16 de Fevereiro de 2009 - 12h:40

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Caução, penhora e o pagamento em dinheiro na execução

Por: Valor Online - Ricardo Souza e Luiz Fernando Corre

Quando se fala em tributos, ou carga tributária no Brasil, logo se enxerga o discurso do Estado voraz e do cidadão espoliado. Contudo, a realidade é bem mais complexa e menos maniqueísta em relação ao usualmente divulgado na mídia. A verdade é que a carga tributária faz as vezes, em regra, de um simples espelho da carência de recursos do poder público em face de suas obrigações constitucionais. Em português bem claro, o Estado tem despesas obrigatórias e, para delas dar conta, faz-se necessário encontrar receitas da coletividade. 

O Brasil, mediante a "Constituição Cidadã" de 1988, é pródigo em obrigações a serem cumpridas pelo Estado. Ressalte-se que, para piorar, na década de 80 do século passado, passamos por uma gravíssima crise de recursos que levou até a decretação de uma moratória internacional pelo então presidente José Sarney, o qual, segundo a imprensa da época, chegou a dizer que a Constituição deixaria o Brasil "ingovernável". 

Assim, ao lado de déficit público histórico e monumental, há uma série de atribuições a serem exercidas pelo Estado brasileiro, especialmente diante de uma realidade cruel para com expressiva parte da população, denominada de os "descamisados" pelo presidente que sucedeu à Sarney e, posteriormente, sofreu impeachment. 

Ora, abstraindo-se da discussão sobre o tamanho ideal da carga tributária brasileira, o fato é que cumprir as obrigações tributárias é um dever legal sujeitando seu inadimplente a uma execução fiscal e a um processo criminal de sonegação. 

Evidentemente que a garantia do devido processo legal autoriza a defesa do contribuinte devedor em face da pretensão estatal. Todavia, há regras a serem observadas no âmbito da defesa processual, assim como das ações propostas em face do Estado. 

Como deve ser de geral conhecimento - ou, pelo menos, de geral intuição - se o senhor José da Horta me deve dinheiro, deverá pagar-me dinheiro. Poderá pagar-me couve, alface ou feijão, apenas, se com isso, expressamente, eu concordar. 

O nutritivo exemplo acima exposto tão somente reflete o previsto no artigo 313 do Código Civil desta República: "o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa". Da mesma forma deve ocorrer na seara tributária. 

O crédito tributário, depois de finalmente constituído, com exaurimento de todas as instâncias administrativas de ampla defesa e contraditório, só terá sua exigibilidade suspensa se parcelado ou se for objeto de depósito integral em dinheiro, ressalvados os casos de liminares e tutelas antecipadas emanadas do Judiciário que, porventura, o dispensem, nos termos do artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN). 

Destaca-se que o crédito tributário não pago, no caso dos tributos federais, é encaminhado para inscrição na dívida ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, extraindo-se título executivo para amparar a sua cobrança judicial, mediante execução fiscal. Após inscrito em dívida ativa, o contribuinte é notificado para pagar ou parcelar amigavelmente seu débito, correndo, geralmente, entre a inscrição em dívida ativa e o ajuizamento da respectiva execução, prazo de 60 a 90 dias. 

E, é por conta desse prazo, de cobrança amigável, que a União, presentada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, tem colhido pepinos na horta judiciária. Pois, alguns devedores operosos, entendendo não ser razoável esperar pelo ajuizamento da execução fiscal para, só então, poderem garantir o valor cobrado, obterem certidão de regularidade fiscal e a suspensão do registro no Cadin, estão a propor medida cautelar de caução preparatória da futura execução fiscal, oferecendo os mais diversos itens: títulos, máquinas, veículos, imóveis, cartas de fiança, seguro-garantia, quase nunca dinheiro. 

Tal pretensão deveria ser rechaçada de pronto pelo Judiciário porque viola e burla o direito da Fazenda Pública credora de receber o que lhe é devido (dinheiro) e afasta, em regra e cautelarmente, o dinheiro como meio preferencial da futura execução fiscal. 

Entretanto, o Judiciário, seguindo o exemplo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não só tem aceito a tese da caução que se transmuda em penhora da futura execução fiscal, como afirma que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional demora a ajuizar a execução - quando, na verdade, apenas obedece a lei, ofertando última tentativa amigável de pagamento - e que o devedor que não possui uma execução fiscal contra si é menos afortunado (pasme!!!) do que aquele que contra si tem um processo voltado à constrição de bens; razão pela qual o "infeliz" devedor omisso pode ofertar caução que se transformará na "famigerada penhora" - a última colheita de pepinos, por exemplo, desde que tenha cotação em bolsa de mercadorias, pode servir de caução. 

Exemplo disto, o STJ, no agravo regimental no recurso especial nº 924645/SC, sinaliza que a caução da futura execução fiscal parece ser incentivada, em detrimento da penhora (sic.) da execução fiscal. 

Não bastasse isso, a União se vê ordinariamente obrigada a aceitar coisas -quase nunca dinheiro - sem que o procurador da Fazenda Nacional, seu representante judicial, sequer seja ouvido com antecedência. 

Finalmente, proposta a execução fiscal, a caução se transforma na "famigerada penhora". Após um longo processo, onde o credor consegue, a duras penas, afastar o princípio da menor onerosidade tão pugnado pelo devedor e tão homenageado pelo Judiciário, o que faz com que se arraste o que deveria ser o objeto do processo (a satisfação do crédito coletivo), o povo finalmente receberá os pepinos. 

Isso, obviamente, se eles não estiverem estragados ou envelhecidos ou se a horta que garantiu seu fornecimento não estiver fechada, falida ou sido liquidada judicial ou extrajudicialmente. Pois, vê-se: os pepinos não passavam de simples retórica para evitar ou protelar-se o cumprimento do "dever fundamental de pagar" os tributos, parafraseando o ilustre professor da Faculdade e de Direito de Coimbra, José Casalta Nabais. Dever fundamental este que, descumprido, causa enorme ônus a toda a sociedade, ao privar o Estado de recursos essenciais para cumprir suas obrigações constitucionais e ao impor ao Estado Fazenda Pública e ao Estado Poder Judiciário despesas com processos longos e caros. 


Ricardo Oliveira Pessoa de Souza e Luiz Fernando Serra Moura Correia são procuradores da Fazenda Nacional lotados na Procuradoria da Fazenda Nacional no Estado do Rio de Janeiro. 

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