17 de Novembro de 2010 - 13h:11

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Marcas emergentes se posicionam como Davi enfrentando Golias

James Bell mostra que os países em ascensão não conseguiam estabelecer marcas fortes no mercado mundial

Por: HSM Management, do Mundo do Marketing

Que companhias serão as IBMs e Coca-Colas de amanhã? Não se sabe ao certo. Mas há consenso de que é na Bricolândia – que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e outros países emergentes – que as poderosas marcas do século 21 serão encontradas. Proponho, portanto, uma leitura cuidadosa entre as linhas de muitas tendências societárias, financeiras e econômicas concomitantes.

Três grupos dominantes
As marcas das economias BRIC estão bem na fita, mas vale notar que nomes de outros países emergentes também se destacam. Qualquer pesquisa com marcas da Bricolândia mostra que faz sentido separá-las entre os três grupos a seguir, que se preparam para alcançar relevância na próxima década:

1. Gigantes emergentes. Marcas industriais e de conglomerados que estão crescendo bastante por meio de aquisições para se tornarem os principais players mundiais.

2. Novos campeões. Marcas com escala doméstica que se aventuram além de suas fronteiras, aproveitando vantagens de custo e escala para oferecerem valor convincente.

3. “Cavaleiros árabes”. Marcas relativamente novas que têm visão externa fortalecida pela riqueza dos árabes e se caracterizam pela magnitude e velocidade de crescimento.

Gigantes emergentes
A sabedoria comum diz que construir uma marca de sucesso leva anos e que, uma vez que a marca tenha ganhado o manto da liderança, torna-se difícil retirá-lo. Essa crença está começando a mudar. O economista Antoine van Agtmael discute persuasivamente em seu livro "O Século dos Mercados Emergentes" (ed. Cultrix) que “está na hora de começarmos a nos acostumar à ideia de que os nomes familiares atuais – quer estejamos falando de IBM, Ford ou Shell – estão correndo o perigo de se tornarem os esquecidos de amanhã”. Tem crescido a fila de competidores que estão quase atingindo o status de nomes familiares, desde as brasileiras Embraer, Vale e Petrobras até a indiana Tata (foto), a sul-africana SAB Miller e a russa Gazprom. O leitor sabe exatamente o que está gerando essa mudança?

• Para começar, enquanto o mundo muda do domínio comercial dos Estados Unidos e do Leste Europeu para uma orientação multipolar, as populações nas economias emergentes continuarão a se tornar mais ricas e sofisticadas. Hoje, o mundo em desenvolvimento contribui com quase metade do PIB mundial, nos anos 1990 essa participação era 39%. Uma evidência da mudança de poder econômico é o desempenho das bolsas de valores do mundo antes da última crise financeira. De 2002 até 2007, os índices do mercado de ações nos países emergentes cresceram em média 42% ao ano e os das bolsas tradicionais, em média 13%. Existem muitas razões para esperar que esses padrões sejam retomados quando a economia mundial se recuperar totalmente. As novas economias estão rapidamente se tornando fontes de financiamento de desenvolvimento estrangeiro à medida que suas companhias buscam oportunidades de expansão.

• A noção de que uma companhia de mercado emergente está mais bem posicionada para entender os desafios de todos os mercados emergentes é inquestionável: a mineradora brasileira Vale faz de suas “raízes de mercado em desenvolvimento” um ponto de diferenciação competitiva, no sentido de que entende melhor as necessidades do cliente em desenvolvimento. Existe também um aspecto de “Davi e Golias” para o papel de tais empresas – fator que gera atração nos mercados em desenvolvimento.

• Aproximadamente 97% dos 438 milhões de pessoas que vão entrar no mercado de trabalho mundial até 2050 virão de países em desenvolvimento, de acordo com estudos da Accenture e da Economist Intelligence Unit. Os consumidores dos mercados emergentes representarão mais da metade do consumo mundial até 2025, segundo um estudo. O fato é que as maiores populações residem no mundo emergente e, cada vez mais, é aí que as vendas e a demanda de consumo têm crescido mais rápido. São vendidos mais eletrodomésticos na China do que nos Estados Unidos. Os chineses juntos consomem mais cerveja que os norte-americanos. O tamanho da classe média da Índia já é maior do que a população de todos os países da União Europeia juntos.

• Mais e mais pessoas ingressam na classe média no mundo inteiro – realidade demográfica que a recente crise não vai alterar – e esperam melhorar seu estilo de vida. Isso significa uma oportunidade a mais para as marcas dos mercados emergentes se tornarem mais sofisticadas, pois isso acontece ao mesmo tempo que um novo público se sofistica.

• Apesar da desconfiança que consumidores dos mercados maduros às vezes demonstram em relação a marcas de emergentes [veja quadro ao lado], várias empresas de mercados emergentes estão ganhando credibilidade por meio de aquisições. Em 2005, a chinesa Lenovo entrou instantaneamente no ranking das melhores fabricantes de computadores do mundo ao comprar o negócio de microcomputadores da IBM por US$ 1,25 bilhão. Da noite para o dia, a Lenovo apropriou-se dos desejáveis clientes da IBM e da valiosa marca ThinkPad.

Também a brasileira Vale se tornou participante conhecida no setor de mineração com sua aquisição em 2007 da centenária canadense Inco. Da mesma forma, a aquisição de US$ 11 bilhões do respeitado negócio da GE Plastics pela saudita Sabic sinalizou a crescente influência de empresas do Oriente Médio nadando nas receitas provenientes do petróleo. E a aquisição da Godiva pela Ülker a projetou de uma gigante de doces turca, que atendia clientes em seu mercado doméstico e em economias emergentes da Europa Central e do Leste Europeu, para uma participante mundial com uma lendária marca em seu portfólio.

O setor de cervejas nos dá mais dois importantes exemplos: a sul-africana SAB comprou a norte-americana Miller e a brasileira AmBev se fundiu com a belga Interbrew para constituir a InBev, que recentemente completou a aquisição da norte-americana Anheuser Busch, com sua icônica marca Budweiser. Em ambos os casos, as companhias pós-negociação ficaram com portfólios de marcas maiores e mais diversas e participações geográficas mais amplas, dando-lhes ótima estrutura para o futuro sucesso mundial.

Não só essas aquisições geram escala e mais clientes além dos compradores do mercado doméstico, como também põem as empresas no mapa mundial à medida que um novo público – clientes, governos, mídia, novos funcionários – começa a aprender mais sobre elas. No entanto, as aquisições ainda precisam superar problemas de percepção.

Novos campeões
Um produto ou serviço singular, que tenha sido provado domesticamente e esteja pronto para enfrentar um público mais amplo, é uma característica de muitos dos negócios da Bricolândia que nós chamamos de “novos campeões”. A empresa sul-africana Sasol é exemplo-chave. Maior produtora de combustíveis sintéticos do mundo, é a única empresa a ter um negócio comercialmente viável para converter carvão em combustível líquido. Em um mundo onde o carvão é mais abundante e acessível que o petróleo, poder exportar essa tecnologia, como fez a Sasol em mais de 20 países, estabelece a promessa de marca de futuro. O timing de produto e a inovação também podem ser poderosos vetores de sucesso para companhias do universo emergente.

A Nando, conceito de fast-food sulafricano construído em torno de frango grelhado temperado com molho peri-peri (à base de pimenta, comum no sul da África), construiu sua marca entre uma atitude animada e uma identidade muito forte. A empresa pode se posicionar como alternativa apropriada e focada em saúde contra os gigantes de fast-food mundiais. Ela já tem sucesso em mercados tão diversos como África do Sul, Austrália, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Índia, Paquistão, Bangladesh, Kuwait, Líbano, Emirados Árabes Unidos e Nova Zelândia.

Outra vantagem das empresas de mercados emergentes é a própria novidade. Elas não estão amarradas por investimentos e atitudes antiquadas, não têm fábricas obsoletas para serem atualizadas nem culturas arraigadas que resistem a mudanças. Além disso, podem aprender a gerar valor a partir de nichos, ao identificar segmentos de mercado e regiões geográficas não atingidos ou ignorados. Como era de esperar, a área de tecnologia viu uma abundância de novas marcas da Bricolândia nos últimos anos.

A indiana Airtel, por exemplo, está mundialmente ranqueada em quarto lugar no setor de telecomunicações móveis, atrás da China Mobile, Vodafone e América Móvil. Em um país onde em 2008 mais de 10 milhões de assinantes entraram na categoria em apenas um mês, a Airtel domina ao terceirizar toda sua infraestrutura operacional, atuando como empresa de Marketing e vendas. Lucra em média US$ 5 por usuário ao mês.

No setor de equipamentos de telecom, as chinesas Huawei e ZTE aproveitaram suas habilidades em engenharia e vantagens de custo para desenvolver e vender redes e aparelhos de telecomunicações com sucesso em seu mercado doméstico e entraram na África e na América Latina. Em serviços de tecnologia da informação, as indianas Infosys, TCS e Wipro são estrelas bem conhecidas. Ao alavancar a base de talentos do país em engenharia de software, elas estão gerenciando os sistemas operacionais de muitas das maiores empresas do mundo e agora estão migrando para consultoria. “As três gigantes indianas surgem como a próxima geração de megavendedores de serviço de TI”, observa a empresa de pesquisa Gartner.

Há também a indiana Mahindra & Mahindra, empresa de engenharia com 62 anos de tradição, que recentemente adquiriu a Tractorul Brasol, da Romênia, para se tornar uma das maiores fabricantes de tratores do mundo. Ela agora vende o Mahindra 5500 no território norte-americano, em uma competição bem-sucedida com marcas já estabelecidas, como John Deere e Caterpillar. E, da África do Sul, a MTN está surgindo como potência de telecomunicações mundial, com 74 milhões de assinantes de telefonia móvel em 21 países e US$ 6 bilhões em receitas.

Cavaleiros árabes
Um desdobramento recente tem sido o surgimento de marcas poderosas do Golfo Pérsico. Um dos exemplos mais visíveis é a Emirates, companhia aérea dos Emirados Árabes Unidos fundada há 24 anos que tem excelente reputação de qualidade e que está se expandindo rapidamente para se tornar um grande conglomerado de viagens e turismo.

A Emirates enfrenta concorrência de outra companhia aérea do golfo que está rapidamente adquirindo reputação de excelência: a Qatar Airways. A empresa do Qatar hoje se vende como “Sua empresa aérea cinco estrelas” depois de vencer o cobiçado prêmio cinco estrelas da Skytrax. O sofisticado terminal da empresa em Doha, no Qatar, cujos salões mesclam o ambiente de um clube privado com o de um hotel cinco estrelas, ecoa seu nível de serviço a bordo. Abordagens similares estão aparecendo nos negócios hoteleiros dos estados árabes.

O Jumeirah, com sede em Dubai, é a marca relativamente nova de hotéis de luxo que preocupa as maiores cadeias do mundo. A construção é uma das principais competências de Dubai, e duas marcas – Nakheel e Emaar – desbravam novos setores do mercado imobiliário. Em serviços de transporte, a Aramex já é a quinta maior empresa do mundo, e a TV Al Jazeera, baseada no Qatar, atingiu fama mundial.

Menos impulso, mais desenvolvimento
A proeminência de marca não se obtém com facilidade, mas há uma vantagem em favor das marcas emergentes. Por não terem que desbravar os caminhos pioneiramente – outras o fizeram antes delas –, podem conquistar reputações estáveis de forma relativamente rápida. O trabalho pesado já foi realizado – o pensamento por trás das regras que guiam a estratégia de marca, os experimentos para aperfeiçoar os modelos de mix de Marketing de hoje, os conceitos que embasam o gerenciamento de portfólio de marca e muito mais.

Agora, com muitas das marcas globais maduras assoladas pelas dificuldades de crédito, esta é a oportunidade de as emergentes mostrarem o que podem fazer. Muitas delas já entenderam o papel vital que a marca tem no sucesso corporativo de longo prazo.

ABC da marca
• Conheça bem seu público. É essencial identificar o público primário e o secundário para o produto ou serviço e determinar exatamente o que eles querem e não conseguem com as marcas globais já estabelecidas.

• Utilize as forças da empresa. Por exemplo, o Brasil é famoso por sua população amigável e lindas praias e também, cada vez mais, por sua sofisticada  tecnologia de perfuração no mar, engenharia aeronáutica de custo relativamente baixo, a solução flexível e criativa de problemas.

• Revisite e refine a marca. É valioso para os gestores fazer um benchmarking do posicionamento da marca, dos valores e atributos da empresa, sua identidade e sua entrega da experiência da marca contra os melhores na categoria global e então buscar maneiras de ultrapassá-los.

• Alinhe o comportamento dos funcionários e o desenho dos processos de negócios em torno da marca. Faça um programa de mudança organizacional voltado para a marca.

• Projete e gerencie experiências dos consumidores.

• Pratique o pensamento holístico e integrador, à medida que as marcas passem por fusões ou aquisições internacionais. Deve-se assegurar que a marca pós-fusão venha a ser mais convincente que suas antecessoras, apesar da diversidade de origens.

Desafio 1: Percepção das marcas
As marcas dos mercados emergentes não apenas precisam enfrentar as tradicionais, elas devem também vencer a resistência dos consumidores por conta de percepções de qualidade inferior, muitas vezes imprecisas. Da mesma forma que o “Made in Japan” já teve conotações desfavoráveis, marcas de fora do eixo Estados Unidos-Europa Ocidental precisam estar alertas para as percepções dos consumidores e realidades operacionais que moldam tal pensamento. Por exemplo, os recalls de produtos chineses mancharam seriamente a etiqueta “Made in China” e provavelmente refrearam, pelo menos por alguns anos, os esforços do país em estabelecer mais marcas de classe mundial.

Certamente, muitos consumidores ocidentais passaram a evitar brinquedos que imaginavam feitos na China e comidas para animais de estimação que supostamente continham ingredientes vindos de lá, embora não haja nenhuma comprovação de que todos os produtos apresentavam problemas.

Desafio 2: Percepção das Aquisições
Quase sempre que empresas dos países maduros são adquiridas por empresas dos países emergentes, há uma reação de desconfiança, o que precisa ser superado:

• Em 2006, a oferta feita pela DP World, dos Emirados Árabes Unidos, para adquirir seis dos portos norte-americanos da Peninsular and Oriental Steam Navigation (P&O) provocou grande comoção em relação à segurança dos Estados Unidos.

• O Tata Group indiano, um dos maiores conglomerados empresariais do mundo, que opera em 85 países diferentes com 98 empresas em áreas de negócios que
vão de consultoria a bens de consumo e siderurgia, virou manchete de jornais com sua grandiosa aquisição das marcas de carros de alto padrão Jaguar e Land Rover, ambas da Ford, no início de 2008. E o tom da cobertura foi mais xenofóbico do que se podia esperar.

• A russa Gazprom, maior empresa de gás natural do mundo, responsável por 20% do fornecimento mundial, deve fazer várias ofertas de compra por companhias fora da Rússia. A expectativa é que haja protestos políticos.

James Bell é sócio da Lippincott, divisão da Oliver Wyman, de Nova York, EUA. Possui mais de 25 anos de experiência em posicionamento de mercado, identificação corporativa e marca.

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