15 de Janeiro de 2009 - 14h:01

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Autofinanciamento em tempos de crise

Por: Valor Econômico - Dauro Dória

Enquanto as bolsas do mundo inteiro caem e têm um desempenho totalmente atípico, fazendo com que nem os mais experientes analistas financeiros se atrevam a fazer previsões, as empresas aqui no Brasil já começam a sentir os efeitos catastróficos da crise global, começando pela escassez de crédito, aumento nas taxas de juro e dificuldades para exportar. 

Nessa onda de pessimismo e preocupações, os empresários buscam freneticamente fontes de recursos para fomentar a produção e seus próprios negócios, temendo que a prevista recessão mundial produza efeitos ainda mais severos nas empresas. E, em razão disso, quando conseguem obter linhas de financiamento, têm que se sujeitar a taxas altíssimas e, muitas vezes, com efeitos colaterais indesejáveis. 

Há ainda um contingente gigante de empresas que já estavam com suas linhas de crédito tomadas e contavam com o aquecimento da economia para não apenas crescer como também liquidar compromissos assumidos e sair da zona estreita do empate entre receita e despesas para a sonhada zona de conforto, na qual se cria um capital de giro e pode-se pensar em investimentos com capital próprio. Essas empresas se encontram em situação ainda mais preocupante, pois não têm condições de captar recursos no mercado financeiro e a frustração do panorama de crescimento e estabilidade, propagado tanto pelo governo federal quanto pelos analistas financeiros, desenha um futuro incerto senão terrível para empresas nessa situação. 

Tanto no caso de empresas financeiramente sadias que querem evitar ter que se submeter às escassas e escorchantes linhas de crédito quanto no caso de empresas que não sabem onde buscar linhas de crédito para financiamento de suas operações, a solução pode estar muito mais próxima do que se imagina. Trata-se do autofinanciamento empresarial através de ativos ocultos existentes dentro das próprias empresas e de desconhecimento da maioria dos empresários. Esses ativos ocultos têm, a princípio, duas origens, que são as mais comuns: a tributária e a organizacional. 

Com efeito, a grande maioria das empresas, independentemente do seu porte, não utiliza a totalidade dos créditos e possibilidades que a lei coloca à disposição delas, e tais benefícios legais não dependem de nenhuma ação judicial nem homologação da administração pública, mas simplesmente da utilização plena de tais ativos. Como exemplo, cito duas fontes de ativos ocultos que têm efeito imediato no caixa, não dependem de processos judiciais nem administrativos e representam uma economia tributária substancial. A primeira seria ligada ao PIS e à Cofins para empresas do ramo produtivo sujeitas ao regime de não-cumulatividade e a segunda está diretamente ligada à "Lei do Bem" - a Lei federal nº 11.196, de 2005. 

Quanto aos créditos de PIS/Cofins, é importante enfatizar que o próprio fisco já se manifestou favoravelmente à tomada de diversos créditos relativos a insumos através de respostas a consultas formuladas por empresas dos mais variados segmentos. As empresas, todavia, desconhecem o alcance do termo insumos e deixam de tomar uma série de créditos possíveis. É bem verdade que existem também diversos créditos que podem ser tomados, embora o fisco não concorde, ou tenha emitido respostas conflitantes entre si. O aspecto mais importante é o de que as empresas têm que entender que o fisco, muitas vezes, tenta arrecadar cada vez mais, mesmo em detrimento da legalidade. Em suma: o fisco tem dado respostas favoráveis que as empresas nem sempre conhecem, e, quando dá respostas desfavoráveis, muitas vezes o faz apenas com o interesse de arrecadar. 

Quanto aos incentivos ligados à "Lei do Bem", destacamos aqueles relativos à inovação tecnológica. As empresas, em geral, têm a tendência de entender que inovação tecnológica é algo dirigido às empresas de tecnologia. É claro que essas empresas podem usufruir desses incentivos. Todavia, não são as únicas. Quaisquer empresas de quaisquer áreas estão sempre desenvolvendo novas tecnologias para seus negócios. Se não fizerem isso, estão sujeitas a serem suplantadas pela concorrência e morrerem. Assim, quaisquer processos novos, em qualquer empresa, que impliquem melhoria de produção, vendas, logística, administração etc. podem ser enquadrados como inovação tecnológica e, portanto, gerar o direito aos benefícios correspondentes. 

Essas são apenas algumas fontes de autofinanciamento que as empresas podem utilizar para fugir ou ao menos minorar os efeitos da crise que se avizinha - ou que já chegou - sem depender de financiamentos de bancos ou outras instituições. É como estar sentado sobre um baú de dinheiro e não se dar conta disso. Ativos ocultos - como costumo chamá-los - sempre existem nas empresas, porém nem sempre elas os conhecem ou têm tempo ou pessoal para buscá-los. Em razão disso, muitos empresários buscam o caminho comum de obtenção de recursos a custos elevados e maior endividamento das companhias, enquanto os ativos possíveis de alavancar recursos vão, paulatinamente, prescrevendo, ou seja, indo pelo ralo. 

Falamos até agora de alguns exemplos que podem trazer benefícios para as empresas sem oferecer qualquer tipo de risco - desde que executados com cautela, seriedade, boa técnica e apego à lei -, mas existem ainda formas de se enxugar custos dos departamentos, principalmente com os contenciosos de massa. Através da execução de um estudo econômico e científico e a elaboração de um projeto específico, consegue-se não apenas diminuir sensivelmente o número de processos e, conseqüentemente, os custos de manutenção e gerenciamento do jurídico como também melhorar a imagem da empresa perante órgãos de defesa do consumidor e o próprio Poder Judiciário. Essas medidas agregam qualidade e aumentam o caixa das empresas, sem necessidade alguma de intervenção externa, ou seja, sem que a companhia seja obrigada a recorrer ao sistema financeiro ou a medidas não-ortodoxas para fazer frente à escassez de crédito. 


Dauro Dórea é advogado

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