30 de Dezembro de 2008 - 12h:35

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O STF e a imunidade das receitas de exportação

Por: Valor Econômico - Creuza de Abreu Vieira Coelho

Com o objetivo de desonerar as exportações e fomentar o comércio exterior, a Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001, acrescentou ao artigo 149 da Constituição Federal, que trata da competência exclusiva da União Federal para instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, uma disposição expressa que veda a incidência de contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico sobre receitas decorrentes de exportação.  

As contribuições sociais passaram a incidir sobre a receita a partir da Emenda Constitucional nº 20, de 16 de dezembro de 1998, que, alterando o inciso I do artigo 195 da Constituição Federal, acrescentou a alínea "b", que instituiu a receita como a nova base de cálculo para a incidência das contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social. 

A controvérsia que se instaurou a partir da nova redação conferida ao artigo 149 pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001, se deu quanto à extensão de seus efeitos à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Isso porque, na medida em que a CSLL possui natureza de contribuição social, posto que criada pela Lei nº 7.689, de 1988, para financiar a seguridade social, sua incidência sobre as receitas de exportação viola flagrantemente a imunidade prevista no artigo 149, parágrafo 2º, inciso I da Constituição Federal. 

No entanto, essa interpretação não é corroborada pela Fazenda Nacional. Para o fisco, a imunidade em questão somente se aplicaria àquelas contribuições sociais previstas no artigo 195, inciso I, alínea "b" da Constituição, ou seja, àquelas que incidem diretamente sobre a receita, como é o caso do PIS e da Cofins. De acordo com o entendimento da Fazenda Nacional, como o fato gerador da CSLL é o lucro, a regra do artigo 149, parágrafo 2º, inciso I da Constituição Federal não se aplicaria a essa contribuição. 

É equivocado, porém, tal entendimento. Não obstante o fato gerador da CSLL seja o lucro, as receitas de exportação compõem a fórmula de apuração do lucro que sofrerá a tributação pela contribuição. Convém esclarecer que o conceito de lucro está relacionado ao resultado da atividade do contribuinte e representa um acréscimo patrimonial gerado por essa atividade. Tendo em vista que, entre os diversos elementos que formam o lucro, encontra-se a receita da pessoa jurídica, a não-exclusão das receitas de exportação, por ocasião da apuração do lucro, torna inócua a imunidade prevista no texto constitucional, posto que a CSLL acaba por incidir sobre essas receitas. 

Diante das divergências a respeito da incidência da CSLL sobre as receitas de exportação, muitos contribuintes levaram a discussão ao Poder Judiciário. A discussão da matéria encontra-se, atualmente, pendente no Supremo Tribunal Federal (STF). A controvérsia começou a ser enfrentada quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 564.413, que terminou empatado na sessão ocorrida no último dia 4 de dezembro de 2008, com quatro votos favoráveis aos contribuintes e quatro contra a extensão da imunidade à CSLL. Faltam os votos dos ministros Joaquim Barbosa, Celso de Mello e Ellen Gracie, tendo esta última solicitado vista dos autos. 

Em outras ações nas quais o Supremo se pronunciou a respeito do assunto, os ministros foram favoráveis à não-incidência da CSLL sobre as receitas de exportação. Foi o que ocorreu no caso da liminar deferida por unanimidade pelo pleno da corte durante o julgamento da Ação Cautelar nº 1.738, em 17 de setembro de 2007, que determinou à União que não exigisse da Embraer valores de CSLL incidentes sobre suas receitas de exportação. Na ocasião, o ministro relator, Cezar Peluso, concluiu que "ao estatuir a imunização das receitas decorrentes de exportação, a Emenda Constitucional nº 33, de 2001, não lhe ressalvou nem distinguiu nenhuma modalidade de contribuição social. Daí a parecer, quando menos neste juízo provisório, de todo ilegítima a restrição hermenêutica fazendária, segundo a qual a imunidade alcançaria apenas as contribuições previstas no artigo 195, inciso I, alínea 'b', que aludem, nominalmente, ao termo 'receita'". 

Ressalte-se, ainda, que alguns contribuintes foram além e, atualmente, pleiteiam a devolução de valores a título da extinta CPMF que incidiram sobre as receitas decorrentes de exportação, com base no mesmo argumento de violação ao artigo 149, parágrafo 2º, inciso I da Constituição Federal. Alega-se que a CPMF onerou indiretamente as receitas de exportação, na medida em que o recebimento dessas receitas através da rede bancária fez, necessariamente, com que sofressem a incidência da contribuição na ocasião da movimentação financeira desses valores. A respeito do assunto, vale mencionar que várias decisões foram proferidas favoravelmente à pretensão dos contribuintes, principalmente pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região. 

Contudo, a extensão da imunidade prevista no artigo 149, parágrafo 2º, inciso I da Constituição Federal à CPMF não foi reconhecida pelo Supremo. Na mesma sessão do dia 4 de dezembro de 2008, além do Recurso Extraordinário nº 564.413, que discute unicamente a questão da CSLL sobre as receitas de exportação, o Supremo submeteu a julgamento também o Recurso nº 474.132, cuja discussão, além da CSLL, abrange também a questão da CPMF. Na ocasião, os ministros negaram provimento ao pleito relativo à CPMF, tendo restado empatados os votos a respeito da imunidade da CSLL. 

No dia 11 de dezembro de 2008, um novo recurso extraordinário, no qual se discute a não incidência da CPMF sobre as receitas de exportação, foi incluído na pauta de julgamento do pleno do Supremo. A empresa Guerra Implementos Rodoviários tenta através do Recurso Extraordinário nº 566.259 excluir da base de cálculo da CPMF as receitas decorrentes de exportação. Todavia, o julgamento foi interrompido em virtude do pedido de vista da ministra Ellen Gracie, que analisará em conjunto a questão da imunidade relativamente à CSLL e à CPMF. Essa é mais uma discussão polêmica que ficou para o ano que vem, já que os recursos nos quais se discute a não-incidência da CSLL e da CPMF sobre as receitas de exportação serão retomados apenas após o recesso forense. 


Creuza de Abreu Vieira Coelho é advogada especializada em direito tributário

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