19 de Maio de 2009 - 16h:53

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ICMS: cobrança na origem ou no destino?

Por: Valor Econômico - Marcos Catão

Entre os diversos assuntos que terão que ser dirimidos obrigatoriamente no texto constitucional, seja no âmbito de uma reforma tributária - inclusive a que ora se encontra no Congresso (PEC nº 233, de 2008) - ou fora dessa, está a questão se o Imposto sbre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) deve ser cobrado na origem ou no destino, ou seja, cobrado e pago ao Estado onde se consome ou onde se produz a mercadoria ou se presta o serviço.

Não há como negar que esse ponto vem a ser um dos mais cruciais no nosso sistema, mormente por uma constatação: o atual regime de distribuição de receitas do ICMS - deficiente já na redação original do artigo 155 da Constituição Federal - transformou-se em uma autêntica colcha de retalhos com o passar dos anos. Afastando-se de qualquer outro regime da tributação sobre o consumo, o que já era híbrido no seu nascituro -parte origem e parte destino entre contribuintes, destino nas vendas para consumidor final e petróleo - foi se tornando cada vez mais complexo. Introduziram-se na legislação complementar e ordinária critérios que distorcem o regime constitucional, desafiam a jurisprudência, como no caso do ICMS sobre a importação, acomodando-se até mesmo, para novas situações, formas mitigadas, como para as hipóteses do gás natural e do GLP.

Como não poderia ser diferente o resultado na prática é desastroso. O atual regime - conjugado com a ausência de uniformidade de alíquotas entre os Estados - é propício a fraudes, desincentiva a exportação, prejudica por vezes Estados produtores e, por vezes, Estados consumidores, e acima de tudo, estimula uma guerra fiscal abusiva.

A questão então reside em saber que tipo de ICMS se quer para o país. O problema então passa a ser de sinceridade política, pois das duas uma: ou passamos para um regime de origem ou para um regime de destino coerente. Essa redefinição bastaria para eliminar, se não totalmente, a grande maioria dos problemas atuais do ICMS, tais como créditos acumulados pela exportação, necessidade de regra de estorno, entre outros.

A questão da sinceridade política é imprescindível para se examinar o problema desde uma ótica nacional. Por evidente que todos sabem quem perde e quem ganha em um primeiro momento entre uma e outra opção. Mas no longo prazo, com um correto regime de repartição, guiado por um racional econômico e de lógica estrutural de um imposto sobre valor agregado e plurifásico, ganhariam o país e os agentes econômicos.

Tome-se, por exemplo, a Europa. Apesar das milhares de críticas que se dirigem ao IVA europeu, muitas das mazelas que ocorrem aqui não se repetem no sistema comunitário. Trata-se de um regime de repartição bem definido, aperfeiçoado em 2006, e essencialmente de pagamento do imposto no destino (operações B2B), à exceção de operações para consumidor final (B2C regime de origem). Por sua uniformidade, permite evitar grande parte dos problemas que podem surgir na adoção de um IVA, como a guerra fiscal, a absorção de créditos em Estados-membros (países) exportadores e dos investimentos em ativo imobilizado.

E nem se diga que na conformação do regime europeu não se enfrentaram resistências. Para tanto, os estados-membros centrais e mais industrializados (França, Alemanha e Inglaterra) anuíram com um sistema que privilegia o sentimento de unidade regional em detrimento de interesses próprios. Dá-se primazia a um regime neutro e que viabiliza o valor máximo a ser protegido: o desenvolvimento e o crescimento do mercado interno (intra-comunitário) com vistas à exportação.

Por certo que no Brasil, as vicissitudes que aqui encontramos deveriam ser consideradas no plano infraconstitucional. Como exemplo, o tratamento da substituição tributária que se impregnou como forma de corrigir a falta de investimento dos estados em suas fiscalizações. Mas também aqui existiriam soluções como a repartição de receitas entre Estados atribuindo-se a um responsável, como a exemplo do que já ocorre, em petróleo e energia elétrica.

O que não se pode conceber é que ante a ausência de um tratamento constitucional adequado à matéria, concebendo ou um regime de origem ou de destino, continue-se a fazer um remendo contínuo do sistema. Não se pode querer resolver na base da legislação infraconstitucional ou da correção jurisprudencial algo cuja matriz constitucional está mal desenhada, é ambígua, e, portanto, permite interpretações e aplicações casuísticas.

Em suma, a mudança do texto constitucional, enquanto solução jurídica para entraves econômicos, não é uma questão de bancadas ou de Estados mais ou menos industrializados. Se, ainda mais em momentos de crise, queremos um mercado forte e competitivo, a mudança constitucional para um consistente regime de origem ou de destino deve ser já.

Marcos André Vinhas Catão é professor de direito tributário da FGV

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