02 de Março de 2009 - 18h:46

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Uma política para a recuperação de empresas

Por: Valor Econômico - Thomas Felsberg e Sergio Amaral

O ano de 2009 inicia-se com maus presságios para a economia. A produção industrial no Brasil sofreu nos últimos meses a maior queda em 13 anos. As exportações deverão cair tanto em volume quanto em valor. O consumo interno também deverá diminuir, em decorrência das perdas de patrimônio, de renda ou de emprego.  

Para alguns, a crise da economia poderá representar uma oportunidade. É o caso da indústria de alimentos, sobretudo os de preço menos elevado. O setor de massas, por exemplo, espera crescer 10% neste ano. Para a maioria, no entanto, os desafios serão maiores, seja porque o crédito continuará escasso, a demanda interna contida, os mercados nos países mais desenvolvidos estagnados, sem falar nas dificuldades habituais, como a taxa de juros elevada, a carga tributária ou as deficiências na infra-estrutura. Em consequência, muitas empresas não disporão dos recursos necessários para fazer face às suas obrigações. Quaisquer que sejam as culpas ou as escusas - o próprio empresário, os executivos, o mercado financeiro, a taxa cambial, a crise do subprime ou a concorrência desleal dos asiáticos, o governo ou quem seja -, os números estão aí e são inexoráveis. 

O poder público hesita sobre o caminho a tomar. Antecipar-se às dificuldades previsíveis ou aguardar a evolução da crise. De um lado, a experiência mostra que o assistencialismo e o intervencionismo não são a saída e podem transformar-se no veneno e não no remédio. De outro lado, os governos não podem permanecer impassíveis diante da ameaça efetiva de desaparecimento de milhares de empresas produtivas, tecnologicamente avançadas, competitivas e eficientes, sob o impacto de uma crise pela qual não são responsáveis. A omissão seria economicamente contraproducente, politicamente inviável e moralmente inaceitável. Ela traduz-se em perda de empregos, queda no produto e na capacidade de arrecadação. 

A insolvência tem quatro dimensões que precisam ser analisadas detidamente para formular o diagnóstico e prescrever a terapia apropriada a cada caso: a econômica, a financeira, a administrativa e a jurídica. A econômica focaliza a inserção setorial da empresa, a competitividade, o padrão tecnológico, o mercado real e potencial, entre outros fatores. A análise financeira avalia a capitalização da empresa, sua alavancagem possível, o fluxo de caixa e o equacionamento de seu passivo. A ótica administrativa avalia a gestão e reestruturação necessária para torná-la mais eficiente. O ângulo jurídico, por fim, identificará os mecanismos legais e judiciais para proteger a empresa e preservar a sua capacidade produtiva em face da falta de liquidez ou mesmo da insolvência. Cada uma dessas dimensões tem peculiaridades próprias que sugerem mecanismos diferentes para a recuperação da empresa. 

Não obstante, em todas essas situações distintas existe um elemento comum, que é a necessidade de recursos financeiros novos para assegurar a viabilidade do programa de recuperação. Onde e como buscá-los? Na grande maioria dos casos os detentores do capital de empresas insolventes estão exauridos e não têm mais credibilidade para captar novos recursos. Os credores, via de regra os mais interessados na recuperação, relutam em colocar dinheiro bom ao lado de dinheiro ruim. No caso dos credores financeiros, os regulamentos sobre provisão para perdas do Banco Central dificultam o acesso a novos recursos. Na prática, as empresas em recuperação contam com apenas duas fontes de recursos: (1) as empresas de factoring ou bancos que possam adquirir os seus recebíveis; (2) a venda de unidades produtivas isoladas, que podem ser alienadas a terceiros sem o risco de sucessão das obrigações de qualquer espécie. 

A julgar pela experiência de outros países, em que a prática da recuperação de empresas está consolidada, essa é uma atividade econômica lucrativa, que deve ser incentivada por suas relevantes implicações econômicas e sociais. Caberia possivelmente às agências de fomento, tanto federal quanto estaduais, desenvolver políticas para incentivar a recuperação judicial das empresas, que poderiam incluir a fixação de critérios para realizar o diagnósticos das empresas em dificuldades, diretamente ou com o apoio de empresas terceirizadas, as regras para viabilizar o programa de recuperação e, sobretudo, definir as condições para a mobilização de recursos públicos e privados, peça essencial para o êxito do programa. Nesse contexto, o financiamento público dependeria não apenas da credibilidade do programa de reestruturação, mas do compromisso dos credores em aportar um volume de recursos pelos menos equivalente à participação do setor público. 

A experiência tem demonstrado que os recursos públicos, ainda que essenciais, são em geral modestos em comparação com os benefícios gerados pela recuperação. Nessas condições, os recursos aplicados pela agência de fomento em projetos bem estruturados de recuperação são normalmente devolvidos ao setor público, com juros de mercado, pelas empresas recuperadas tornando assim as agências de fomento autosustentáveis. Esse, aliás, é o espírito com que já opera o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), através do BNDESPar, na promoção de novos investimentos. A implantação de um programa e de uma política de recuperação de empresas poderia tornar-se ainda mais eficaz se fossem alteradas algumas das disposições da legislação pertinente, conforme as sugestões apresentadas ao conselho jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). 

Thomas Benes Felsberg e Sergio Amaral são advogados

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