30 de Março de 2009 - 12h:09

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A equivocidade de interpretação doutrinária na lei de recuperação

Por: Consultor Jurídico - Edno Damascena de Farias

Empresas em dificuldades econômicas e objetivando evitar a falência têm se socorrido do benefício legal do Plano de Recuperação Judicial. Assim o fizeram, a Varig, a Parmalat, a Avestruz Master, entre tantas outras.

O artigo 47 da Lei 11.101/05 estabelece como seu objetivo “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores...” Os artigos 51 e 52, mesma Lei, estabelecem as regras para a propositura e processamento do pedido de recuperação judicial, elencando os requisitos formais que devem constar da petição inicial, sob ônus de indeferimento.

Ressalta-se que o artigo 52, que regula a adoção de determinadas medidas pelo Juízo processante da recuperação judicial, dispõe, em seu inciso III, que o juiz “ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do artigo 6. desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam...”

O artigo 53, daquela, estabelece as regras e prazos para apresentação do Plano de Recuperação Judicial e para publicação do edital de aviso aos credores (Decisão judicial distinta daquela que deferiu o processamento do pedido de recuperação judicial – artigo 51).

Por sua vez, o artigo 59 – Lei 11101/05, em benefício do devedor, dispõe que “O plano de recuperação judicial implica a novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no parágrafo 1 do artigo 50 desta Lei (refere-se a alienação de bem com garantia real).

Artigo 59 referenciado que entra em conflito aberto com o disposto no parágrafo 1º do artigo 49, mesma lei, que dispõe: “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”.

Interessante observar que até os mais renomados doutrinadores da recuperação judicial no Brasil referendam com seus comentários a validade, compatibilidade e eficácia de todas as normas constantes da lei 11101/2005, inclusive dos artigos 49 e 59 já transcritos.

Por todos, transcreve comentários feitos pelo renomado Juiz Manoel Justino Bezerra Filho, em obra publicada pela RT editora, quem tece os seguintes comentários sobre o parágrafo 1º do artigo 49 e, logo após, ao artigo 59:

Artigo 49.

5. O credor com garantia de terceiro (v.g., aval, fiança, etc.), mesmo sujeitando-se aos efeitos da recuperação, pode executar o garantidor. Um exemplo facilitará o entendimento: suponha-se uma limitada que emitiu uma promissória em favor de qualquer credor, tendo o sócio dessa limitada (ou qualquer terceiro) avalizado o título. Mesmo que o crédito esteja sujeito aos efeitos da recuperação, o credor pode executar o avalista. Deverá cuidar para, recebendo qualquer valor em qualquer das ações, comunicar nos autos da outra tal recebimento. (in, Lei de Recuperação de Empresas e Falência Comentada, 2007, p. 141).

Artigo 59

1. O artigo prevê que a aprovação do plano de recuperação implica novação dos créditos anteriores ao pedido, novação que ocorre conforme previsto no art. 360 do Código Civil. Todos os credores sujeitos ao plano estão obrigados a ele, mantendo-se, porém, intocadas as garantias reais anteriormente existentes sobre os bens, bens estes que somente poderão ser liberados ou substituídos com expressa anuência do titular da garantia...”(idem, p. 178).

Caríssimo leitor e estudioso do Direito, percebe-se claramente a limitação doutrinária que termina por assolar até os nossos mais importantes estudiosos do direito, em quase todas as áreas jurídicas. Tão somente porque avaliam o impacto e eficácia das normas constantes das Leis partindo da premissa de sua inequívoca validade, vez que aprovadas pelo Parlamento brasileiro.

Vejamos:

Ao dispor que há a novação das dívidas da empresa que tem seu Plano de Recuperação homologado/deferido judicialmente, o artigo 59 da lei 11.101/2005 nada mais faz que retratar um corolário lógico do deferimento: a pactuação de novas das dívidas, vez que o Plano é feito exatamente para possibilitar novas condições de adimplemento/cumprimento das obrigações anteriores a ele submetidas.

Novação de dívida que significa — como ensina a melhor doutrina — a extinção da obrigação anterior, que é substituída pela nova: Embora não tenha recebido a primeira prestação que lhe era devida, o credor aceita que ela seja considerada extinta, porque só poderá exigir o adimplemento da obrigação substituída. (HAMID CHARAF BDINE JR., in Código Civil Comentado, coord. pelo ministro Cezar Peluso, Supremo Tribunal Federal, Manole editora, 2007, p. 257).

Neste caso, o credor tem a opção de não aceitar o Plano de Recuperação Judicial e, conseqüentemente, submeter-se-á a empresa à decretação de falência. (vide artigo 73, inciso III, LRJF). Há uma aberração lógica, e também jurídica, no raciocínio que admite que os avalistas ou fiadores possam ser executados por dívida contemplada para adimplemento em Plano de Recuperação Judicial aprovado. Seria o mesmo que aceitar a existência da nova dívida e a sobrevivência da dívida antiga. Seria uma forma de violentar a natureza do instituto da novação.

Estar-se-ia a admitir a multiplicação ou dualização de uma dívida única, contraída pelo devedor, com aval de terceiro. Além de presumir-se a existência de duas dívidas, quando, em verdade, trata-se de uma única.

A legislação pode até prever, como o faz o artigo 61, parágrafo 2, que uma vez “Decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial.” Neste caso há uma obrigação superveniente à falência.

Entretanto, não se pode admitir suposta — sequer logicamente —sobrevivência fictícia de uma dívida extinta em decorrência da novação, que sequer precisaria estar taxativamente prevista no artigo 59, Lei 1101/05, vez que se trata de um efeito lógico da aprovação do plano de recuperação judicial, que objetiva, principalmente, a preservação dos créditos em novas condições de adimplemento.

Abominável e mais assustador ainda o argumento de possibilidade de cobrança e execução de avalistas ou fiadores de créditos submetidos a plano de recuperação judicial quando se tratar de avalista/fiador que ostenta a condição de sócio-proprietário de empresa limitada, vez que entraríamos noutra contradição entre as regras que regulamentam a responsabilidade solidária do sócio até o limite de sua cota capital e que somente poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica da empresa devedora em casos especiais.

Limitações e requisitos formais que também estão contempladas no artigo 82, Lei de Recuperação Judicial. Isso após “apurada no próprio juízo da falência” e “observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil”, com ampla dilação probatória.

Ao abdicarem da prevalência da lógica e da eficácia plena da natureza dos institutos civis em qualquer caso, com incidência em qualquer situação, terminam nossos doutrinadores por tornarem-se reféns do legislativo, vez que tecem suas argumentações de forma fragmentária, sem uma leitura sistemática de referida legislação especial. Em suma, comentam e validam cada artigo, sem perceber que, assim o fazendo, contrariam os próprios fundamentos da doutrina jurídica e da lógica meta-jurídica e, inclusive, o senso comum.

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