06 de Junho de 2011 - 15h:05

Tamanho do texto A - A+

Indústria ainda luta contra efeitos de tsunami

Por: Valor Online

O estrago provocado pelo maior terremoto da história do Japão nas fábricas de veículos de marcas japonesas no Brasil está longe de acabar. Já a indústria de tecnologia da informação conseguiu, até agora, driblar os efeitos da tragédia. A diferença entre os dois setores é que, enquanto as montadoras dependem exclusivamente do abastecimento do país de origem, os fabricantes de produtos de TI conseguem recorrer a fornecedores variados.

Assim que surgiram os primeiros relatos sobre o terremoto e o tsunami, no início de março, a equipe comercial da distribuidora de produtos de TI Alcateia tomou a decisão de aumentar de 30 para 60 dias o volume de estoque de alguns itens para se prevenir de uma possível falta de equipamentos baseados em componentes produzidos no Japão. A rotina tem sido mantida desde maio. "A cada semana compramos o suficiente para os dois meses seguintes", diz o diretor comercial Carlos Tirich.

Enquanto isso, para Toyota e Honda, as maiores marcas japonesas de veículos no Brasil, não restaram alternativas a não ser esperar o estoque de peças acabar e, então, reduzir o ritmo das linhas de montagem. A Toyota organizou uma agenda de paralisações e folgas para os empregados. Já a Honda demitiu 400 trabalhadores. Amanhã haverá uma audiência entre os representantes da montadora e do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas para tentar encontrar uma solução para outros 900 funcionários que continuam ociosos.

Mesmo nas empresas que não estão em situação tão grave, a demora no recebimento dos produtos dificulta o trabalho. A Alcateia tem recebido quantidades entre 10% e 15% inferiores às encomendas feitas, segundo Tirich. Ele diz que as maiores dificuldades estão na compra de discos de armazenamento de dados, os HDs, e de leitores de CD/DVD.

O problema também afeta os discos nos quais são gravados músicas e filmes. "Hoje só temos DVDs em estoque. Segundo nosso fornecedor, os CDs só chegarão ao Brasil em 30 dias", diz o executivo-chefe da Extralife, Claudinei Polatto. O prazo é longo, mas segundo ele, a situação já foi pior. Há cerca de um mês, a entrega demorava até 45 dias.

Já nas montadoras, as expectativas de normalização do abastecimento são pessimistas. A direção da Honda diz não esperar que a situação volte ao normal antes de 2012. Até lá, valerá apenas a tradicional paciência oriental.

Os fabricantes de veículos não conseguem substituir componentes que trazem do Japão. Ao contrário de montadoras de outras origens, essas marcas são muito dependentes das matrizes. A indústria automobilística japonesa costuma levar mais tempo que as demais para confiar em fornecedores locais. Apesar de os veículos fabricados no Brasil contarem com razoáveis índices de nacionalização, partes essenciais, como peças de motor, têm sido importadas do Japão desde que essas empresas construíram fábricas no Brasil, em meados da década de 90.

No setor de eletrônicos, mesmo que a China tenha se tornado o grande fabricante mundial, o Japão, que detinha esse papel nos anos 80, ainda tem participação importante no fornecimento de componentes e até produtos químicos usados na fabricação de algumas peças dos computadores. É o caso de um substrato de vidro, fundamental para a produção de HDs.

Com a produção das empresas japonesas reduzida, ou paralisada, os fabricantes tiveram que elevar os volumes das encomendas ou procurar fornecedores alternativos. Sem estrutura suficiente para atender à demanda repentina, a indústria de insumos ampliou prazos de entrega. A medida afetou a produção de alguns fabricantes e reduziu a disponibilidade de produtos para compradores de todo o mundo.

Na indústria automobilística, a Mitsubishi recorreu a uma alternativa mais cara para evitar paralisações. Administrada por grupos brasileiros, a filial da marca no país decidiu usar transporte aéreo para trazer parte das peças disponíveis no Japão. O recurso tem sido utilizado desde que o abastecimento começou a falhar, há cerca de um mês. Segundo porta-voz da empresa, outra solução tem sido aumentar a produção dos modelos para os quais não faltam peças e diminuir a dos que dependem mais dos itens importados. A Nissan também não parou ainda porque depende menos do Japão. Parte dos veículos que vende no Brasil vem de uma fábrica no México.

No setor de TI, a escassez também resultou em aumento de preços para fabricantes e distribuidores. Na Digitron, especializada na fabricação de eletrônicos sob encomenda, os custos subiram cerca de 5%, segundo Sung un Song, presidente da companhia. "Os fornecedores não estão conseguindo atender à demanda", afirma. Segundo ele, entregas que antes chegavam em 45 dias agora levam até 90 dias.

Para Sérgio Santos, diretor de vendas da fabricante de HDs Western Digital, o fator psicológico também pesa. Em momentos de incerteza acontece o que ele classifica como uma bolha de demanda criada pelo medo da falta de produtos. "Se o comprador precisa de dez, ele pede 20 e, assim, tenta se preparar para o caso de a situação piorar", diz. Para ele, essa demanda inflada dificulta calcular quanto a oferta global de fato caiu.

Os reflexos desses gargalos são sentidos de forma distinta. Com poder de compra global, que permite melhores negociações com os fornecedores, marcas internacionais como Hewlett-Packard, Dell, Lenovo, Samsung e LG não são impactadas.

Já empresas de capital nacional, que compram menos, têm sentido alguma dificuldade. "Temos que negociar mais, buscar fornecedores alternativos, adequar a configuração dos equipamentos", diz Ricardo Bloj, vice-presidente de operações da Itautec. Segundo ele, o período mais complicado será junho e julho. A expectativa, no entanto, é de que a partir de agosto a situação se normalize.

Apesar da pressão de custos, os preços dos computadores não aumentaram. Os especialistas apontam duas razões. O primeiro é que os preços dos componentes são negociados em dólar. Com o real valorizado, o poder de compra das empresas fica maior. Além disso, o poder de negociação das grandes redes mantém os preços baixos. "Se você quer repassar alguma coisa, o varejista passa a comprar de outra empresa", diz Bloj.

VOLTAR IMPRIMIR