14 de Março de 2011 - 12h:08

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Os três princípios fundamentais da recuperação judicial

Analisa o artigo 47 da Lei 11.101/2005, utilizado como fundamento no julgamento das questões mais polêmicas sobre a Recuperação Judicial de empresas.

Por: Hugo Martins Abud - DireitoNet

Com o advento da Lei 11.101/2005, o legislador brasileiro definiu nova postura em relação ao tratamento dispensado às empresas em crise, extinguindo do ordenamento jurídico o “favor legal” da Concordata, por um novo sistema que desse real possibilidade à preservação da fonte produtiva de riqueza, no sentido mais amplo da palavra, como forma de proteger os interesses sociais em benefício da comunidade e até como forma de tutela dos direitos humanos, em particular, da dignidade da pessoa humana, no caso de manutenção da fonte de trabalho dos empregados da empresa em crise1.

Dessa forma, a Lei 11.101/2005 foi editada, tendo como princípios basilares a preservação da empresa, a proteção aos trabalhadores, e por fim os interesses dos credores.

Neste contexto, a pedra fundamental da Recuperação vem transcrita no artigo 47 da Lei, que resume em si o bem jurídico tutelado:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Esse artigo é principiológico, e traz os fundamentos que devem nortear a condução de todo o processo de Recuperação Judicial, de forma que o Estado, através do Judiciário, possa dar suporte à empresa com reais chances de recuperação, harmonizando e tutelando os interesses da coletividade, sem perder de vista os princípios fundamentais.

Portanto, dentro dessa concepção saneadora e recuperatória da empresa, a liquidação, leia-se falência, deve ser considerada um instituto residual, aplicável quando inviáveis as tentativas de saneamento e recuperação da empresa.

Isso porque, segundo Mario Ghindini2, “a empresa é um organismo produtivo de fundamental importância social; essa deve ser salvaguardada e defendida, enquanto: constitui o único instrumento de produção de (efetiva) riqueza; constitui o instrumento fundamental de ocupação e de distribuição de riqueza; constitui um centro de propulsão do progresso, também cultural, da sociedade”.

No mesmo sentido, o I. magistrado Manoel Justino Bezerra Filho, afirma que “a Lei, não por acaso, estabelece uma ordem de prioridades na finalidade que diz perseguir, ou seja, colocando como primeiro objetivo a ‘manutenção da fonte produtora’, ou seja, a manutenção da atividade empresarial em sua plenitude tanto quanto possível, com o que haverá possibilidade de manter também o ‘emprego dos trabalhadores’. Mantida a atividade empresarial e o trabalho dos empregados, será possível então satisfazer os ‘interesses dos credores’3.

Jorge Lobo4, ressalta que “para boa aplicação da lei deve haver ponderação de fins e princípios, sempre tendo em vista que a solução do conflito em si será cauística, condicionada pelas alternativas que se apresentem como hábeis para a solução do problema. Deverá o juiz sempre ter em vista, com o orientação principiológica, a prioridade que a lei estabeleceu para a ‘manutenção da fonte produtora’, ou seja, recuperação da empresa”.

Em atenção a estes princípios, Fábio Ulhoa Coelho afirma que a recuperação judicial não pode significar a substituição da iniciativa privada pelo juiz na busca de soluções para a crise da empresa, mas sim, objetivar e garantir o regular funcionamento das estruturas do livre mercado, concluindo que “o papel do Estado-juiz deve ser apenas o de afastar os obstáculos ao regular funcionamento do mercado”5.

Esta preocupação da manutenção da empresa dada pela nova legislação veio a dar efetividade aos princípios constitucionais da ordem econômica, disposto no artigo 170 da Constituição, notadamente porque valoriza o trabalho humano e a livre iniciativa, garantindo que a empresa atinja a sua função social.

Não se pode negar que as empresas guardam grande interesse social, como polo produtivo de fomento da economia, já que através delas se consegue distribuir bens e serviços, atendendo à demanda de consumo interno e também para que se fomente o mercado internacional, através das exportações, gerando ao final saldo favorável na balança de pagamentos, essencial para economia do país.

Não se pode esquecer, também, o exercício da atividade comercial gera uma reação em cadeia produtora de riqueza, já que movimenta e economia, gerando empregos direta e indiretamente.

E os trabalhadores, por sua vez, vendo mantidos seus empregos, funcionam também como mola propulsora da economia, já que “ninguém é apenas trabalhador, e essa talvez seja uma das perspectivas de análise da preservação da empresa, visto que esse indivíduo também gera riquezas ao adquirir bens ou serviços e, consequentemente, gera arrecadação de tributos6”.

Por fim, mas não menos importante, em relação à proteção dos interesses dos credores, que também é um dos objetivos da lei de recuperações, e expresso no art. 47 da Lei, podemos afirmar que através de instrumentos legais a eles foi outorgado o poder de decidir sobre o destino da Recuperação Judicial, competindo à Assembléia Geral de Credores a votação sobre a aprovação do plano de recuperação judicial.

Um dos princípios informativos do novo diploma foi o de ampliar a participação dos credores no processo de recuperação judicial, reduzindo drasticamente a interferência do juízo. Daí porque o próprio deferimento da recuperação judicial é resultante da aprovação, pelos credores, do plano apresentado pelo devedor (art. 45), deixando-se ao juiz a faculdade de deferimento da recuperação na hipótese de não aprovação do plano, na exceção do art. 58, § 1° da lei 11.101/2005.

Pelo caráter contratual da recuperação judicial, que se traduz em novação7 da dívida, podem os devedor e os credores renegociar o crédito livremente, estabelecendo novos prazos e condições de pagamento, tudo visando o saneamento da empresa, garantindo seu funcionamento.

Todavia, ao tutelar o interesse dos credores, a lei o faz no sentido lato da palavra, ou seja, visa proteger os credores no sentido coletivo, não querendo parecer justificável que em um processo de recuperação se atinja o interesse de um credor em detrimento dos outros credores, do devedor e até mesmo dos próprios trabalhadores.

Dessa forma, é de se concluir que a Lei 11.101/2005, que recentemente completou cinco anos, traz em si uma visão muito distinta do antigo sistema da Concordata, que era vista como a ante-sala da falência. Com o novo diploma, procurou-se – e o operador do direito também deve fazê-lo – trazer um moderno mecanismo jurídico, que com o suporte do Estado possa auxiliar a recuperação de empresas que possuam condições de se restabelecer, garantindo dessa forma o bem-estar social, com a manutenção da fonte produtiva, dos empregos dos trabalhadores e pagamentos dos credores.

E note-se, não se trata de favorecimento da empresa ou ainda do empresário, mas sim da recuperação da fonte produtiva, que abrange a real possibilidade de recomposição da dívida do devedor, de forma que se mantenham os empregos, se pague os credores e se dê continuidade à cadeia produtiva, gerando arrecadação de impostos, empregos indiretor e fomento da economia, em um círculo virtuoso que ao final se traduz em crescimento econômico do país.

E nesse contexto, a aplicação sistemática deste novel diploma legal deve prevalecer em relação à análise pontual de seus artigos, sempre de forma a favorecer a recuperação da empresa, razão pela qual o artigo 47 da Lei 11.101/2005 deve ser visto como a salvaguarda do operador do direito, não sendo surpresa que no julgamento de todas as questões polêmicas atinentes á interpretação da nova legislação, lá o artigo estará, como fundamento da decisão.

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