03 de Maio de 2007 - 14h:40

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Polêmica: Tributação por analogia

Por: Gazeta Mercantil

Circula nos meios jurídicos e empresariais um preocupante projeto de lei pretensamente regulamentador do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional (CTN). Infelizmente, a redação desse projeto desconsidera, para fins fiscais, "atos ou negócios jurídicos praticados" sem dolo, fraude ou simulação (artigo 1, § 2, do projeto de lei), a fim de tributar "atos ou negócios jurídicos equivalentes aos praticados" (artigo 2, § 3, I, do projeto).

Ora, essa tributação de "atos ou negócios jurídicos equivalentes aos praticados" configura efetivamente tributação por analogia ou interpretação econômica, proibidas pelo princípio constitucional da estrita legalidade (artigo 150, I, da CF/88) e pelo artigo 108, § 1, do CTN. Essas objeções jurídicas evidenciam-se pelo enorme poder de subjetividade atribuída ao Fisco na escolha daquilo que seria "equivalente" aos atos ou negócios jurídicos praticados, instaurando generalizada insegurança no planejamento e implementação de legítimos empreendimentos empresariais, dando margem ao in dubio pro fisco, qualitativo (na dúvida, tribute-se) e quantitativo (na dúvida, a maior tributação).

O projeto de lei começa bem, dispondo que "são passíveis de desconsideração atos ou negócios jurídicos (praticados sem dolo, fraude ou simulação) visem a ocultar os reais elementos do fato gerador, de forma a reduzir o tributo, evitar ou postergar o seu pagamento" (artigo 1, § 1 e § 2, do Projeto). Contudo, desvirtua-se pelo caminho da analogia, em rota de colisão frontal contra a Constituição Federal de 1988 e contra o CTN. Todavia, essa rota poderia ser corrigida pela substituição das referências a "atos ou negócios jurídicos equivalentes aos praticados" (analogia) por "atos ou negócios jurídicos reais, porém, dissimulados pelos praticados" sem dolo, fraude ou simulação (dissimulação).

Além disso, o projeto descarrila-se dos trilhos fixados pelo parágrafo único do artigo 116 do CTN, consubstanciados na desconsideração de atos ou negócios dissimulatórios, que pressupõem logicamente atos ou negócios reais por trás dos dissimulatórios e não atos ou negócios jurídicos equivalentes aos dissimulados, mas juridicamente irreais. Nem todo ato ou negócio jurídico dissimulado é oculto por atos ou negócios jurídicos falsos (simulação relativa).

Segundo ampla jurisprudência judicial e administrativa, certos atos ou negócios jurídicos dissimulados também podem ser ocultos por atos ou negócios jurídicos reais (não simulados), porém ilícitos, porque praticados com abuso do direito ou em fraude à lei (civil, distinta da fraude penal). Por exemplo, o enquadramento, abusivo ou em fraude à lei, de uma empresa no Lucro Presumido ou no Simples é um fato real que dissimula ou atenua os efeitos do lucro tributável, igualmente real. É o que Torquato Accetto chamou de "dissimulação honesta".
Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus! (Mt 22:21).

Douglas Yamashita é advogado tributarista e sócio da Advocacia Rodrigues do Amaral
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