28 de Janeiro de 2009 - 14h:12

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Os efeitos da crise nas relações contratuais

Por: Valor online - Stirling Leech, Kate Cade e Richard

A teoria do efeito borboleta se refere à idéia de que as asas da borboleta criam pequenas mudanças na atmosfera que, no fim, podem causar um furacão. A queda do mercado de subprime dos Estados Unidos foi mais como um touro enraivecido do que como uma borboleta batendo suas asas. Então, não é de se estranhar que, atualmente, muitas empresas tenham a sensação de estarem sendo arremessadas à arena de touros.

Pouquíssimos mercados escaparam do impacto das atuais condições econômicas. Apesar das ajudas governamentais de bilhões, a incapacidade de as empresas obterem financiamento está causando problemas no mundo todo. No mercado siderúrgico, diversas empresas foram duramente atingidas. Alguns players buscam maneiras de sair dos contratos de fornecimento de carvão devido à queda na demanda por seus produtos. Muitos bancos não são mais vistos como fornecedores aceitáveis de cartas de crédito e, em muitos países, como o Paquistão, anda muito difícil abrir uma carta de crédito. 

O comércio de mercadorias em grande quantidade foi paralisado em muitas regiões do mundo. As recentes flutuações cambiais impactaram as vendas internacionais, colocando os compradores nos contratos existentes sob muita tensão, em dificuldades na aceitação da entrega dos carregamentos restantes. Isso também levou a problemas contratuais no mundo marítimo, sendo necessário examinar com muita atenção os contratos de afretamento (de longo e curto prazo) e as licenças de afretamento (para viagem e cronograma). Preocupações com o fluxo de caixa também causaram aumento no atraso de pagamentos. No passado, quando a indústria da construção civil prosperava, podia-se pagar os subcontratados e os fornecedores de um projeto com recursos obtidos em outro. Agora, o fluxo de caixa mais restrito causa atrasos e reações em série na cadeia de fornecimento dos projetos. 

Então, não é surpresa que o impacto da queda da atividade econômica tenha feito com que muitos encontrassem maneiras de escapar de contratos ou tivessem de lidar com inadimplentes. Isso gera a necessidade de se examinar qual lei rege o contrato e que foro se aplica aos litígios, porque os resultados dependem disso. Muitos contratos internacionais são regidos pela lei inglesa ou talvez a americana - como o direito comum. 

Em muitos casos, em contratos regidos pela lei inglesa, a chamada "force majeure" - ou força maior - será o primeiro argumento das partes para se eximirem de suas obrigações contratuais. Nesses casos tudo depende da redação da cláusula individual, que pode variar muito e, com freqüência, é inadequada. É comum, por exemplo, que os contratos apresentem eventos seguidos da frase "ou quaisquer outras causas além de nosso controle". 

Em relação a um contrato comercial, em que uma parte busque invocar força maior, deve ser demonstrado que o cumprimento da obrigação se tornou física ou legalmente impossível, e não meramente mais difícil ou não lucrativo. Dessa forma, até que ponto, na prática, pode-se confiar nas cláusulas de força maior redigidas de forma ampla é algo ainda a ser verificado. Ao enviar um aviso de força maior, é preciso muito cuidado para garantir que ele não seja tomado como um rompimento de contrato antecipado. 

Na falta de uma cláusula aplicável de força maior, o próximo argumento aplicável sob a lei inglesa seria o conceito de "frustration" do direito comum, que se preocupa essencialmente com a destinação do risco de um evento não previsto que torna o cumprimento do contrato mais oneroso ou impossível. O efeito, se todos os critérios forem cumpridos, deverá ser o de encerrar automaticamente o contrato, liberando ambas as partes de seu cumprimento. A frustração devido a condições econômicas é notoriamente difícil de se estabelecer. Os tribunais não estão dispostos a intervir em situações em que uma parte simplesmente fez um mau negócio. Há pouca jurisprudência recente, mas, nas circunstâncias certas poderia haver uma pequena chance de se argumentar frustração do contrato. 

Por outro lado, para enfrentar uma parte inadimplente no contrato, há diversas opções disponíveis. Tipicamente, o recurso legal para a quebra de contrato é a indenização monetária. Quando ela não é adequada, a parte prejudicada pode solicitar uma medida equitativa, como uma liminar ou uma ação específica. Os códigos civis de países como o Brasil e a Itália possuem excessivas disposições de onerosidade. Elas podem permitir que uma parte encerre um contrato devido a dificuldades que tornam seu cumprimento demasiadamente oneroso. É claro que o efeito dessas disposições varia de país a país. Ainda é discutível se dificuldades resultantes da queda da atividade econômica atual serão suficientes para encerrar um contrato. 

Em muitos casos, as partes não desejam ser vistas como inadimplentes e devem considerar uma moratória, envolvendo desde um acordo para suspender o contrato até um acordo de não iniciar um litígio antes de determinado prazo. A moratória poderá ser uma solução comercial de curta duração. Na falta disso, escapar de um contrato oneroso ou ter recursos legais contra uma parte inadimplente dependerá dos termos e da redação do contrato e das circunstâncias particulares para solicitar uma saída deste ou um recurso legal. 


Stirling Leech, Kate Cade e Richard Hawkins são, respectivamente, consultor em direito estrangeiro e sócio baseado no Brasil; advogada baseada em Londres; e consultor em direito estrangeiro baseado no Brasil

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