23 de Dezembro de 2008 - 13h:49

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O Cade e os fundos de investimento

Por: Valor Econômico - Maria Eugênia Novis

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem travado uma discussão importante sobre os critérios para a notificação de aquisições por fundos de investimento em participações (FIPs). Alinha-se, com isso, à tendência internacional de aprofundar a análise dos impactos concorrenciais das operações realizadas por fundos de private equity, responsáveis por uma parcela crescente da atividade de fusões e aquisições. A jurisprudência do conselho, no entanto, ainda não é clara o suficiente para afastar dúvidas com as quais os gestores de FIPs freqüentemente se deparam. 

De acordo com a Lei de Defesa da Concorrência - a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994 -, é obrigatória a notificação ao Cade daquelas operações que produzam efeitos no Brasil, configurem concentração econômica e, concomitantemente, preencham critério quantitativo de faturamento (R$ 400 milhões) ou participação de mercado (20%). 

A aplicação do primeiro desses critérios aos fundos de investimento em participações não deveria suscitar dúvidas. Configura-se concentração econômica sempre que um agente econômico adquire controle sobre a organização empresarial de outro agente, antes independente e autônomo. Para fins concorrenciais, controle abrange as hipóteses de influência dominante, consistente no poder de determinar o planejamento empresarial de outro agente; e de influência relevante, consistente no poder de influenciar as decisões concorrencialmente relevantes de outra empresa - por exemplo, por meio da participação efetiva em sua administração ou de poderes de veto sobre certas matérias. 

Fixada essa noção, é possível afirmar que aquisições de participação societária por FIPs constituídos sob a Instrução nº 391, de 2003, da Comissão de Valores Imobiliários (CVM), sempre configurarão concentração econômica, já que essa norma exige que o fundo participe do processo decisório das companhias investidas, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão, notadamente mediante indicação de membros para o conselho de administração. Portanto, um FIP sempre terá influência concorrencialmente relevante sobre as empresas de seu portfólio. 

Já a aplicação do critério de faturamento aos fundos é nebulosa. De acordo com a Lei de Defesa da Concorrência e sua interpretação atual pelo Cade, a notificação será obrigatória sempre que a empresa-alvo, o grupo vendedor, o comprador ou seu grupo econômico tiver um faturamento bruto igual ou superior a R$ 400 milhões no Brasil. Por grupo econômico entende-se o conjunto de empresas sujeitas a controle comum. Nesse contexto, surgiu a discussão quanto à delimitação do grupo econômico dos FIPs. 

O Cade vem, desde decisões do início de 2008, adotando o entendimento de que o grupo econômico dos fundos de investimento em participações é composto por seus quotistas e empresas investidas. Esse entendimento vem sendo mantido após a recente mudança de composição do conselho. Ele não é, contudo, adequado para toda e qualquer estrutura de FIP. 

É ponto pacífico, como explicado, que um FIP tem influência sobre as empresas de seu portfólio. No entanto, os quotistas que investem recursos em um FIP não têm, necessariamente, influência sobre ele e nem, conseqüentemente, sobre tais empresas. De fato, aquela norma determina que o regulamento do FIP deverá dispor sobre questões como o processo decisório para a realização de investimentos e desinvestimentos pelo fundo, a existência, composição e funcionamento de comitês de investimentos - se houver - e regras para substituição de administradores e liquidação do fundo. Assim, a influência dos quotistas não pode ser presumida e, conseqüentemente, seu faturamento não deve ser automaticamente computado para fins de avaliação do dever de notificar. 

Tal avaliação depende da análise dos dispositivos do regulamento do fundo. Caso esse determine, por exemplo, que o FIP não terá comitê de investimentos, o gestor terá liberdade quanto à definição de estratégias de investimento e à indicação de administradores para as empresas adquiridas e contará com mecanismos que assegurem sua estabilidade na função, o próprio gestor deveria ocupar o topo da pirâmide que delimita o grupo societário. Este é, a propósito, o entendimento adotado na União Européia. 

A aplicação do critério de participação de mercado também depende da definição de grupo econômico. De acordo com a jurisprudência recente do Cade, a notificação será obrigatória quando o comprador ou seu grupo e a empresa-alvo atuarem no mesmo mercado relevante, com participação conjunta de mercado de pelo menos 20%, ou ainda quando o comprador ou seu grupo detiver participação de pelo menos 20% em um mercado verticalmente relacionado - a montante ou a jusante na cadeia produtiva - àquele em que atua a empresa-alvo. 

Diante da importância do tema e das dúvidas que ainda o cercam, até que o Cade adote um entendimento inequívoco sobre as questões aqui apontadas, a conclusão quanto à existência do dever de notificar operações de FIPs exigirá uma análise concorrencial baseada em dispositivos legais, conceitos doutrinários e, especialmente, nas peculiaridades da estrutura, gestão e processo decisório dos fundos. 


Maria Eugênia Novis é advogada

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