24 de Abril de 2007 - 14h:36

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A responsabilidade tributária dos sócios pelas dívidas fiscais

Por: Última Instância - Marcelo da Silva Prado

Um dos temas mais recorrentes no contencioso tributário é a responsabilidade dos sócios (administradores ou não) pelas dívidas tributárias das empresas, mais especificamente, a possibilidade do redirecionamento da execução fiscal contra o patrimônio dos sócios.

A interpretação mais aceita pela boa doutrina defende como condição para o redirecionamento a existência de dissolução irregular da sociedade ou ficar comprovada infração à lei praticada pelo dirigente, ou este agir com excesso de poderes (artigo 135, inciso III do CTN
1). Fora dessas hipóteses, os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não responderiam, em caráter solidário, pelas dívidas fiscais assumidas pela sociedade.

Houve uma grande discussão na jurisprudência sobre o significado do termo infração à lei, já que dever tributo seria uma infração à lei e poderia então conduzir a responsabilidade automática dos sócios da pessoa jurídica se tomássemos a interpretação literal do CTN.

Felizmente, a jurisprudência tratou de rejeitar essa interpretação capitaneada pelas Fazendas Públicas e passou a entender que somente a infração à lei penal é que permitiria o redirecionamento ao sócio
2. Ou seja, não basta o simples inadimplemento, necessário o ato doloso do agente, comumente presente nas hipóteses em que a pessoa jurídica não observa minimamente o cumprimento das obrigações acessórias, declarando valores falsos na DCTF, DIRPJ, GIA etc.

Outro ponto muito controverso é o de definir o que seria a dissolução irregular da sociedade. O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que o encerramento das atividades equivaleria a dissolução irregular da sociedade
3.

Acredito que essa não seja a melhor interpretação para essa questão, pois o insucesso comercial poderia muito bem conduzir ao encerramento das atividades sem que haja nessa atitude qualquer irregularidade. Na prática, equivaleria a dizer, que o comerciante deveria manter aberto o estabelecimento comercial, mesmo que tal fato seja simplesmente impraticável apenas em razão de dívidas fiscais? Não nos parece ser uma interpretação razoável, até porque com débitos tributários não é possível extinguir uma empresa regularmente.

Uma alternativa é a indicação de algum endereço mesmo após o encerramento das atividades comerciais, visando evitar a configuração da dissolução irregular, popularmente conhecida como “golpe na praça”.

De qualquer forma, em todas as situações previstas no artigo 135, inciso III do CTN, o ônus da prova da infração de lei, contrato social ou estatuto social, ou da dissolução irregular era sempre do exeqüente, ou seja, das Fazendas Públicas.

Feito esse breve resumo da interpretação vigente, passemos à análise de recente decisão tomada pela 1ª Seção do STJ que altera as premissas aqui lançadas. Senão vejamo
s:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO. DÉBITOS RELATIVOS À SEGURIDADE SOCIAL. CDA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE CERTEZA E LIQUIDEZ. NOME DO SÓCIO. REDIRECIONAMENTO. CABIMENTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

1. A responsabilidade patrimonial do sócio sob o ângulo do ônus da prova reclama sua aferição sob dupla ótica, a saber: I) a Certidão de Dívida Ativa não contempla o seu nome, e a execução voltada contra ele, embora admissível, demanda prova a cargo da Fazenda Pública de que incorreu em uma das hipóteses previstas no artigo 135 do Código Tributário Nacional; II) a CDA consagra a sua responsabilidade, na qualidade de co-obrigado, circunstância que inverte o ônus da prova, uma vez que a certidão que instrui o executivo fiscal é dotada de presunção de liquidez e certeza.

2. A Primeira Seção desta Corte Superior concluiu, no julgamento do ERESP n.º 702.232/RS, da relatoria do e. Ministro Castro Meira, publicado no DJ de 26 de setembro de 2005, que:

a) se a execução fiscal foi ajuizada somente contra a pessoa jurídica e, após o ajuizamento, foi requerido o seu redirecionamento contra o sócio-gerente, incumbe ao Fisco a prova da ocorrência de alguns dos requisitos do artigo 135, do CTN, vale dizer, a demonstração de que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou a dissolução irregular da empresa;

b) constando o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário na CDA, cabe a ele, nesse caso, o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN, independente de que a ação executiva tenha sido proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio ou somente contra a empresa, tendo em vista que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do artigo 204 do CTN c/c o artigo 3º da Lei 6.830/80.

3. In casu, consta da CDA o nome dos sócios-gerentes da empresa como co-responsáveis pela dívida tributária, motivo pelo qual, independente da demonstração da ocorrência de que os sócios agiram com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa, possível revela-se o redirecionamento da execução, invertido o ônus probandi.

4. Embargos de divergência providos. (EREsp 635.858/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14 de março de 2007, DJ 2 de abril de 2007 p. 217)

Da leitura da ementa percebemos que o STJ modificou parcialmente o seu entendimento anterior, agora em se tratando de dívidas com a Seguridade Social, basta o INSS incluir desde o início da ação, já na Certidão de Dívida Ativa, os nomes dos sócios, para que o ônus da prova passe a esses, que deverão provar que não agiram com dolo ou fraude. A dificuldade nessas situações é evidente, já que na execução fiscal o executado sofre a constrição dos seus bens para então poder apresentar a sua defesa (embargos à execução fiscal).

A lei que dá fundamento à colocação dos sócios no pólo passivo desde o início do processo, é o artigo 13 da Lei ordinária 8.620⁄93, que tem a seguinte redação
:

Artigo 13. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.

Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa.

Esse dimploma escancarou uma solidariedade tributária dos sócios pelos débitos da pessoa jurídica em contrariedade ao CTN, que foi recepcionado pelo artigo 146 da Constituição federal como lei complementar e logo somente poderia ser alterado por outra lei complementar, nunca por mera lei ordinária.

Diversos são os motivos para que essa interpretação não vingue, mas deixarei para a coluna da próxima semana a continuação desse tema.

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