08 de Julho de 2010 - 12h:22

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O modelo de execução fiscal português

Por: Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy - Conjur

A utilização de órgãos de fiscalização, bem como de tribunais tributários, caracteriza o modelo de execução fiscal português como prioritariamente administrativo. Denominada de cobrança coerciva a execução fiscal portuguesa tem previsão para apreensão de bens, mediante arresto. O regime de penhora é amplo, possibilitando-se a constrição de veículos, dinheiro, créditos, quotas de sociedade, títulos de crédito, rendimentos periódicos, e até abonos e vencimentos de funcionários públicos. A penhora de imóveis segue algumas formalidades.

Há previsão de embargos de terceiro, bem como de convocação dos credores e da verificação dos créditos. A venda dos bens penhorados é antecedida por ampla publicidade da hasta. A extinção da execução também é marcada por conjunto pormenorizado de formalidades, a exemplo do regime de cancelamento de registros. Em Portugal define-se que a execução fiscal presta-se para a cobrança forçada de tributos, impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais, taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais.

É instrumento que dota o credor de muitas prerrogativas, cujo pano de fundo radica em tradição do direito público peninsular, que qualifica o interesse público em face do interesse privado. Em Portugal, como regra, o órgão competente para processar a execução fiscal é o “(...) serviço periférico local da administração tributária onde deva legalmente correr a execução ou, quando esta deva correr nos tribunais comuns, o tribunal competente” (art. 149º, Código Português de Procedimento Tributário, doravante CPPT).

A referência ao tribunal alcança o tribunal administrativo, que exerce competência em matéria fiscal. O espaço no qual se discute a cobrança dos créditos tributários, em Portugal, é eminentemente administrativo.

Quanto à competência territorial fixou-se que “é competente para a execução fiscal o órgão da execução fiscal do domicílio ou sede do devedor, da situação dos bens ou da liquidação, salvo tratando-se de coima fiscal e respectivas custas, caso em que será competente o órgão da execução fiscal da área onde tiver corrido o processo da sua aplicação” (art. 150º, CPPT). A extensão do território português, bem como a estrutura administrativa, fortemente centralizada, facilitam concepção simplista de competência territorial, em âmbito de legislação de execução fiscal.

É o órgão administrativo da execução fiscal que detém legitimidade para conduzir o processo, como exequente. A legitimidade passiva é fixada nos “(...) devedores originários e seus sucessores dos tributos (...) bem como os garantes que se tenham obrigado como principais pagadores, até ao limite da garantia prestada” (art. 153º-1, CPPT).

O redirecionamento do feito, ou o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários decorre de que se verifique e demonstre a inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores (art. 153º-2, a, CPPT), bem como a “fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do patrimônio do devedor para a satisfação da dívida exeqüenda e acrescido” (art. 153º-2, b, CPPT).

De tal modo, imperiosa a diligência em torno da capacidade econômica do devedor, orientando-se a partir do patrimônio do executado o desdobramento da execução.

Prevê-se também o regime que aplicável ao devedor falido. É que a massa alcança maior interesse por parte do fisco, no sentido de se reabilitá-la também, a exemplo do que tem ocorrido em outras legislações pertinentes; a lei de recuperação de empresas do modelo brasileiro, e sua internalização no código tributário nacional, ilustram a assertiva.

A presença do fisco acompanha toda a vida negocial do contribuinte, formulando direitos de seqüelas que se revelam recorrentemente. No modelo português tem-se previsão de reversão contra terceiros adquirentes de bens.

A reversão contra o responsável subsidiário também é prevista, no caso de substituição tributária ou de insuficiência de bens do devedor. O modelo português precavê-se contra o servidor desidioso, desatento, que não diligenciou adequadamente em favor do fisco que representa.

A previsão normativa que trata do assunto vincula o servidor faltoso ao tributo cobrado, formulando-se quadro de responsabilidade mais direta, aproximando cobrador e cobrança. A execução fiscal administrativa é instruída por título executivo. Tem-se título de origem administrativa, extrajudicial, a usarmos terminologia que nosso direito processual consagrou.

Não há o rigor e a unificação do título exequendo em torno de uma certidão de dívida ativa, documento único, em sentido estrito. E também não há previsão de presunções que informariam o documento.

O controle dos passos do procedimento é intenso. Identificam-se nulidades insanáveis, a exemplo da falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado, bem como da falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental.

Prevê-se que a execução fiscal possa ser suspensa devido ao protocolo de impugnação judicial ou recurso que pretendam fulminar a legalidade da dívida exequenda, desde que precedidos de garantia, como a hipoteca, o penhor ou a penhora.

O processo de execução fiscal extingue-se por pagamento da quantia exequenda e do acrescido, em decorrência anulação da dívida ou do processo, bem como por qualquer outra forma prevista na lei. Especialmente no que se refere ao pagamento tem-se o desate normal e esperado de uma execução fiscal.

Quem ordena a citação do executado é o órgão da execução fiscal. A citação tem função também de comunicar ao devedor os prazos para oposição à execução e para requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento.

Faculta-se ao executado, até ao termo do prazo de oposição à execução, o poder de requerer o pagamento em prestações, isto é, possibilita-se o parcelamento do débito. De igual modo, pode o devedor requerer a dação em pagamento, livrando-se da cobrança, isto é, se atender e observar todos os passos formais que informam a dação em pagamento.

O parcelamento (pagamento em prestações) depende de prévio requerimento ao órgão da execução fiscal; há prazo, que é o mesmo que o devedor tem para contestar a cobrança (oposição).

A competência para autorização de pagamento em prestações é do órgão da execução fiscal. Quanto ao pedido, “(...) o executado indicará a forma como se propõe efetuar o pagamento e os fundamentos da proposta” (art. 198º-1, CPPT).

O requerimento de parcelamento deve ser acompanhado por indicação de garantia idônea, “(...) a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exeqüente” (art. 199º-1, CPPT). O parcelamento, assim, depende de garantia.

Consignou-se ainda que “a garantia poderá ser reduzida, oficiosamente ou a requerimento dos contribuintes, à medida que os pagamentos forem efetuados e se tornar manifesta a desproporção entre o montante daquela e a dívida restante” (art. 199º-10, CPPT).

A previsão legal também tem efeitos contábeis, na medida em que o abatimento do débito deixa de exigir a garantia originária. A legislação prevê também que o não adimplemento do parcelamento provoca o vencimento imediato de todas as prestações ainda não recolhidas, de modo que o processo de execução administrativa é retomado. Não há menção expressa de que o pedido de parcelamento do débito qualifica confissão irretratável de dívida.

A dação em pagamento, que pode ser oferecida pelo próprio devedor ou por terceiros, depende do cumprimento de série de requisitos; especialmente, deve se encaminhar a “descrição pormenorizada dos bens dados em pagamento” (art. 201º-1, a, CPPT), bem como deve se observar que “os bens dados em pagamento não terem valor superior à dívida exeqüenda e acrescido, salvo os casos de se demonstrar a possibilidade de imediata utilização dos referidos bens para fins de interesse público ou social, ou de a dação se efetuar no âmbito do processo conducente à celebração de acordo de recuperação de créditos do Estado” (art. 201º-1, b, CPPT). A modalidade de extinção do débito, por meio de dação em pagamento, é de muita complexidade, qualifica ato administrativo extremamente controlado.

A lei portuguesa de execução fiscal administrativa prevê possibilidade do executado contestar a cobrança, os chamados embargos à execução no modelo brasileiro (embora judicial). Em Portugal, o passo é denominado de oposição. O executado tem 30 dias para protocolá-la, contando-se o prazo da citação pessoal, ou não a tendo havido, da primeira penhora, ou ainda, na linguagem aparentemente esfíngica do texto, “da data em que tiver ocorrido o fato superveniente ou do seu conhecimento pelo executado” (art. 203º-1, b, CPPT).

A petição de oposição deve seguir instruída com documentos que comprovem as alegações, rol de testemunhas, requerimento de demais provas, bem como declaração de que o executado pretende produzir prova no órgão administrativo ou no tribunal tributário. O silêncio na indicação faz presunção de que a prova deverá ser produzida no tribunal. O formalismo é rígido e deve ser observado.

A referida petição de oposição deve ser apresentada pelo interessado no órgão de execução fiscal onde correr a execução. Se manifesta a improcedência da oposição, ou se encaminhada a destempo, tem-se rejeição liminar da oposição. Julga-se o mérito, no caso da improcedência manifesta, ou formalidade intrínseca, no que se refere à contagem do prazo.

O representante da Fazenda Pública é notificado da oposição; tem prazo de 10 dias para contestar, prorrogado para 30 dias, na hipótese de que precise de obter informações ou aguardar resposta a consulta feita a instância superior, nas palavras da lei aqui examinada. Ao falar sobre a oposição, impugnando-a, defenderia os atos pretéritos da Administração, à qual pertence.

O modelo de apreensão de bens, ao longo da execução fiscal administrativa portuguesa, indica o arresto e a penhora. O arresto decorre de “(...) justo receio de insolvência ou de ocultação ou alienação de bens” (art. 214º-1, CPPT)”. Na hipótese, “(...) pode o representante da Fazenda Pública junto do competente tribunal tributário requerer arresto em bens suficientes para garantir a dívida exeqüenda e o acrescido (...)” (art. 214º-1, CPPT).

Em desfavor do executado, a lei determina presunção de justo receio de insolvência ou de ocultação de bens, “(...) no caso de dívidas por impostos que o executado tenha retido ou repercutido a terceiros e não entregue nos prazos legais” (art. 214º-2, CPPT).

Determina-se também que o arresto realizado antes do início do processo de execução converta-se imediatamente em penhora, na inexistência do pagamento do crédito cobrado pelo fisco. São medidas duras, que perseguem o patrimônio do devedor.

E também em desfavor do executado, dispõe-se que “findo o prazo posterior à citação sem ter sido efetuado o pagamento, o funcionário, independentemente de despacho, passará mandado para penhora, que será cumprido no prazo de 15 dias se outro não for designado pelo órgão da execução fiscal ao assinar o mandado” (art. 215º-1, CPPT).

Quanto à extensão da penhora, em geral, determina-se que esta seja “(...) feita somente nos bens suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, mas, quando o produto dos bens penhorados for insuficiente para o pagamento da execução, esta prosseguirá em outros bens” (art. 217º. CPPT).

Há previsão de ordem na penhora, no sentido de que esta deva começar pelos bens móveis, frutos ou rendimentos dos imóveis, ainda que estes sejam impenhoráveis, e, na sua falta, tratando-se de dívida com privilégio, pelos bens a que este respeitar.

Ao contrário do que se vislumbra no direito brasileiro, e no conceito de verba alimentar, em Portugal é autorizada a penhora de vencimentos de funcionários públicos ou de empregados da iniciativa privada, nos termos que reproduzo:

“Art. 227º.

Se a penhora tiver de recair em quaisquer abonos ou vencimentos de funcionários públicos ou empregados de pessoa coletiva de direito público ou em salário de empregados de empresas privadas ou de pessoas particulares, obedecerá às seguintes regras:

a) Liquidada a dívida exeqüenda e o acrescido, solicitar-se-ão os descontos à entidade encarregada de processar as folhas, por carta registrada com aviso de recepção, ainda que aquela tenha a sede fora da área do órgão da execução fiscal, sendo os juros de mora contados até à data da liquidação;

b) Os descontos, à medida que forem feitos, serão depositados em operações de tesouraria, à ordem do órgão da execução fiscal;

c) A entidade que efetuar o depósito enviará um duplicado da respectiva guia para ser junto ao processo.

O modelo prevê também a possibilidade da penhora de rendimentos periódicos, entendidos como rendas, juros ou ainda outras prestações periódicas, mediante algumas formalidades, a exemplo da notificação do devedor dos rendimentos, de que não ficará desonerado da obrigação se pagar ao executado.

A extinção da execução pode ser feita por meio de pagamento coercivo ou voluntário. No primeiro caso, tem-se como hipótese de extinção do feito administrativo “o levantamento da quantia necessária para o pagamento da dívida exeqüenda e do acrescido será feito por via de mandado passado a favor do órgão da execução fiscal” (art. 259º-1, CPPT).

Como consequência, cancelam-se os registros pertinentes. De igual modo, “se, em virtude da penhora ou da venda, forem arrecadadas importâncias suficientes para solver a execução, e não houver lugar a verificação e graduação de créditos, será aquela declarada extinta depois de feitos os pagamentos” (art.261º-1, CPPT). A insuficiência dos valores colhidos indica pagamento parcial.

Por fim, após dispor sobre a confecção de guias para pagamento compulsório, sobre as formalidades do pagamento voluntário, sobre o pagamento vinculado a deprecata, sobre o pagamento feito no órgão da execução fiscal deprecante, sobre o pagamento feito no órgão da execução fiscal deprecada, sobre a extinção da execução pelo pagamento voluntário, sobre a extinção da execução em função da anulação da dívida, o CPPT prevê hipóteses de reclamações e recursos referentes às decisões do órgão de execução fiscal, dispondo-se que “as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da Administração tributária que no processo afetem os direitos e interesses legítimos do executado são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.a instância” (art. 276º, CPPT).

No caso, “a reclamação será apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão e indicará expressamente os fundamentos e conclusões” (art. 227º-1, CPPT). E ainda, “a reclamação é apresentada no órgão da execução fiscal que, no prazo de 10 dias, poderá ou não revogar o ato reclamado” (art. 227º-2, CPPT).

A matéria segue para o tribunal tributário que “só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final” (art. 278º-1, CPPT). Notifica-se então “(...) o representante da Fazenda Pública para responder, no prazo de 8 dias, ouvido o representante do Ministério Público, que se pronunciará no mesmo prazo” (art. 278º, 2, CPPT).

São estas, em linhas gerais, as características que marcam o modelo de execução fiscal que presentemente se conhece em Portugal.

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