19 de Dezembro de 2008 - 13h:10

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Mais do que nunca, é hora de parar para pensar

Por: Valor Econômico - Vera Rita Ferreira

De um lado, sugere-se - com força presidencial que se incremente o consumo. De outro, teme-se o desemprego. Neste caso, quem quitaria a conta do consumo a crédito se o sujeito perder seu trabalho e fonte de renda?

Vamos encarar os fatos: ao certo, ninguém sabe exatamente o que vem pela frente no Brasil ou mesmo no mundo. Como, quando e em que extensão a crise chegará aqui - porque que ela chega, em alguma medida, não parece haver muita dúvida -, ninguém se arrisca a prever. Em meio a tanta incerteza, cabe indagar: o que nós sabemos, até este ponto, será suficiente para dar conta dos próximos desafios? Ou o cenário é tão inédito que exigiria novos olhares, análises e proposições? 

O psicanalista britânico Wilfred Bion - aquele que afirma que "a razão é escrava da emoção e existe para racionalizar a experiência emocional" - coloca as coisas nos seguintes termos: os pensamentos não são apenas produzidos por nossa mente. Eles existem em si, de modo que a tarefa de captá-los demanda de nós grande esforço e, em particular, o desenvolvimento de nosso "aparelho de pensar pensamentos", que é a nossa mente. 

Em outras palavras, não dispomos de todas as habilidades mentais plenamente preparadas para a árdua missão de gerar pensamentos. Para começar, nós só pensamos quando não há outro jeito. Apenas mediante a superação da enorme tentação de responder aos problemas com saídas rápidas, prontas, conhecidas e simplórias, é que alcançaríamos pensamentos originais e inovadores, úteis para atravessar tormentas. Portanto, diferente das respostas automáticas que nos vêm à mente de imediato - como se fosse por estradas batidas, porém, incapazes de fornecer encaminhamentos reais para as dificuldades que devemos enfrentar -, são os pensamentos reais, que pertencem à família dos "insights", os que podem apontar direções de transformação e crescimento consistentes. 

É um pouco chato se dar conta de que o pensar é uma aquisição tão recente para a espécie humana, se comparado, por exemplo, ao primitivo funcionamento emocional, que predomina tão vastamente em todos nós, como, aliás, as reações a esta crise não cansam de demonstrar. Mas é fato que a habilidade para pensar encontra-se ainda em estágio precário e insuficiente de desenvolvimento. A despeito disso, é com toda esta fragilidade que temos que seguir em frente. Conhecer esta nossa condição já pode se tornar um aliado importante, começando por nos ajudar a não permanecer em ilusões que podem sair caro pouco mais à frente. 

Assim, se a crise nos trouxe algum aspecto positivo, talvez seja a imposição para pensarmos. Não mais pelos velhos caminhos de sempre, estes que nos conduziram a esta mesma enrascada. Chega de "vamos bolar mecanismos criativos para reproduzir a cornucópia mágica da abundância sem fim e sem risco", certo? Mas agora, diante da magnitude do que se delineia no horizonte próximo, teremos que conseguir enxergar o que não vimos até este momento, desenvolver estratégias adequadas e, muito provavelmente, trilhar caminhos que não foram explorados até este momento. 

Como eu também não tenho bola de cristal, não sei exatamente quais são. Algumas sugestões de pistas sobre pontos que não poderiam ficar de fora seriam: levar em conta a finitude dos recursos do planeta, sem postergar irresponsavelmente esta agenda de debate e intervenção - o mundo precisa de um sistema econômico sustentável em todos os sentidos; conhecer melhor como nossa cabeça funciona e, em especial, como ela "apronta", para nos precavermos em relação às nossas próprias ciladas; como mudar comportamento coletivo e criar antídotos que nos protejam da praga da repetição de equívocos que produzem tantas perdas. 

Por ora, no entanto, fica apenas o convite para, antes de tudo, tentarmos limpar o terreno, tirarmos o entulho das velhas idéias do caminho, para que haja espaço para surgir novas visões e propostas. Ao lado, como sempre, da imprescindível condição de agüentar entrar em contato com o que difere de nossas crenças e desejos - e ainda assim, seguir expandindo nosso universo de pensamentos. 

Consumir ou não consumir talvez não seja a questão. É a primeira vez que passamos por uma situação com todas estas características. Temos que suportar não saber de imediato o que fazer para tentar identificar os melhores recursos para lidar com ela. Ainda que nossa mente seja limitada, ela é, sem dúvida, nossa única ferramenta para mudar esta encrenca toda. Mais do que nunca, é hora de parar e pensar. 


Vera Rita de Mello Ferreira é psicanalista, consultora, professora, representante no Brasil da International Association for Research in Economic Psychology (IAREP) e autora dos livros "Psicologia Econômica" e "Decisões econômicas - você já parou para pensar?" 

E-mail: verarita@verarita.psc.br 

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