28 de Janeiro de 2009 - 14h:18

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Troca de soja por cana frustra agricultores no Centro-Oeste

Por: Valor Econômico-Mônica Scaramuzzo e Patrick Cruz

"Resolvi diversificar a cultura e comecei a plantar cana para fornecer para as usinas. Só não esperava que o setor [sucroalcooleiro] fosse entrar em crise e que eu fosse ficar com a cana na mão." A frase acima é de um produtor de grãos de Goiás, que há dois anos também se tornou fornecedor de cana. Assim como ele, que preferiu não se identificar, muitos produtores e arrendadores de terras do país começam a repensar a cana como alternativa econômica.

Parte dos produtores goianos que arrendou terras para usinas canavieiras tem enfrentado inadimplência. O atraso nos pagamentos pelas áreas arrendadas passou a ocorrer, sobretudo, a partir do segundo semestre de 2008, e não envolve apenas pequenas usinas, mas as grandes instaladas nos municípios de Acreúna, Anicuns, Inhumas, Santa Helena e Vicentinópolis, todos em Goiás, de acordo com a Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg). Em algumas dessas regiões, há atraso de até cinco meses no pagamento. 

O arrendamento é, em alguns casos, a única alternativa de renda desses produtores. Esses contratos de arrendamento de terras vigoram por no mínimo um ciclo completo da cana, tradicionalmente de seis anos, e vai até 20 anos, quando é de longo prazo. Segundo Bartolomeu Braz Pereira, presidente da comissão de açúcar e álcool da Faeg, as usinas instaladas nas regiões de Goiás com problemas financeiros estão negociando o pagamento em atraso. "O momento é difícil para o setor. Os produtores estão discutindo saídas", disse. 

O caso de Goiás não é isolado. Em São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Estado considerado nova fronteira para cana, a situação é similar. E nesse pacote de inadimplência os fornecedores de cana também estão incluídos. Na região de Ribeirão Preto (SP), principal pólo produtor de cana do país, nove usinas estão com pagamento de seus fornecedores em atraso, segundo Manoel Ortolan, presidente da Cooperativa Plantadores Cana do Oeste São Paulo (Canaoeste). 

A cana tornou-se uma alternativa econômica atraente a partir de 2005. Àquela época, os preços do açúcar estavam em disparada nas bolsas internacionais e o potencial do consumo de álcool nos mercados interno e externo estimulou diversos investimentos em novas plantas sucroalcooleiras no país. Nessa mesma época, a soja passava por uma crise de preços.

Muitos produtores de grãos cederam suas áreas para o plantio de cana na expectativa de melhor remuneração com o fornecimento da matéria-prima. Agora, a situação se inverteu e boa parte desses agricultores começa a se arrepender. Sem ter como voltar atrás na decisão de uma hora para outra, muitos deles diminuíram a área de cana que precisa de renovação para investir na soja, afirmou uma fonte do setor. Essa seria uma alternativa de rotação de cultura. 

Muitas usinas operam no vermelho no país desde 2007, e a soja, por sua vez, está em franca retomada de preços. A partir do fim de 2007, o preço do grão iniciou sua escalada até atingir seu maior patamar histórico, em julho de 2008. Depois disso, a soja recuou, mas manteve-se bem acima de suas médias históricas ao longo do segundo semestre. Em dezembro, um novo momento de ascensão começou, motivado especialmente pela aquecida demanda chinesa e pelos problemas climáticos na Argentina, um dos maiores produtores mundiais da commodity. A expectativa de recuperação do açúcar para 2009 é grande, mas até o momento os sinais positivos ainda não se consolidaram. 

Durante o declínio das cotações da soja registrado na segunda metade de 2008, as margens projetadas para a safra 2008/09 chegaram a ficar negativas - embora o grão tenha permanecido acima das médias históricas, seu plantio foi realizado sob um cenário de disparada dos custos dos insumos, especialmente dos fertilizantes. 

Agora, em Primavera do Leste (MT), por exemplo, importante pólo de produção de soja do Centro-Oeste, a margem projetada é de 29%, segundo as contas da consultoria MB Agro. O cálculo leva em consideração os custos operacionais - exclui, portanto, fatores como depreciação - e projeta comercialização em março com cotação da soja a US$ 10,15 por bushel na bolsa de Chicago. Em Rio Verde (GO), uma das cidades que personificaram a "disputa" por terras entre soja e cana nos últimos anos, a margem para venda da oleaginosa entre janeiro e fevereiro está em 52%, de acordo com cálculos da Agência Rural. A cana, em contrapartida, continua negativa, segundo fontes do mercado. 

Os fornecedores de cana do Centro-Sul do país estão recebendo cerca de R$ 38 pela tonelada entregue às usinas. Mas os custos de produção estão em torno de R$ 45. "Nos últimos dois anos o produtor trabalhou no vermelho", afirmou Ortolan, da Canaoeste. 

No sudoeste de Goiás, segundo técnicos da região ouvidos pelo Valor, o preço oferecido pela cana, que está em seu primeiro ciclo é de R$ 27 por tonelada, com produtividade estimada de cerca de 90 toneladas por hectare. Para a soja, o preço bruto está em torno de R$ 45 por saca. Como a produtividade estimada é de cerca de 50 sacas por hectare, a receita bruta projetada para ambas as culturas, na região, fica em torno de R$ 2.300 por hectare. 

"Muito mais que a receita com uma ou outra cultura, o produtor está mais preocupado é com o fato de não estar recebendo pela terra arrendada [para o plantio de cana]. Isso pesa mais que qualquer outro fator", diz José Carlos Hausknesht, analista de agronegócios da MB Agro. 

Para André Rocha, presidente do Sindicato das Indústrias de Açúcar e Álcool de Goiás (Sifaeg), a crise financeira do setor sucroalcooleiro é circunstancial. "Há sim usinas com mais de 20 anos no mercado aqui no Estado atrasando arrendamento, mas já estão negociando o pagamento", afirmou. 

Com abundância de matéria-prima nesta safra 2008/09, muitas usinas deixaram a cana "em pé" nas lavouras. Isso também significa prejuízo aos fornecedores, que deixam de receber pela matéria-prima. "O contrato é pela cana entregue, mas se as usinas não processam a matéria-prima, o prejuízo é nosso", disse um fornecedor da região de sudoeste de Goiás. 

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