11 de Maio de 2009 - 16h:36

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Grito de socorro aumenta

Por: Diário de Cuiabá - Marcondes Maciel

Fraude ou reoxigenação? Depende do lado em que se está do processo. Para quem propõe, o pedido é de socorro, para quem se torna credor, muitas vezes a sensação que fica é de um calote legalizado. Independente do ângulo, a Recuperação Judicial é atualmente uma das especialidades do Direito que mais emerge em tempos de crise. Só no ano passado foram 27 casos propostos em Mato Grosso, sendo 14 apenas de uma única empresa de consultoria, a ERS, que já ajuizou 10 pedidos de recuperação no primeiro quadrimestre de 2009, totalizando uma dívida superior a R$ 1 bilhão.

A crise financeira, aliada à situação de insolvência que atingiu diversas empresas mato-grossenses nos últimos anos, está levando um número cada vez maior de empresários a usufruir dos princípios da nova lei de falências, onde a Recuperação Judicial substitui a antiga “Lei das Concordatas”. No Brasil o primeiro trimestre do ano registrou a adesão de 211 companhias, enquanto que durante todo o exercício de 2008 foram 312 pedidos no País.

O volume devido no Estado contabiliza as dívidas dos frigoríficos Arantes, Quatro Marcos e Independência, que recentemente entraram com pedido de Recuperação. Há ainda outros 34 casos em análise pelo escritório ERS, sendo 28 em Mato Grosso. Até agora, todos os pedidos encaminhados pelo escritório foram acatados pela Justiça.

A lei, em vigor desde fevereiro de 2005, permite a reoxigenação das empresas por meio da renegociação de passivos junto aos credores. Sob um plano de recuperação judicial aceito pelos credores e homologado pela Justiça, as empresas mantêm as atividades mesmo sob dificuldades, evitando a enxurrada de concordatas e falências.

Com a escassez de crédito e a falta de capital de giro, decorrente da retração da demanda, as empresas enfrentam cada vez mais dificuldades para receber de clientes e pagar credores bancários e fornecedores. Para fugir da falência, os empresários recorrem à recuperação judicial. Além dos frigoríficos, o Grupo Naoum, com sede em Goiânia, mas com duas usinas de álcool no Estado – Jaciara e Pantanal – também estão em processo de recuperação.

Para o advogado e especialista Euclides Ribeiro, a tendência é de que em Mato Grosso boa parte das empresas se interesse por utilizar a nova ferramenta. “A lei permite que empresas possam recorrer ao Judiciário e fazer um plano de pagamento para todos os credores. Essa lei veio ao encontro do que os empresários mato-grossenses precisavam, já que na região a taxa de insolvência é considerada alta”.

De acordo com Euclides Ribeiro, a principal vantagem da recuperação judicial é que as empresas conseguem um “período de graça”, com a suspensão de todos pagamentos, execuções, arrestos e seqüestros por 180 dias, preparam um “plano de recuperação” onde apresentam propostas para pagamento a todos os credores, em prazos que vão de cinco a 20 anos.

O pedido de recuperação é feito quando a empresa estiver passando por uma crise financeira, ou seja, o que fatura não cobre o que gasta acrescido dos juros do serviço da dívida.

“A recuperação judicial possibilita às empresas pagar todas as suas dívidas com bancos, factorings e agiotas, dentro da capacidade que a empresa tem de gerar receitas, atendendo assim à função social da empresa e impedindo o fim do negócio”, aponta o especialista.

COMO FAZER - Normalmente, os serviços de consultoria e escritórios especializados nessa área fazem um levantamento da vida da empresa, calculam o passivo e entram com processo de recuperação, que consiste basicamente em elaborar um plano de renegociação com todos os credores – bancos, factorings, fornecedores e trabalhadores.

A recuperação judicial é a última cartada para muitas empresas endividadas. “O interessante é que a nova lei dá o direito da empresa renegociar em condições de igualdade com o sistema financeiro, permitindo o pagamento através de ação de bens, equalização de encargos financeiros, diminuição de juros, anistia e ampliação de prazos para a amortização da dívida”, ressalta Ribeiro.


Utilização desta modalidade aumenta no País

Em 2008, as recuperações judiciais requeridas em todo o país apresentaram alta de 16% na comparação com 2007, aponta o Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações. Foram registrados, no período de janeiro a dezembro do ano passado, 312 pedidos de recuperação judicial, contra 269 requerimentos em igual período de 2007.

As recuperações judiciais deferidas também aumentaram. Houve 222 deferimentos de recuperação judicial em 2008, o que significou alta de 13,8% na relação com 2007, quando foram registrados 195 eventos.

Já as recuperações judiciais concedidas tiveram uma elevação de 146,2% em 2008, quando comparado com 2007. De janeiro a dezembro de 2008, foram registradas 32 concessões, ao passo que no mesmo acumulado de 2007 houve 13 registros.

Em 2008, houve ainda 14 pedidos de recuperação extrajudicial, acima dos nove requerimentos verificados em 2007, com evolução de 55,6%. Foram homologadas seis recuperações extrajudiciais em 2008, enquanto em 2007, houve cinco homologações, o que mostrou um aumento de 20%.

PRIMEIRO TRIMESTRE – O número de empresas que foram à Justiça pedir Recuperação Judicial no primeiro trimestre deste ano mais que triplicou no país em relação a igual período de 2008.

De acordo com levantamento da empresa de informações financeiras Serasa Experian, 211 empresas entraram com pedido de recuperação judicial nos últimos três meses, ante 64 pedidos nos primeiros três meses do ano passado, o que representa um salto de 229%.

Só no mês de março, foram apresentados 76 pedidos de recuperação, quantidade 153% superior à registrada em março do ano passado (30). Os números, no entanto, mostram uma desaceleração no ritmo de crescimento desses pedidos. Em janeiro, a taxa foi de 399,3% e, no mês seguinte, baixou para 221%.

Segundo os técnicos da Serasa Experian, o aumento das recuperações judiciais e das extrajudiciais em 2008 pode ser explicado pela dificuldade na gestão financeira das empresas, sobretudo no último trimestre de 2008, por conta dos juros elevados, decorrentes da Selic mais alta e da menor liquidez do mercado perante a crise global, como também pelo crédito mais caro, escasso e com prazos mais curtos e pela evolução na inadimplência dos consumidores.

Destaca-se que na relação entre dezembro de 2008 e dezembro de 2007, as recuperações aumentaram o que reafirma que a crise financeira mundial prejudicou as finanças das empresas, que ao longo de 2009 passarão por um período de reorganização produtiva, organizacional e financeira. (MM)


Produtores rurais também podem ser beneficiados

O produtor rural também pode ser beneficiado com a lei da recuperação judicial. “A lei prevê que produtor rural pode também ser beneficiado porque é equiparado a empresário”, explica o advogado e especialista em recuperação de empresas, Euclides Ribeiro.

Ele informou que Mato Grosso foi o pioneiro nesse tipo de ação. “Agora em São Paulo e na Bahia outros produtores rurais também têm conseguido a recuperação. Em Mato Grosso, o principal caso em questão é o da Alcopan (usina de álcool), que voltou a operar e os produtores rurais sócios da empresa também”.

Euclides Ribeiro vê interesse cada vez maior por parte de produtores. Em muitos casos, segundo eles, os produtores poderão lançar mão da lei. “Precisamos recuperar a viabilidade do setor rural com urgência. E uma das formas é recorrer à lei de recuperação judicial”, afirma uma fonte da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado (Aprosoja), acrescentando que as dívidas dos produtores mato-grossenses junto a bancos e fornecedores ultrapassam a cifra de R$ 10 bilhões, volume que o segmento define como uma dívida que equivale a uma safra. Para o novo ciclo, o 09/10, Mato Grosso deverá aplicar cerca de R$ 15 bilhões na temporada.

“Se temos uma dívida elevada, é porque algo está errado. Precisamos fazer uma análise sobre a situação do mercado, nossos fornecedores e bancos e ver o que está acontecendo. O que não podemos permitir é que a agricultura entre em situação de insolvência”, acrescenta a fonte.

O advogado Euclides Ribeiro Júnior argumenta que com as vitórias obtidas recentemente no Estado, por meio da lei de recuperação judicial, a aplicação dela se estenderá a outros setores como o agronegócio, “atividade que vem sustentando a economia mato-grossense nas últimas décadas e que é importante para o desenvolvimento do Estado”.

SOBREVIVÊNCIA - Em Mato Grosso, várias empresas que entraram com ações para se beneficiar da lei de recuperação judicial conseguiram elaborar um plano de renegociação que garantiu sua sobrevivência no mercado.

Um dos exemplos é a Construtora Sabóia Campos, que conseguiu renegociar a dívida de R$ 8 milhões por um prazo de até oito anos para pagar. O programa de recuperação deu tão certo que a Sabóia ganhou recentemente licitações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e manteve todos os empregos e vem pagando regularmente seu plano.

A distribuidora de combustíveis Petroluz foi outra empresa que teve seu plano de recuperação judicial homologado pela Justiça e conseguiu reduzir a dívida de R$ 41 milhões para R$ 11 milhões. A empresa renegociou o prazo de pagamento por 180 meses com seus credores, entre ele a Petrobras e o Banco Bradesco.

“São empresas que poderiam ter fechado as portas, saído do mercado e retirado os ativos. Hoje as máquinas estariam apodrecendo em algum barracão, pois a Justiça é morosa. Com a lei, essas empresas continuam em atividade gerando riquezas, empregos e impostos para a sociedade”, lembra Ribeiro.

Na avaliação dele, um dos problemas da antiga mentalidade que deve ser mudado é que o empresário não pode pensar que a empresa é a vida dele. “A empresa é um negócio que, uma vez detectado um problema financeiro, deve ser solucionado através de um procedimento previsto na lei. O caminho que o empresário tem para fazer a empresa dar resultado não é se afundar ainda mais em dívidas, recorrendo aos bancos, factorings e até agiota, mas procurando profissionais que tenham capacidade de solucionar o problema financeiro da empresa”, recomenda.

Ribeiro acredita que, como efeito multiplicador da lei, fatalmente o sistema financeiro poderá adotar juros mais baixos, adequados à realidade do país que precisa do capital para produzir e gerar empregos.

Dentre os motivos que têm levado as empresas a estudar a recuperação judicial e a entrar com pedidos na Justiça, segundo os advogados, está a falta de capital de giro. "Boa parte dessas empresas é sólida e sofre pelo momento e pela escassez de crédito", afirma o consultor. (MM)

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