações merecem ser revistas com urgência: 1) o artigo 9º, que institui a intimação dos atos processuais por edital publicado no Diário Oficial do Estado, revogando o direito de o contribuinte e/ou procurador receber as intimações pessoais por carta registrada com aviso de recebimento; 2) toda a seção IV, sobre as provas, que entre outras disposições admite a presunção legal de existência e de veracidade das provas produzidas pela fiscalização; 3) toda a subseção V, sobre as nulidades, que prevê que as incorreções ou omissões verificadas em autos de infração não acarretarão sua nulidade e, mesmo estando o processo em fase de julgamento, os erros de fato e os de capitulação da infração ou da penalidade serão corrigidos pelo órgão de julgamento, de ofício ou em razão de defesa ou recurso, não sendo causa de decretação de nulidade; 4) os artigo 28 e 49, que talvez sejam o ponto mais crítico do projeto, uma vez que praticamente retiram a função jurisdicional atualmente atribuída ao TIT. Nos termos de tais dispositivos, no julgamento pelo tribunal é vedado afastar a aplicação de legislação tributária sob alegação de ilegalidade ou inconstitucionalidade; 5) o artigo 71, que estabelece que a representação fiscal passa ter direito a pedido de vista dos autos em julgamento, além de poder tomar parte dos debates, o que evidentemente desequilibra a favor do fisco a relação processual com o contribuinte; e 6) o fato de que, ao contrário da Lei nº 10.941, não há qualquer previsão acerca do direito de realização de sustentação oral pelos contribuintes. 

Da leitura dos itens acima destacados, não é preciso um grande esforço para identificar violações a princípios constitucionais básicos, precipuamente o da ampla defesa, do devido processo legal, da equidade entre as partes. Outros dispositivos constantes do Projeto de Lei nº 692, tais como a opção (de duvidosa aplicação) do depósito administrativo pelo contribuinte, a utilização do processo eletrônico (certamente inacessível à maior parte dos contribuintes), a previsão da possibilidade da criação de exceções aos próprios dispositivos do projeto, mediante ato normativo do coordenador de administração tributária - artigo 36, parágrafo único, artigo 40, parágrafo 3º, artigo 46, parágrafo 4º e artigo 71, parágrafo 1º), entre outros, reafirmam a necessidade imediata de revisão do Projeto de Lei nº 692. 

É importante salientar, aliás, que tal revisão já está em curso na Assembléia Legislativa paulista e emendas ao projeto vêm sendo apresentadas. Contudo, o acompanhamento da tramitação do referido projeto é fundamental, assim como a movimentação das entidades de classes, de representação da sociedade, para que o texto sofra as alterações necessárias. 

Não há dúvidas que a atual legislação que trata do processo administrativo tributário no Estado de São Paulo merece reformas, que o funcionamento do TIT deve modernizar-se, acompanhando o dinamismo e a complexidade das relações entre fisco e contribuintes. Nesse sentido, os objetivos originais do projeto de lei de imprimir celeridade ao processo, modernizar o TIT, possibilitar melhor acesso a informações, melhorar a qualidade da prestação jurisdicional, entre outros, devem ser apoiados e comemorados. Contudo, não se pode admitir violação a princípios fundamentais, em nome de uma suposta celeridade. A continuidade do TIT, como instrumento de justiça fiscal, depende disso. 


Fernando Gomes de Souza Ayres e Otávio Henrique de Castro Bertolino são advogados 

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