15 de Setembro de 2010 - 16h:54

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Direito concursal está atrelado à satisfação do todo

Por: Assione Santos e Marcus Vinícius Machado - Conjur

Inúmeras são as decisões que determinam o prosseguimento de execuções movidas contra os sócios avalistas de operações financeiras de sociedades empresárias em Recuperação Judicial. Como se não bastasse, desafia-se o leitor a encontrar uma sociedade empresária que logre junto as Instituições Financeiras taxas de financiamento reduzidas sem ofertar a garantia fidejussória de seu sócio. De posse destas considerações, de início o bom observador concluiria que neste cenário o empresário dificilmente procuraria o instituto da Recuperação Judicial, na medida em que ao defender o patrimônio da sociedade da qual é membro estaria por clamar aos credores para que investissem contra seu patrimônio pessoal.

Consequentemente, o empresário tardaria ou evitaria o instituto da Recuperação Judicial, tornando letra morta a tão festejada Lei Ordinária 11.101/2005, a Nova Lei de Falências e Recuperações Judiciais. Mais ainda se considerarmos a obrigação prevista no artigo 51, inciso VI, da NLF, que obriga aos sócios que ao postular a Recuperação Judicial apresentem a relação dos bens que compõem seu patrimônio pessoal.

No entanto nem tudo está perdido.

E é precisamente por isso que se noticia que em virtude de precedente lançado de forma corajosa pelo Superior Tribunal de Justiça em meados de 2009[1], a temática tende a exigir uma postura diferenciada dos nossos Tribunais. Isto porque ao concluir a aprovação do plano “ocasiona a conseqüente novação de seus débitos anteriores, inexistindo razão para que o processo executivo continue, mesmo em relação àquele que avalizou o título exeqüendo”, o eminente Ministro Aldir Passarinho Junior conferiu a precisa interpretação esperada pelo legislador ordinário, que passa a sensibilizar a prudência de nossos magistrados.

Com efeito, a questão toda gira em torno da interpretação dada ao disposto no artigo 59 da Nova Lei de Falências, segundo o qual:

“Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no parágrafo 1 º do artigo 50 desta Lei.”

O leitor mais atento concluiria que se o indigitado artigo prevê que “a aprovação do plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido” e que se de acordo com o disposto no artigo 365 do Código Civil “operada a novação entre o credor e um dos devedores solidários, somente sobre os bens do que contrair a nova obrigação subsistem as preferências e garantias do crédito novado”, a matéria deveria ter tratamento pacífico. Mas nem a perspicácia do leitor permitiria prever que o pequeno excerto “sem prejuízo das garantias”, constante no final da redação do artigo 59 seria utilizado por alguns credores para deturpar o instituto da novação na Recuperação Judicial. Referidos credores, mais audazes do que se possa prever, valem-se daquele pequeno excerto para sustentar a existência de uma “novação capenga”, que atingiria parcialmente a obrigação, o que por óbvio não se sustenta.

E não se sustenta porque a correta interpretação, já preconizada na doutrina e gradativamente adotada pela jurisprudência é representada pela idéia de que com a aprovação do plano de recuperação judicial opera-se a novação com condição resolutiva pela decretação de falência, sendo que somente com eventual quebra da empresa a novação perderia efeito e as garantias tornariam a ter eficácia; no entanto, perdurando a recuperação judicial e caso seja bem sucedida, a novação opera-se plenamente e de forma a abranger os acessórios da obrigação principal.

Trata-se da melhor forma de conciliar o disposto nos artigos 6º, 47 e 59 da Nova Lei de Falências ao regramento da novação previsto no Código Civil, evitando-se, ainda, a afronta aos princípios da preservação da empresa e da participação ativa dos credores.

Mesmo porque se a aprovação do Plano de Recuperação Judicial não se utiliza de coação nem de instrumentos para direcionar a deliberação dos credores, não se pode admitir que a perspicácia de poucos credores que se valem de instrumentos questionáveis prevaleça sobre a coletividade. Quando mais se considerarmos que o raciocínio em direito concursal deve estar atrelado à satisfação do todo.

É certo que a matéria ainda renderá profícuas discussões, no entanto as recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de São Paulo sinalizam bom tempo para os futuros capitães de Recuperações Judiciais neste longo e tormentoso caminho que é o processo judicial.


[1] AI nº 1.077.960-SP; Relator: Min. Aldir Passarinho Junior; decisão monocrática; julgado em 30/06/2009

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