26 de Outubro de 2009 - 09h:53

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Leite derramado pela Justiça

Nunca os juízes bloquearam tantos recursos diretamente nas contas bancárias das empresas privadas. E um dos alvos preferenciais tem sido o setor de laticínios

Por: Hugo Cilo

Há dois fenômenos novos no Judiciário brasileiro. O primeiro: nunca os juízes tiveram tanto poder como agora. Prova disso é o crescimento do bloqueio online de contas de empresas e pessoas físicas em razão de demandas nos tribunais - o valor, que foi de apenas R$ 196 milhões em 2005, alcançou R$ 17,7 bilhões em 2008. O segundo: nunca tantos juízes foram investigados por causa de supostos abusos cometidos. As 113 sindicâncias abertas no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2009 já representam um crescimento de 653% em relação a 2008. Um exemplo concreto dessas duas tendências ocorreu no mercado de laticínios brasileiro. Juízes do Amazonas bloquearam mais de R$ 40 milhões de empresas como Parmalat e Danone e agora são alvos de representações no CNJ.

A história está ligada ao passado da Parmalat. Enquanto esteve sob controle italiano, a empresa foi gerida no Brasil pelo executivo Gianni Grisendi, que chegou a ser investigado na Itália em virtude dos escândalos contábeis da empresa. Grisendi constituiu duas outras firmas, a Carital e a Zircônia, que tinham vínculos com a velha Parmalat. Em 2007, no entanto, ela passou a ser gerida pelo grupo Laep. Além disso, estava em recuperação judicial e a lei, em tese, deveria cortar os vínculos dos novos controladores com o passado. Foi nessa zona cinzenta que várias empresas começaram a ingressar com ações judiciais contra a Carital e a Zircônia. As duas, que são representadas pelo advogado Sérgio Alembert, o mesmo que defende o traficante colombiano Juan Carlos Abadia, que foi preso, não apresentaram nenhuma defesa. Apenas informaram aos juízes que não têm mais personalidade jurídica e que foram sucedidas pela companhia de laticínios - a nova Parmalat, que está em recuperação judicial, e não a velha, italiana. O resultado? Os juízes começaram a bloquear recursos diretamente nas contas da empresa.

Numa das decisões, assinada em 14 de abril de 2009, a juíza Simone Laurent de Figueiredo, da 17a Vara Cível e de Acidentes do Trabalho do Amazonas, determinou o bloqueio de R$ 9,9 milhões nas contas da Parmalat e da Danone, como se as duas pertencessem ao mesmo grupo empresarial e fossem sucessoras da Carital e da Zircônia. "Estávamos sendo condenados a pagar dívidas pelas quais não temos nenhuma responsabilidade", protesta Rodrigo Ferraz, diretor-jurídico da Parmalat. A Danone, que caiu na rede da Justiça amazonense apenas porque vendeu a marca Poços de Caldas para a Parmalat, numa transação comercial corriqueira, preferiu não comentar o caso. E a juíza Simone de Laurent também não retornou as ligações.

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