04 de Fevereiro de 2009 - 12h:47

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Crise econômica e equilíbrio dos contratos

Por: Valor Econômico - Luciano Benetti Timm

As notícias dos jornais econômicos retrataram que o fim do ano de 2008 foi de turbulência nas relações contratuais entre empresas. Não é difícil esperar que isso acontecerá durante todo o ano de 2009. Um dos casos mais emblemáticos foi o da Sadia, que suspendeu ou mesmo terminou uma série de contratos com fornecedores de frango, provocando reflexos em toda a cadeia produtiva e de distribuição - desde os produtores, passando pelos transportadores e pelos frigoríficos. Também houve o caso das indústrias de celulose, que igualmente suspenderam ou interromperam uma série de contratos com seus fornecedores. Já no Mato Grosso, foi o Poder Judiciário que ensejou a suspensão de contratos de financiamento agrário ao permitir, via concessão de uma liminar em uma ação coletiva movida pelo Sindicato dos Produtores Rurais, que os produtores mantivessem a posse de seus tratores e de outros implementos agrícolas sem qualquer contrapartida monetária. 

A crise financeira e econômica, antes uma marola externa ao Brasil, está agora a atingir em cheio alguns setores da economia brasileira como um tsunami. E essa crise trará consigo importantes discussões jurídicas sobre as relações contratuais. Será o primeiro grande teste do novo Código Civil, que entrou em vigor em 2003 trazendo princípios contratuais diversos do Código Civil anterior. De um lado, o grande princípio mestre do direito contratual - sobretudo no âmbito empresarial - é o de que os contratos devem ser cumpridos, tal como avençados entre as partes e que aparece inclusive no artigo 421 do Código Civil. De outro lado, existe também o princípio subsidiário àquele, de que alterações extraordinárias e imprevistas pelas partes pode ensejar o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, conforme disposto no artigo 478 do Código Civil. 

Há inclusive os mais entusiasmados invocando a função social dos contratos referida naquele mesmo artigo 421 do Código Civil, com a finalidade de pretender a revisão de contratos e o seu reequilíbrio econômico-financeiro. O Poder Judiciário ou os árbitros eleitos livremente pelas partes - alternativa cada dia mais comum na seara empresarial, dada a falta de expertise e de agilidade do Judiciário para solução de conflitos empresariais - serão chamados então para, em não havendo acordo entre as partes, resolver a disputa. 

Nesse contexto, os advogados, ditos primeiros juízes da causa, não mais aqueles antigos bacharéis forjados naquele currículo de direito concebido no século XIX, cultores do latim, da literatura e da filosofia, mas os pragmáticos formados pelo mercado e com noções de finanças e economia, tentarão negociar um acordo que, por definição, seja melhor (mais eficiente) para seu cliente. Se não houver acordo entre as partes e seus advogados, o que os juízes e árbitros deverão examinar, primeiramente, são as disposições contratuais. Havia mecanismos e critérios previstos no contrato de reequilíbrio econômico-financeiro do negócio, como as cláusulas de "hardship"? 

A ausência de previsão contratual expressa autorizaria o juiz ou árbitros a recorrer aos dispositivos do Código Civil que se aplicam supletivamente a qualquer contrato de natureza privada, tal como o seu artigo 478, antes citado, sobre onerosidade excessiva. Na interpretação do contrato, juízes e árbitros deverão buscar os usos e costumes, ou seja, a prática do mercado, tal como determina o artigo 113 do Código Civil, bem como a real intenção das partes, conforme o artigo 112 do mesmo código. Examinarão ainda a relação de força entre as partes e sua sofisticação, sempre presumindo que o empresário é um profissional e deve se cercar de todos os cuidados antes de celebrar um contrato, diferentemente de um consumidor. Além disso, será examinado se a crise econômica era previsível pelas partes e em que medida. 

O árbitro privado ou o juiz estatal deverão ainda verificar se as partes tomaram todas as cautelas para se informar acerca do negócio que estavam fazendo. Afinal, vários problemas encontrados em alguns mercados não foram um resultado direto da crise, mas de uma aparente negligência na administração das companhias, que se tornaram verdadeiras apostadoras no mercado de derivativos - não que esse mercado de derivativos não cumpra uma importante função social de distribuição do risco, mas o apostador prudente cerca-se de algumas cautelas. 

O árbitro ou juiz deverão também ainda ponderar os reflexos econômicos de sua decisão. Às vezes, favorecer uma das partes no processo poderá trazer sérios problemas em cadeia, para aquela maioria silenciosa que está cumprindo seus contratos e que não ingressou em juízo - como sabemos, aliás, após experiências das ações revisionais. Com a inserção da economia brasileira ao cenário internacional na última década, a esperança é a de que o profissional do direito tenha se aculturado sobre o funcionamento de uma economia de mercado, sobre seus altos e baixos e os riscos que são assumidos em operações complexas. 

O paternalismo da proteção do mais fraco, ou soluções simplistas de busca do "justo", com citações recheadas de latim e de data vênia, não cabem mais. Espera-se, sim, uma aproximação da solução jurídica à realidade econômica, pois o contrato regulado pelo direito nada mais é do que uma roupagem de uma atividade de mercado. 


Luciano Benetti Timm é advogado, pós-doutor pela Universidade de Berkeley, na Califórnia, presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia e professor adjunto da Pontifícia universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul 

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