01 de Junho de 2009 - 18h:41

Tamanho do texto A - A+

Nova lei fez cair em 63% os pedidos de falência

Por: Consultor Jurídico - Rodrigo Haidar

A Lei de Recuperação Judicial decolou. A decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar constitucionais os dispositivos mais polêmicos da chamada nova Lei de Falências (Lei 11.101/05) trará mais segurança à regra que, segundo especialistas, mudou o ambiente empresarial nos últimos anos.

Segundo dados do Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (INRE), nos três primeiros anos de vigência da nova lei, de junho de 2005 a junho de 2008, o volume de pedidos de falência no país caiu 63%. De acordo com o juiz estadual Carlos Henrique Abrão, diretor do INRE, a efetividade da lei pode ser medida pelos casos de recuperação que já deram certo.

O juiz conta pelo menos cinco casos de empresas em recuperação que saíram da tutela judicial em menos de três anos porque as dívidas foram quitadas e os credores estavam recebendo em dia. “Sob a antiga lei, as empresas certamente teriam quebrado”, diz. Abrão fala do tema com o conhecimento de quem comandou o processo que evitou a quebra da Parmalat no Brasil. Bem antes de a nova lei entrar em vigor, o juiz já aplicava na 42ª Vara Cível de São Paulo os princípios que na última semana foram legitimados pelo Supremo.

“Em tempos de crise, a decisão do Supremo, que manteve intacto o instrumento de preservação da empresa e manutenção da cadeia produtiva, se reveste de maior importância”, comemora o juiz. De acordo com Abrão, dados ainda inéditos colhidos pelo instituto que ele dirige devem revelar um aumento de mais de 200% nos pedidos de recuperação judicial, quando comparados os números do primeiro quadrimestre de 2008 com o mesmo período de 2009.

Os dois processos julgados pelo STF (ADI 3.934 e RE 583.995) tiveram origem na discussão sobre a bancarrota da Varig. Um se reportava especificamente à discussão sobre a sucessão da empresa e o outro contestava regras que interferem diretamente no processo de sucessão, não só da companhia aérea, mas de outras centenas de empreendimentos que estão sob tutela judicial.

O advogado Cristiano Zanin Martins, do escritório Teixeira, Martins e Advogados, que atuou na sucessão da Varig desde o início do processo e no caso julgado pelo Supremo representou duas de suas sucessoras, a VarigLog e a Volo do Brasil, lembra do papel fundamental do juiz Luiz Roberto Ayoub, da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, para a sedimentação da lei.

“As primeiras decisões judiciais no processo da Varig foram fundamentais para a manutenção das atividades da empresa”, afirma. O juiz Ayoub está para o caso Varig como seu colega Abrão está para o caso Parmalat. Martins afirma que, depois, a nova lei ganhou ainda força graças a decisões do Superior Tribunal de Justiça.

A decisão tomada pelo Supremo na quinta-feira (28/5) confirmou o entendimento firmado pelo STJ no caso Varig, cujo relator foi o ministro Ari Pargendler. O ministro definiu que a Justiça do Trabalho não pode determinar a execução de créditos trabalhistas que possam prejudicar o plano de recuperação e cunhou a expressão do juízo universal da recuperação.

A 2ª Seção do STJ acolheu à unanimidade o voto de Pargendler e, em decisões posteriores, reforçou a legitimidade da lei. Exemplo é um recente julgamento, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, no qual decidiu-se que o juiz trabalhista não pode determinar a desconsideração da personalidade jurídica para bloquear os bens dos sócios e da empresa e que o prazo de 180 dias para que as execuções contra a empresa fiquem suspensas pode ser prorrogado.

O argumento do ministro, na ocasião, foi o de que, no conflito entre a tentativa de recuperar a empresa e o pagamento dos créditos trabalhistas, deve prevalecer a primeira opção: “Permitir que cada um defenda o seu crédito implica em colocar abaixo o princípio nuclear da recuperação, que é o do soerguimento da empresa”.

Trabalho e Justiça
Nas decisões tomadas nas últimas quarta e quinta-feira, o Supremo definiu três questões: o pagamento preferencial dos créditos trabalhistas pode ser limitado em 150 salários mínimos; a empresa que adquire ativos ou a unidade produtiva da empresa em recuperação não herda suas dívidas trabalhistas; e a Justiça do Trabalho pode aferir o montante da dívida oriunda da relação de emprego, mas não pode determinar sua execução. Isso é função do juízo comum, que está no comando do plano de recuperação.

Para o advogado Cristiano Martins, as decisões revelaram que a Justiça compreendeu o espírito da nova lei. “No caso da aquisição de parte da empresa em recuperação, não faz sentido que ela herde as dívidas trabalhistas. Até porque os recursos obtidos com a venda de ativos, da marca ou de parte da empresa vão integrar o plano de recuperação, que serve exatamente para manter a empresa em funcionamento e saldar essas dívidas”, afirma.

No julgamento, o vice-presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, abordou a mesma questão. Para o ministro, o sistema de recuperação se tornaria inútil se a empresa que adquirisse ativos fosse considerada sucessora trabalhista da empresa em recuperação. O relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, lembrou que, em alguns casos, os próprios empregados da empresa em dificuldades financeiras assumem sua direção. “Não faria sentido que os próprios empregados herdassem seu passivo trabalhista.”

Sobre a limitação do pagamento preferencial de créditos trabalhistas, Lewandowski ressaltou que ele até protege o trabalhador ao dificultar fraudes. “Evita que dirigentes da empresa ou pessoas a mando de maus empresários entrem com reclamação para garantir créditos milionários que, na verdade, não existem, e acabam com a possibilidade de recuperar a empresa ou saldar dívidas”.

O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciano Athayde Chaves, lembra que a associação defende a atuação dos juízes trabalhistas, inclusive para enfrentar o tema da sucessão das dívidas. “No entanto, cabe ao STF dar a última palavra na interpretação das leis no Brasil, restando à sociedade acompanhar a eficácia desses mecanismos para, se for o caso, buscar as alterações na legislação que foram necessárias.”

No que depender dos números e dos casos de sucesso já contados em apenas quatro anos de vigência da Lei 11.101/05, mudanças não deveriam chegar tão cedo. O fato é que o fim das dúvidas em torno da legitimidade da Lei de Falências deve fomentar ainda mais seu uso.

VOLTAR IMPRIMIR