01 de Dezembro de 2009 - 10h:28

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Integração vertical está de volta graças à crise mundial

Por: The Wall Street Journal

Larry Ellison é conhecido por estar sempre com a cabeça no futuro. Mas com seu novo modelo de negócios, o bilionário diretor-presidente da fabricante de software Oracle Corp. está se baseando na experiência do passado.

Ellison pretende comprar a Sun Microsystems Inc. e transformar a Oracle em uma fabricante de software, computadores e componentes para computadores — uma empresa mais parecida com os conglomerados americanos dos anos 60 do que com a indústria tecnológica dos últimos anos, tão fragmentada.

"É a volta para o futuro", disse Ellison a analistas financeiros em outubro.

Ellison é um dos executivos que estão revivendo a "integração vertical", estratégia centenária em que uma empresa controla os materiais, a fabricação e a distribuição. Outras que vêm tomando esse rumo ultimamente são a ArcelorMittal, a PepsiCo Inc., a General Motors Co. e a Boeing Co.

Os motivos variam. A Arcelor, maior siderúrgica mundial, deseja ter mais controle sobre suas matérias-primas. A Pepsi quer mais autoridade sobre a distribuição. GM e Boeing estão mudando por necessidade, para garantir a quantidade e a qualidade de peças de importância vital, fabricadas por fornecedores que enfrentam dificuldades. Algumas estão recomprando negócios que venderam recentemente.

"O pêndulo passou da desintegração para a integração", diz Hal Sirkin, chefe da divisão de operações globais do Boston Consulting Group. Ele atribui essa mudança à busca de novas fontes de renda, à volatilidade no preço das commodities e às pressões financeiras sobre os fornecedores — desafios exacerbados pela recessão.

Há apenas dois anos, por exemplo, Ellison disse que a o Oracle iria continuar concentrada no seu foco tradicional, o software. Hardware para computadores não é "um negócio em que temos qualquer ambição", disse ele na época. Em um pronunciamento em setembro, Ellison qualificou essa opinião como fundamentalmente errada. Ellison não quis comentar para esta reportagem.

Essa passagem para a integração vertical é uma mudança em relação à tendência do último meio século, quando as empresas buscaram se especializar cada vez mais, terceirizando funções como fabricação e aquisição de matérias-primas. Nos anos 80 as siderúrgicas venderam suas operações de mineração; nos anos 90, as montadoras gigantes descartaram suas unidades fornecedoras de peças. As empresas de tecnologia pararam de fabricar todas as peças de um sistema computacional e se especializaram em chips, armazenamento de dados ou software.

O princípio básico era que a especialização aumentaria a eficiência e a qualidade. Hoje, um sistema de informática típico de uma empresa pode ter sido montado pela Accenture Plc., com sistemas de armazenamento de dados da EMC Corp. e computadores da Hewlett-Packard Co. que usam chips da Intel Corp. para rodar softwares da Oracle. Agora a Oracle está tentando combinar todas essas funções.

Outros estão atrás de estratégias semelhantes. A Pepsi espera recomprar engarrafadoras que vendeu em 1999. Naquela época os executivos da empresa queriam se concentrar em marketing e deixar a maior parte das decisões operacionais para as engarrafadoras. Agora que os consumidores estão preferindo refrigerantes não carbonados, a Pepsi quer ganhar mais controle sobre a distribuição do seu crescente leque de ofertas, diz a porta-voz Jenny Schiavone.

Esses passos não anunciam, necessariamente, uma volta ao início do século XX, com os conglomerados verticais como os de Andrew Carnegie ou Henry Ford. Na época, a siderúrgica Carnegie Steel Co. e a Ford Motor Co. possuíam minas de minério de ferro e controlavam tudo, da fabricação às vendas.

"A visão histórica da integração vertical era que você tinha controle total da cadeia de suprimentos e era capaz de administrá-la da melhor maneira", diz Mark Gottfredson, consultor da Bain & Co.

Hoje a abordagem é mais nuançada. As empresas estão comprando elementos fundamentais de suas cadeias de suprimentos, mas a maioria não deseja assumir o controle total do processo, do início ao fim.

Algumas iniciativas podem encontrar resistência das autoridades reguladoras. A Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos, por exemplo, está examinando o plano da Pepsi de comprar suas duas maiores engarrafadoras. No Departamento de Justiça, o equivalente americano ao Ministério da Justiça, a chefe das operações antitruste, Christine Varney, já sinalizou que há interesse em realizar um exame detalhado desses acordos verticais.

Nas últimas décadas os reguladores permitiram a maioria das fusões verticais, presumindo que estas tornam as firmas mais eficientes, reduzem os custos e beneficiam os consumidores, diz M.J. Moltenbrey, advogado da firma de advocacia Howrey LLP em Washington. Em vez disso, os reguladores têm se concentrado em evitar que uma única empresa domine um determinado mercado.

A União Europeia já tomou providências para impedir a aquisição da Sun pela Oracle devido a esses motivos, temendo que a Oracle acabaria detendo um controle excessivo de um nicho de software.

(Uma porta-voz da Oracle disse que a empresa não vê tal conflito e está segura de que receberá autorização para o negócio.) A UE, porém, não expressou preocupações quanto à entrada da Oracle no mercado de hardware.

Enquanto muitas empresas, como a Coca-Cola Co. e a Toyota Motor Corp., resistem à tendência de controlar seus sistemas de distribuição e suprimentos, outras estão descobrindo que não têm muita opção senão fazer a integração vertical. Nos últimos dois anos a Boeing comprou uma fábrica e uma participação de 50% em uma joint venture que fabrica peças para o seu jato 787 Dreamliner, que ela tem tido dificuldades para levar a cabo.

Essas iniciativas reverteram, em parte, a estratégia agressiva de terceirização da Boeing, que estava montando o Dreamliner com peças fabricadas por centenas de fornecedores. Os problemas de suprimento e montagem já atrasaram o lançamento do Dreamliner em mais de dois anos. O diretor-presidente da Boeing, Jim McNerney, diz que a empresa continua comprometida com a terceirização.

Da mesma forma, em outubro a GM comprou quatro fábricas e assumiu participação minoritária na Delphi Automotive LLP, sua maior fornecedora de peças, quando esta saiu da recuperação judicial. A GM, que desmembrou a Delphi em 1999, quis, com a aquisição da fatia, garantir o fornecimento ininterrupto, segundo uma porta-voz da empresa.

A Johnson Controls Inc., outra grande fabricante de peças, comprou no ano passado 70% da divisão de produtos para o interior dos veículos da fornecedora Plastech Engineered Products Inc., que estava em recuperação judicial, para garantir o fornecimento.

Várias siderúrgicas também estão adotando essa mudança, penetrando mais fundo nos negócios de matérias-primas, abandonados por siderúrgicas mais antigas. Nos últimos anos a Arcelor adquiriu minas no Brasil, Rússia e Estados Unidos e expandiu suas operações de mineração já existentes.

O estrategista-chefe Bill Scotting diz que a empresa de Luxemburgo está tentando se proteger contra as flutuações de preços do minério de ferro e do carvão, em vista do aumento do consumo chinês de aço e da consolidação das mineradoras.

"Se você compra tudo de um certo mercado, você depende da cadeia de suprimentos desse mercado", diz Scotting.

A Nucor Corp., que fabrica aço a partir de metal reciclado, comprou no ano passado uma grande processadora de sucata.

A Nucor tomou essa iniciativa quando o preço do ferro-velho subiu muito. Desde então o preço caiu, mas o diretor-presidente Dan DiMicco diz que possuir uma fornecedora ajudará a Nucor a administrar seus estoques com mais eficiência e acabará por gerar uma economia anual de mais de US$ 100 milhões para a empresa.

"A informação sobre os mercados é extremamente valiosa no setor de sucata", disse ele. Ao controlar os suprimentos, "você tem mais controle sobre o seu próprio destino."

Talvez a virada mais acentuada esteja ocorrendo na indústria de tecnologia, onde a especialização e a terceirização dominaram durante décadas.

Na Oracle, a mudança realizada por Ellison é das mais radicais do setor. Durante 32 anos Ellison foi um grande defensor — e beneficiário — da especialização, no que chamava de "indústria horizontal da computação". O forte da Oracle era o software empresarial, programas que ajudam as empresas a gerir suas operações com mais eficiência.

Esse modelo gerou grandes lucros para a Oracle, evitando o custo de fabricar computadores.

Com o acordo feito com a Sun, Ellison descartou essa estratégia. Agora ele quer vender "sistemas completos", compostos por chips, computadores, servidores para armazenamento de dados e software da Oracle. Ellison está apostando que essa combinação vai atrair os clientes empresariais já cansados de montar sua infra-estrutura de informática com componentes vindos de diversos fornecedores.

"Antes nós não estávamos no negócio de hardware, mas agora estamos mergulhando com os dois pés", disse Ellison no evento de outubro.

Notando que a Oracle está indo contra uma tendência que já tem décadas no setor, Ellison disse: "Ou somos realmente brilhantes, ou então somos idiotas."

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