13 de Abril de 2007 - 15h:18

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A alienação fiduciária de bens imóveis

Por: Valor On-Line

A alienação fiduciária de bens imóveis para o fim de garantia foi regulamentada em 1997 pela Lei nº 9.514. Por esse negócio, a propriedade do imóvel objeto da garantia é transferida ao credor. Em caso de não-pagamento da dívida, aplicado o procedimento previsto na lei e esgotado o prazo legal sem que o devedor purgue a mora, dá-se a consolidação da propriedade no patrimônio do credor, seguindo-se o leilão do imóvel. O crédito será satisfeito com a quantia apurada no leilão, mas, se não se apurar uma quantia suficiente para este fim, o devedor estará exonerado do pagamento do saldo devedor remanescente, de acordo com o parágrafo 5° do artigo 27 da lei.

Quando da aprovação da Lei nº 9.514, o perdão da dívida foi justificado porque na ocasião se pensava apenas nos financiamentos habitacionais, e nestes casos é de se admitir que só em situações excepcionais poderá, na prática, ocorrer a hipótese prevista na lei, pois, em regra, na aquisição ou construção de moradia o valor do financiamento é bem inferior ao valor do imóvel.

Sucede que, em 2004, o artigo 51 da Lei n° 10.931 veio a permitir a aplicação da alienação fiduciária para operações de crédito das mais diversas, estendendo-a para a garantia das obrigações em geral, sejam habitacionais ou empresariais, admitindo, inclusive, a prestação dessa garantia por terceiros. Essa permissão legal atende à crescente busca de maior eficácia da garantia nas operações de crédito em geral e abre as mais amplas possibilidades de financiamento para o setor produtivo.

Entretanto, paradoxalmente, o perdão da dívida previsto na Lei n° 9.514 inibe a expansão dessa garantia nos financiamentos para fins empresariais. Com efeito, a exoneração da obrigação do devedor de pagar o saldo da dívida, nas execuções de créditos por título extrajudicial, é um mecanismo de compensação de caráter excepcional, que somente pode ser justificado em casos que são merecedores de proteção especial, nos quais podem estar incluídos os financiamentos com a finalidade de aquisição de casa própria, limitados às operações de natureza assistencial, em benefício de famílias de baixa renda.

Se, por um lado, pode-se cogitar de sua justificação para esses casos especiais, por outro lado não se justifica de maneira alguma nos financiamentos de moradias de padrão alto, nem nas operações de consórcio e muito menos nos financiamentos para atividades empresariais em geral.

Nos termos genéricos em que o credor está obrigado pelo parágrafo 5° do artigo 27 da Lei n° 9.514, o perdão da dívida constitui um sério obstáculo à garantia de retorno do capital mutuado.

Os parágrafos 5° e 6° do artigo 27 da Lei n° 9.514 representam um grave risco de crédito e merecem ser ajustados

Ora, nos empréstimos destinados ao comércio, à indústria ou a qualquer atividade empresarial, o empresário utilizará os recursos para o desenvolvimento de uma atividade lucrativa; é ele, exclusivamente, que se beneficia do resultado positivo do seu negócio e, em contrapartida, é dele também todo o risco do negócio. Se, de uma parte, não se justifica que o financiador se aproprie de parte do lucro do empresário, também não se justifica que compartilhe dos seus prejuízos, que, no caso da alienação fiduciária, aparece sob forma de perdão do saldo devedor, em caso de insuficiência do produto apurado no leilão.

De outra parte, nos grupos de auto-financiamento vulgarmente conhecido como consórcio, a quitação por valor inferior ao da dívida beneficiaria individualmente a pessoa do consorciado-devedor, mas causaria um irreparável prejuízo a toda a comunidade composta pelas demais pessoas participantes do grupo, pois essas pessoas é que teriam que pagar, por rateio, o saldo devedor não-amortizado pelo consorciado inadimplente. Ora, a assunção, por todos os demais consorciados, da dívida deixada pelo devedor inadimplente importa em subversão do princípio da função social do contrato, em razão da repercussão negativa do inadimplemento de um consorciado sobre todos os demais consorciados que compõem a comunidade dos participantes do grupo.

O artigo 51 da Lei n° 10.931, efetivamente, teve o mérito de ampliar o uso da alienação fiduciária para a garantia de toda e qualquer obrigação. No entanto, deixou de limitar a exoneração do pagamento do saldo residual às hipóteses em que seja socialmente justificável o perdão da dívida, e essa omissão provoca uma inaceitável disfunção da finalidade social e econômica da garantia fiduciária.

Os parágrafos 5° e 6° do artigo 27 da Lei n° 9.514 representam, efetivamente, um grave risco de crédito e podem inibir o financiamento da atividade produtiva, merecendo ser ajustados com vistas à desejada aceleração do crescimento econômico.

A correção desta grave distorção deve ser feita por via legislativa, visando limitar o perdão da dívida às hipóteses socialmente justificáveis, mediante uma alteração do parágrafo 5° do artigo 27 da Lei n° 9.514. Tendo em vista os valores que, na prática do mercado, são considerados razoáveis para imóveis destinados à moradia da classe média, este dispositivo deve ser alterado para limitar o perdão da dívida aos casos de financiamento de imóvel habitacional cujo valor não exceda a 700 salários mínimos e, bem assim, para excluir desse benefício as operações de financiamento não-habitacional e as de auto-financiamento realizadas por grupos de consórcio.

Melhim Namem Chalhub é advogado, professor e autor dos livros "Negócio Fiduciário - Da Incorporação Imobiliária" pela Editora Renovar e "Direitos Reais" pela Editora Forense

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